Sem territórios e
povos protegidos,
não há justiça climática


Notícias da COP 30

Caravana da Resposta chega a Belém (PA) com soluções dos territórios para a crise climática


Povos e comunidades tradicionais percorrem três mil quilômetros para denunciar o agronegócio e afirmar alternativas de vida e de resistência 

Foto: Terra de Direitos

Durante sete dias, percorrendo mais de três mil quilômetros entre estradas e rios, povos indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras, trabalhadores rurais, extrativistas, agricultores e agricultoras familiares, comunidades tradicionais e movimentos sociais chegaram, nesta terça-feira (12), a Belém (PA) com a Caravana da Resposta. A iniciativa levou 320 pessoas do Pará e Mato Grosso até a capital paraense sede da COP 30 as reivindicações e soluções construídas nos territórios para o enfrentamento da crise climática.  A Terra de Direitos se somou a essa construção.  

“A gente não está aqui a passeio. Viemos construir estratégias, debater, compartilhar nossas experiências nos territórios e fortalecer uma luta conjunta para chegar em Belém em unidade: indígenas, quilombolas, extrativistas, agricultores familiares, todos”, destaca Fred Santana, do Movimento dos Atingidos por Barragens de Itaituba, sudoeste do Pará.   

Idealizada pela Aliança Chega de Soja, composta por mais de 40 organizações de povos e comunidade tradicionais, movimentos e organizações sociais - entre elas a Terra de Direitos- , a Caravana foi construída ao longo de meses de reuniões, captação de recursos e mobilização nos territórios.  

A definição do percurso, que seguiu a BR 163, saindo do Mato Grosso até o Pará, de onde seguiu pelas águas do Rio Amazonas até Belém, foi estratégica: denunciar, ao longo da rota de escoamento da soja, a destruição causada por esse modelo de desenvolvimento que ameaça e devasta territórios tradicionais. Mais do que somente denunciar e expor o modelo explorador, o objetivo também foi apresentar alternativas reais vinda dos territórios, onde povos e comunidades tradicionais resistem aos impactos dessa infraestrutura feita para o agronegócio e mantém seus modos de vida com saberes e práticas tradicionais e ancestrais, que são as verdadeiras soluções para o enfrentamento da crise climática.  

Foto: Terra de Direitos

Projetos de infraestrutura da destruição 

A agricultora familiar Francisca Barroso, da Rede de Agroecologia do Trairão, município localizado às margens da BR 163, explica que a rodovia nunca foi pensada para as comunidades que vivem nas proximidades.  

“São projetos que o governo faz e que, em um primeiro momento, a gente até se alegra porque pensa que vai servir para nós. Na verdade, não é. A BR-163 foi feita no mesmo período da Transamazônica, mas está aí a Transamazônica: em alguns trechos não tem asfalto nenhum. Já a BR-163 está toda concluída, mas por quê? Porque não é a BR para nós. É uma BR para o agronegócio, para o sojeiro”, denuncia Francisca.  

Essa fala de Francisca exemplifica bem como os projetos de infraestrutura foram - e ainda são -planejados para a Amazônia: sem considerar ou ouvir os povos da região. O governo projeta e incentiva grandes empreendimentos sem consulta às comunidades afetadas.  

Um exemplo é a Ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, que prevê conectar Sinop (MT) a Miritituba (PA) para reduzir os custos de exportação da soja e do milho do Cerrado pelo Norte. 

Projetos como a Ferrogrão, as hidrovias dos rios Tapajós, Madeira e Tocantins e hidrelétricas, portos e outras grandes obras provocam impactos profundos sobre os modos de vida e os territórios de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da Amazônia. Essas são algumas das principais denúncias da Caravana da Resposta e da Aliança Chega de Soja.  

Jornada Fluvial: informação como ferramenta de luta 

Após quatro dias trafegando na BR-163 em comitiva de ônibus, a Caravana da Resposta chegou a Santarém, no Oeste do Pará, no dia 08 de novembro. Dali, partiu em uma balsa de três andares que navegou pelo Rio Amazonas até Belém.  

Durante os três dias de viagem, os povos e comunidades tradicionais participaram de rodas de conversa, assembleias, momentos culturais e de compartilhamento de experiências sobre lutas e resistência em seus territórios.  

No domingo (09), o dia foi dedicado a debater as principais ameaças da infraestrutura da soja planejada para a Amazônia. Divididos em três rodas de conversa - uma em cada andar do barco -, os participantes discutiram e compartilharam informações sobre a cadeia de produção do agronegócio, portos e hidrovias, Ferrogrão e BR-163.  

A Terra de Direitos, junto ao GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, facilitou a roda de conversa sobre portos e hidrovias.  

“A gente está aqui para compartilhar informações sobre como esses projetos têm funcionado e como eles se traduzem em mudanças climáticas sentidas por vocês nos territórios. A gente espera que essas informações, que são fundamentais para que a gente construa estratégias de ação, possam servir como instrumento de luta e resistência, para que a gente consiga transformar esse cenário de crise climática”, afirmou Suzany Brasil, assessora jurídica da Terra de Direitos.  

Foto: Terra de Direitos

A questão dos portos do agronegócio é especialmente emblemática no Oeste do Pará. O estudo “Portos no Tapajós: lacunas e irregularidades no licenciamento ambiental”, elaborado pela Terra de Direitos aponta que, até outubro de 2023, 27 portos estavam em operação na região do Tapajós, dos quais apenas cinco possuíam toda a documentação ambiental regular, ou seja, 22 funcionavam de forma irregular. 

O levantamento também mostra como os municípios de Santarém, Itaituba e Rurópolis se transformaram com a chegada dos portos do agronegócio. O número de instalações portuárias dobrou, e as irregularidades nos processos de licenciamento são a regra, não a exceção. 

“Apesar de todas essas irregularidades encontradas no estudo, o licenciamento ambiental ainda é fundamental. Realizamos esse estudo e compartilhamos para que vocês se apropriem dessas informações e as usem para reivindicar seus direitos”, ressaltou a assessora de comunicação da Terra de Direitos, Lanna Paula Ramos, que também facilitou a conversa.  

Para a liderança indígena Dadá Borari, da Terra Indígena Maró, na Resex Tapajós-Arapiuns, em Santarém, esses momentos de compartilhamento são fundamentais para fortalecer as ações coletivas durante a COP 30. 

“Esses momentos são fundamentais. Às vezes, a gente lá no território não consegue ter acesso a essas informações. Agora, com esses dados, a gente sabe o que está errado e o que deve mudar. Então, também dizer que todos nós aqui precisamos nos articular e ir pra ação em Belém”, destacou Dadá.  

Territórios vivos, comida boa e sem veneno 

Para além de denunciar as ameaças, a Caravana da Resposta se propôs a apresentar soluções construídas pelos povos e comunidades tradicionais.  

Um exemplo disso foi a própria alimentação: a comida distribuída durante a viagem foi produzida pela agricultura familiar e pela agroecologia. A Rede de Agroecologia do Trairão e o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Mojuí dos Campos (PA) levaram mais de 100 quilos de alimento para abastecer a Caravana.  

Foto: Terra de Direitos

Arroz, feijão, frutas, legumes, farinha, temperos, entre outros, vindos dos roçados e quintais cultivados sem agrotóxicos. Durante o percurso, as chegaram a produzir biju, uma espécie de biscoito ou tapioca feita com farinha de mandioca, que junto a frutas agroecológicas, serviu de lanche da tarde para os participantes. 

A agricultora familiar Francisca Barroso conta que o trabalho no Trairão começou em 2017, quando um grupo de mulheres decidiu se organizar, inspirado pelo incentivo de um padre da Igreja Católica.  

“A gente começou a trabalhar com as famílias como uma forma de incentivar que o pequeno agricultor permanecesse na sua terra”, lembra Francisca.  

As mulheres passaram a estudar a terra, aprender técnicas de radioestesia para fortalecer a produção sem agrotóxicos, reunindo mais famílias até formar a Rede de Agroecologia do Trairão, hoje referência na região. A Rede também forneceu um café da manhã agroecológico quando a Caravana passou por Trairão no dia 05 de novembro.  

A auto-organização também é caminho de resistência para o povo indígena Munduruku, de Itaituba. Em 2014, as lideranças iniciaram o processo de autodemarcação do território, como forma de proteger a terra mesmo sem o reconhecimento oficial do Estado..“Essa foi uma forma de pressionar o governo para que ele possa demarcar o nosso território o mais rápido possível”, explicou a liderança Munduruku.  

A agroecologia e a proteção das terras indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais são essenciais para a manutenção da vida no planeta, destacam os povos. 

As respostas compartilhadas durante a Caravana se somam às denúncias e se afirmam também como uma luta por reconhecimento e valorização dos modos de vida tradicionais. 

Durante a Caravana era possível perceber entre os rituais, intervenções, músicas e gritos de resistência que os territórios têm a solução, destacam os povos, “Eles estão vivos e são, em essência, a alternativa para combater a crise climática”, enfatizam.  




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