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Organizações denunciam à CIDH cenário atual de violações de direitos e riscos à democracia neste ano eleitoral


Comissão Interamericana de Direitos Humanos assumiu compromisso de diálogo com demais organismos internacionais e nova agenda com organizações.

 Ato no Rio de Janeiro pede justiça para o trabalhador Genivaldo de Jesus Santos, morto por policias rodoviários. Foto: Fael Miranda

O Brasil vive um grave contexto de ameaça à democracia e de violação dos direitos humanos, com fomento institucional à violência por ações estatais ou por manifestações de autoridades públicas atualmente no exercício de funções públicas e de violência política, especialmente contra mulheres, indígenas, quilombolas e população negra que ocupam cargos representativos. Um cenário que deve ser intensificado em razão do ano eleitoral. É o que denunciou, entre outros destaques, um conjunto de redes de promoção e defesa dos direitos humanos à presidenta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Relatora para o Brasil, Julissa Mantilla Falcón, na quinta-feira (26), em agenda entre as organizações e o organismo internacional.

No centro das atenções, o país tem sido foco de observação e preocupação externas em razão dos ataques pela Presidência da República à confiabilidade do sistema eleitoral e riscos à ruptura democrática, com o não reconhecimento do resultado do pleito eleitoral. O estado de alerta gerou o acionamento de organismos internacionais, como da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Parlamento do Mercosul (Parlasul), para observação eleitoral.

No entanto, para as organizações de direitos humanos o cenário de violações já é realidade instalada e não preocupação adstrita ao período eleitoral (agosto a outubro).  “Do ponto de vista das organizações vemos riscos de outra ordem e que não têm recebido a atenção necessária: a intensificação das violações de direitos humanos no contexto pré-eleitoral. Riscos atuais e não que vão começar a nos preocupar apenas em outubro”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Camila Gomes.  

 

Violência política
Marcada pela polarização política e incitação ao ódio, as eleições de 2020 já demonstraram índices de violência política sem precedentes. De acordo com monitoramento realizado pela Terra de Direitos e Justiça Global no período eleitoral do último pleito foi registrado um aumento de quase 200% em relação aos demais meses de 2020.  Com saldo de discriminação e preconceito que não se dissipou após as eleições, as representações de mulheres, população negra, periférica, LGBTQIA+, quilombolas e indígenas eleitas têm sido, desde então, alvos crescentes de intensa violência política em razão da disputa e contestação dos poderes dominantes.

Presentes na reunião com a CIDH a vereadora por Niterói (RJ), Benny Briolly (PSOL), e o vereador por Curitiba (PR), Renato Freitas (PT), alertam não apenas para a progressiva tolerância estatal às ameaças e ataques que sofrem nos exercícios dos mandatos desde quando foram eleitos em 2020, como também pelo clima de fomento e impunidade à violência em que os autores são os demais legisladores. Poucos minutos antes da agenda com a CIDH Benny participava de uma sessão sobre racismo religioso e foi agredida por outro vereador. “Venho de uma sessão na qual acabei de ser agredida, a sessão foi interrompida, invadida. E nada foi feito, não há nenhum amparo. A polícia está aqui dentro da Câmara. Venho sendo vítima de uma série de ameaças de morte, xingamentos, perseguições. Já foram realizados 4 boletins de ocorrência e mais de 20 ameaças de morte. Temos um dossiê destas ameaças. É cada vez mais difícil exercer a atividade legislativa”, relata a primeira vereadora trans de Niterói. Sem amparo da Câmara, ela mantém o pagamento de um carro blindado com o apoio partidário.

Negro, periférico e defensor de direitos humanos, o vereador Renato Freitas sofre um processo de cassação do mandato pela Câmara de Curitiba com a acusação de quebra de decoro parlamentar. No dia 10 de maio o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar votou pela cassação de seu mandato. O processo deve ser submetido ao plenário da casa legislativa nos próximos dias, caso aprovado pela maioria absoluta (20 dos 38 vereadores) resultará não apenas na perda do mandato como também dos direitos políticos por dez anos. “Há um ponto evidente que liga todos os casos [de violência política contra defensores de direitos], que é a perseguição de cunho racial, discriminatório, que estamos passando”, relatou ele à presidenta da CIDH.

“É fundamental ampliarmos o entendimento de que as eleições de 2022 traz explícitas particularidades provocadas pelo avanço da representatividade das mulheres, dos negros, das mulheres LGBTQIA+ nos espaços de poder. As ameaças, as perseguições, as tentativas de barrar os mandatos, é uma experiência que as população negra, trans e outras vivem no Brasil”, sublinha a representante da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras e Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, Valdecir Nascimento.

De acordo com as organizações solicitantes da agenda com a CIDH, o assédio, a intimidação psicológica, as ameaças e a violência propriamente dita contra estas populações nos espaços de poder não apenas viola direitos fundamentais, como também avaliza o processo de concentração do poder nos grupos e elites que historicamente dominam estes espaços.

 

Novas ameaças

Na denúncia à CIDH, as organizações ainda destacaram que o legislativo federal tem sido um importante agente na institucionalização do autoritarismo e riscos à atuação de quem defende os direitos humanos no país. No momento, tramita, de acordo com as organizações, mais de 30 projetos de lei que modificam a Lei 13.260/2016, nomeada de “Antiterrrorismo”. As propostas abrem brechas para enquadramento penal da ação de movimentos sociais como prática terrorista, entre outras questões. Já os projetos que tratam da legislação de armas, parte significativa da flexibilização, totalizam 366 iniciativas legislativas. Com sistemática violência pelos agentes de segurança pública, como o recente Massacre do Vila Cruzeiro com 23 mortes por agentes de segurança pública, e milícias urbanas e rurais, a flexibilização do armamentismo é vista com forte preocupação.

Indiferente aos alertas da sociedade sobre impactos negativos à democracia com a aprovação destas medidas, o Congresso ainda tem inviabilizado o debate público sobre os projetos. 

“No mesmo dia em que organizações da sociedade civil se reuniam com o relator da ONU para liberdade de reunião e associação, Clement Voule, em abril deste ano, em Brasília (DF) para entre outras denúncias, apontar os riscos dessas legislações já em tramitação no Congresso Nacional para o exercício dessas liberdades, o Presidente da República enviou ao Congresso Nacional 3 projetos referentes a esses temas dentre eles o excludente de ilicitude, uma espécie de legítima defesa aos agentes de segurança que cometem crimes em operações policiais, alguns projetos preveem inclusive medalhas e condecorações aos agentes por essas ações, a sociedade civil denomina essa iniciativa de “licença para matar”, permite a não investigação e punição de agentes de segurança que cometam excessos em ações policiais”, alerta a integrante da Plataforma Dhesca e assessora política da Terra de Direitos, Gisele Barbieri. 

Além do assédio judicial a pessoas que defendem direitos humanos, o representante da organização Artigo 19 e do Comitê Brasileiro de Defesa das Defensoras e Defensores de Direitos Humanos destaca que a desinformação sobre a atuação destas pessoas contribui para o reforço de um ambiente de risco. “Há um projeto articulado de desinformação que regularmente escolhe como alvo defensoras e defensores de direitos humanos e isso gera uma estigmatização destas pessoas, as expondo intensamente a risco”. Ele cita também a ocorrência de ataques digitais, ataques diretos com hackeamento de contas e acesso a dados sigilosos de defensores como parte deste projeto.

Compromisso
Diante da solicitação das organizações de que a CIDH garanta representantes da Comissão na delegação da OEA na observação das eleições, a presidenta do organismo internacional apontou que já estão em diálogo, assim como com demais órgãos. Julissa Falcón ainda se comprometeu a realizar nova escuta às organizações no prazo de dois meses, avaliar os relatos e denúncias trazidas pelo grupo, com especial atenção para as violências sofridas por mulheres negras, indígenas e LGBTQIA+.



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos