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Justiça arquiva inquérito contra líder de rádio comunitária


Por Vinicius Gessolo de Oliveira, advogado popular da Terra de Direitos

A Associação Comunitária do Jardim Esperança, ex-Vila Pluma, no Pinheirinho, zona sul de Curitiba, foi fundada em novembro de 1981, e um dos seus objetivos estatutários é a manutenção de uma rádio comunitária, nos termos da lei 9.612/98 - lei da radiodifusão comunitária. A Associação Comunitária do Jardim Esperança mantinha uma rádio genuinamente comunitária, com abrangência no bairro e adjacências, que era utilizada por diversas entidades sociais.No ano de 2004, diversas entidades sociais se reuniram e enviaram pedido de autorização de funcionamento para o Ministério das Comunicações em 18.03.2004.

Passados três anos, não houve resposta do Ministério, sequer um aviso. Embora haja freqüência disponível para emissoras comunitárias na região, o Ministério não deferiu o pedido. Enquanto isto, a Associação comprou equipamentos para a Rádio Comunitária, homologados pela Agência Nacional das Telecomunicações - ANATEL - com arrecadação de doações e campanhas. Como forma de exercício do direito à comunicação, a rádio foi colocada no ar temporariamente. Na faixa 89,7 FM, a rádio serviu de instrumento de divulgação para escolas, associações de moradores, agentes de saúde, igrejas e moradores de outros bairros que utilizavam o serviço. Pessoas e entidades que não têm lugar nas rádios convencionais. Com informação e diversão, a rádio se consolidou na região do Pinheirinho.

Porém, em 04 de março de 2005, de forma inconstitucional e ilegal, dois agentes da Anatel foram até a Associação e interromperam o funcionamento da rádio e lacraram os equipamentos. A Polícia Federal abriu inquérito policial e apreendeu a aparelhagem da Associação.

Diversas entidades que utilizavam e apoiavam a rádio, manifestaram apoio à Associação Comunitária, como: Conselho Tutelar do Pinheirinho, Escola Etelvina Ribas, Colégio Estadual La Salle, Colégio Estadual Prof. Loyola, Escola Isabel Lopes Santos Souza (todos do Pinheirinho), CEFURIA , Igreja Evangélica Irmãos Menonitas da Vila Rio Negro, o CECOPAM , a Igreja Quadrangular do Jd. Pinheiros, a Associação de Moradores da Vila São Pedro, Conselho Regional de Serviço Social da 11ª Região - Paraná, a Associação Comercial da Macrorregião do Pinheirinho, o vereador Pedro Paulo Costa, Terra de Direitos, dentre outras.

A Associação de Moradores, representada pela Terra de Direitos, recorreu ao Judiciário requerendo a retirada do lacre da ANATEL e a autorização de funcionamento em face da demora injustificada do Ministério das Comunicações em autorizar definitivamente, ou que fosse determinado prazo para decisão do Ministério. Os pedidos foram negados pelo Juiz da 3ª Vara Federal do Paraná. A Associação de Moradores recorreu ao Tribunal Regional Federal que manteve a sentença e também negou os pedidos da Associação, contrariando as decisões do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal que autorizam o funcionamento das rádios comunitárias nestes casos.

As medidas de criminalização do Governo Federal

Para reprimir a iniciativa comunitária e social e as lideranças que trabalhavam gratuitamente, o governo federal utiliza diversos instrumentos. Além de não se manifestar sobre o pedido de autorização de funcionamento, proposto em 2004, ANATEL iniciou a repressão. A rádio comunitária foi impedida de funcionar e aparelhagem foi lacrada pela ANATEL, que acionou a Polícia Federal para proceder a apreensão da aparelhagem - adquirida por meio de doações realizadas pela comunidade. Depois, foi aberto um processo administrativo na ANATEL, que, apesar da defesa da Associação e da Terra de Direitos, culminou na aplicação de multa no valor de R$1.700,00, pelo suposto crime de radiodifusão sem autorização da lei 9.612/98. A Associação recorrerá da multa aplicada.

Após, a Polícia Federal ainda instaurou um Inquérito Policial, que estava em trâmite na 3ª Vara Federal Criminal de Curitiba, sob o n.º 2005.70.00.022258-6, para indiciar o Presidente da Associação Comunitária do Jardim Esperança, Ronny Roque da Silva, por crimes contra as telecomunicações (art.183 da lei 9.472/97). No inquérito policial, houve a apreensão da aparelhagem.

Arquivamento do Inquérito Policial: a primeira vitória da Associação Comunitária

Porém, após a manifestação do Ministério Público Federal - em anexo - pedindo o arquivamento do inquérito policial federal por se tratar de um crime insignificante para o sistema penal, o Juiz Federal Nivaldo Brunoni da 3ª Vara Federal Criminal, determinou o arquivamento do inquérito, tendo em vista que "o fato investigado não possui relevância penal" e autorizou a devolução do aparelho transmissor apreendido em 30 dias - decisão em anexo. Trata-se de uma decisão importante para garantir a liberdade a centenas de pessoas que estão sendo processadas no Brasil pelo crime de comunicar sem autorização do Ministério.

Em vista disto, a Associação continuará pleiteando a autorização definitiva do Ministério das Comunicações.

A repressão às rádios cerceia o direito humano à comunicação dos ouvintes.

A ação das rádios comunitárias é elementar para a democracia brasileira , na transição contra a monopolização dos meios de comunicação e a democratização do acesso à informação .

O direito à comunicação é reconhecido pela Constituição Federal nos artigos 5º , incisos IV, IX e XIV, e 220 sendo, portanto, inconstitucional qualquer atitude ilegal que reprima a comunicação comunitária.

O Brasil é signatário de diversos Tratados Internacionais que reconhecem o direito à comunicação, o que obriga o Estado Brasileiro a cumpri-la. A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em seu artigo 19 garante a "liberdade de opinião e de expressão", este direito compreende "liberdade de receber e transmitir informações e idéias pôr quaisquer meios". As rádios comunitárias são uma alternativa à concentração dos meios de comunicação nas poucas famílias que detém este "quarto poder" na América Latina. E esta alternativa vem sendo utilizada por grupos sociais excluídos, desde índios, a camponeses a favelados. A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos - Pacto San José da Costa Rica - ratificada pelo Brasil no Decreto Lei 678/1992, assegura a existência destes meios alternativos de comunicação.

Os ouvintes da Rádio Comunitária do Jardim Esperança recebiam informações sobre os postos de saúde, sobre as escolas da região, discussões sociais e políticas e muitas outras informações de utilidades públicas que foram censuradas pela ação da ANATEL e da Polícia Federal. Tratou-se, definitivamente, de violação do direito humano à informação e à livre comunicação prevista na Constituição e nos tratados internacionais. Os moradores do Jardim Esperança foram impedidos de receber e transmitir informações. Mas resistem para manter sua voz no ar.

A função social da comunicação

A utilização de aparelhagem de baixa potência, até 25 watts EPF, não tem condições de atingir os sinais de rádios policiais ou de aeroportos. Os aparelhos utilizados pelas rádios comunitárias, tem, além de baixa potência, cobertura restrita a 1 quilômetro. O que tem causado acidentes são a demora injustificada na decisão dos pedidos de autorização e a legislação neoliberal aplicada pelo atual Governo.

Apesar da violação permanente de seus direitos humanos, os moradores do Jardim Esperança e apoiadores de outras Vilas e entidades, manterão a resistência, pela vontade de conseguir um "espaço no rádio".



Ações: Direito à Cidade,Democratização da Justiça
Eixos: Terra, território e justiça espacial,Democratização da justica e garantia dos direitos humanos
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