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Plano Diretor de Curitiba: Avançamos?


Artigo de assessora jurídica da Terra de Direitos avalia proposta de lei do Plano Diretor de Curitiba, apresentada pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba no último dia 20.

Para Luana Xavier, novo planejamento da cidade avança em conceitos, mas permanece esvaziado em aplicabilidade. “Ele leva, novamente, para fora do Plano, a decisão sobre a conformação do território, sobre a política urbana e sobre a tão sonhada justiça sócio-espacial”, indica em artigo.

Para a advogada, grande avanço do novo planejamento é a meta de combater vazios urbanos e a subutilização de imóveis em áreas centrais e infraestruturadas da cidade.

Proposta de lei deve ser validada por plenária estendida do Conselho da Cidade de Curitiba (Concitiba), nos dias 6 e 7 de fevereiro. Após isso, segue para aprovação da Câmara Municipal.

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Plano Diretor de Curitiba: Avançamos? 

Por Luana Xavier Pinto Coelho, assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante da Frente Mobiliza Curitiba. Mestre em Urbanismo, habitação e cooperação internacional.

Após um processo truncado e confuso de revisão do Plano Diretor de Curitiba, chegamos ao momento onde temos em mãos o documento que apresenta a proposta da prefeitura para o desenvolvimento da cidade, após a filtragem daquilo que chegou enquanto proposta da sociedade.

A Frente Mobiliza Curitiba tentou, desde o início do processo, garantir que esta revisão pudesse ser qualificada e, para tanto, acreditava que antes da participação da população deveria ser apresentado um diagnóstico do plano em execução, o plano de 2004. O trabalho prévio à revisão deveria contemplar várias informações, tais como, dos objetivos e metas daquele plano: o que foi ou deixou de ser realizado, quais as dificuldades na regulamentação de diversos instrumentos, dentre os que foram regulamentados qual foi o impacto nas diversas áreas, onde estamos e o que precisamos avançar. Este diagnóstico nunca foi apresentado, o que dificultava a compreensão de onde deveríamos melhorar.

Por outro lado, o Plano Diretor vigente consiste em lei genérica, com pouca aplicabilidade, por trazer pouco detalhamento para o que propõe. Não se tem ali um modelo de cidade a se construir. A intenção dos atores envolvidos na Mobiliza Curitiba era a de avançarmos neste ponto, na utopia de revolucionarmos a forma de conduzir os processos ena esperança que pudéssemos nos dirigir rumo a um plano menos vago e mais eficaz, aplicável, real e participativo.

O que temos na proposta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) já era esperado pela fala do prefeito no início do processo: “Não há espaço para grandes mudanças” (Gazeta do Povo, 15/03/2014). Pena, perdemos a chance de construir coletivamente um instrumento onde Curitiba, cidade conhecida pela inovação, pudesse voltar a fazê-lo. A proposta da prefeitura avança? Sim, não há dúvidas de que é um documento melhor do que o anterior - há avanços em alguns pontos, sana alguns vícios conceituais, inclui temas que eram ausentes. Mas é isso. Avança nos conceitos e é aí que ficamos.

O Plano continua a ser genérico, esvaziado de aplicabilidade. Ele leva, novamente, para fora do Plano, a decisão sobre a conformação do território, sobre a política urbana e sobre a tão sonhada justiça sócio-espacial. A minuta do projeto de lei faz previsão de elaboração de 16 leis específicas para regulamentar os institutos que dispõe. Ou seja, exatamente nos temas que podemos dizer que o Plano avança, pois aborda de forma mais extensa estas temáticas, ele deixa a decisão dos critérios de sua aplicação para lei específica, deixando esvaziado de conteúdo político e de força diretiva o texto proposto.

Neste ponto já podemos mencionar, então, os pontos positivos do Plano. Pela principiologia e pelo detalhamento dos instrumentos do Setor Especial de Habitação de Interesse Social (SEHIS) e do IPTU Progressivo, a minuta apresentada traz, mesmo que somente como pano de fundo e sem autoaplicabilidade, a meta clara de que Curitiba quer enfrentar o desafio de combater vazios urbanos e a subutilização de imóveis em áreas centrais e infraestruturadas. É um avanço claro, ao menos em termos de meta, o que era ausente no plano anterior. Agora temos em diversas passagens do texto a menção da necessidade de “induzir a ocupação das áreas não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas, dotadas de infraestrutura” (art. 17, VIII).

Na mesma linha, temos a diversificação das tipologias de Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS), que o plano manteve a nomenclatura local divergente da nacional - SEHIS. Avançamos na compreensão de que não há um conceito fechado para ZEIS e/ou SEHIS, e que esta pode se conformar a diferentes realidades. A previsão de SEHIS de regularização fundiária, SEHIS de vazios e SEHIS de produção, pode impulsionar a política de Habitação de Interesse Social (HIS) no município, garantindo controle do preço da terra nas zonas demarcadas. Mas não avançamos com a previsão do art.62, § 2º, de que “a definição de critérios e parâmetros de uso e ocupação do solo” para cada tipo de SEHIS estará disposto em lei específica. O próprio Plano Diretor poderia trazer a previsão destes critérios - ausentes, voltamos à realidade dos conceitos vazios e não auto-aplicáveis.

Ainda neste esforço, o Plano dá um salto qualitativo na abordagem do IPTU progressivo, com contornos mais diretivos para sua futura aplicação. É um dos instrumentos que mais sofreu alterações se comparado à lei vigente. Na mesma linha, contudo, faz menção a lei específica para definir as etapas de aplicação, critérios, localização e tamanhos dos lotes (art. 98). Avançamos e retrocedemos na mesma medida. O instrumento já era previsto e nunca foi amplamente aplicado, visando gerar os efeitos que propõe. Mais uma vez, deixa definições importantes para depois.

Das propostas que a Frente Mobiliza Curitiba trouxe para esta revisão, uma delas era a previsão de cota de solidariedade em grandes empreendimentos imobiliários, para co-financiamento da produção de HIS. A ideia foi absorvida pelo plano com a previsão da Cota de Habitação de Interesse Social, cuja regulamentação também fica para lei fora do Plano.

Na temática da regularização fundiária tivemos pequenos avanços, porém foi tímida a abordagem frente à realidade das ocupações irregulares no município e a ausência de política clara sobre o tema. Ficou ausente a definição sobre a gestão e execução desta política, mesmo com todas as críticas trazidas nos debates de que política pública não poderia ser pensada e executada de forma terceirizada através da companhia de habitação exclusivamente. Por outro lado, o Plano traz o compromisso de maior aporte financeiro municipal na política de habitação de interesse social, hoje custeada prioritariamente com recursos do governo federal e pagamento dos mutuários.

No campo da mobilidade urbana, há inserção de diversos capítulos antes ausentes. Mesmo mantendo o caráter de generalidade nas abordagens, as inserções no tema avançam num conceito de mobilidade urbana que privilegia o coletivo e o não motorizado. Temos seções novas para inclusão da circulação não motorizada, circulação de pedestres, circulação de bicicletas e até para estacionamentos. Poderíamos ter avançado em metas mais programáticas para a integração modal plena, além de não ter sido incorporada a proposta de integração temporal, com a adoção do bilhete único. Lembrando que este processo de revisão do Plano Diretor ocorre logo após a edição de uma lei nacional sobre mobilidade urbana (Lei n. 12.587/2012) que trazendo conceitos abrangentes, deixa ao município a tarefa de dá-los concretude direcionada à realidade local.

Sem pretender abordar todas as temáticas englobadas no PD, a proposta trazida à análise pública nos deixa o desafio: quando este Plano pretende ser executado? Temos uma pista no art. 153, que em seu §2º dá o prazo de 1 (um) ano ao município para instituir comissão com a finalidade de propor as adequações na legislação vigente. Não há prazo, contudo, para elaboração das legislações regulamentadoras ausentes no compêndio vigente.

Este texto vai passar, ainda, pelo debate e votação da plenária estendida e pela Câmara Municipal, onde outros projetos (técnicos ou políticos) poderão se desdobrar até a sanção final.



Ações: Direito à Cidade
Eixos: Terra, território e justiça espacial