Sem territórios e
povos protegidos,
não há justiça climática


Notícias da COP 30

Da Amazônia para o mundo: marcha global reforça que a resposta à crise climática vem dos povos


Mobilização pela justiça climática reúne mais de 70 mil pessoas dos cinco continentes nas ruas de Belém (PA)

Foto: Breno Thomé Ortega / MST

O percurso de cerca de 4,5 km pelas ruas de Belém (PA), na manhã deste sábado (15), deve figurar, nos próximos anos, como uma forte memória da reunião de povos de todo o mundo em defesa da justiça climática. As ruas da capital-sede da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) foram preenchidas pela presença, vozes, cultura e bandeiras de povos indígenas, quilombolas, comunidades e povos tradicionais, populações periféricas, rurais e urbanas, além de movimentos e organizações sociais dos cinco continentes. A estimativa é de mais de 70 mil pessoas.

Organizada pela Cúpula dos Povos, a marcha teve como alicerces centrais a solidariedade internacional entre os povos e a justiça climática — conceitos amplamente discutidos nos dias de debates que antecederam o ato e que foram incorporados nas manifestações.

Ao longo do trajeto, além das palavras de ordem específicas de cada povo ou movimento, temas como a necessidade de uma transição energética e ecológica justa, a reparação pelos danos causados — sobretudo aos povos tradicionais e às periferias rurais e urbanas — e o financiamento climático justo, direto e público também foram destacados pelos participantes.

“É uma grande expressão dos povos nas ruas, reclamando que precisam de medidas imediatas para enfrentar essa grave crise climática causada pelo modelo de exploração capitalista”, destaca o coordenador da organização de direitos humanos Terra de Direitos, Darci Frigo.

Parte da agenda paralela nas cidades-sede das COPs, a marcha de movimentos sociais não acontecia desde 2021, quando a conferência da ONU foi realizada em Glasgow, na Escócia. Nos últimos anos, a COP ocorreu no Azerbaijão, nos Emirados Árabes Unidos e no Egito — países cujos governos autoritários impuseram restrições severas à realização de manifestações.

Ainda que, no Brasil, haja maior abertura para manifestações em comparação com edições anteriores da COP — tanto no diálogo com o poder público quanto em ações autônomas, como a Cúpula dos Povos —, a marcha também reforçou seu caráter distinto em relação aos espaços oficiais da conferência, especialmente na busca por soluções efetivas para a crise climática.

“A COP tem sido um espaço das corporações, um balcão de negócios. Os responsáveis pela crise ambiental estão lá, não negociando e não construindo formas de enfrentá-la, mas criando oportunidades para lucrar com a crise ambiental e climática”, aponta Jailma Lopes, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST). “É central o povo estar na rua porque as saídas que estamos construindo são populares. E é só com gente na rua que podemos alterar a correlação de forças e frear o avanço das grandes corporações e transnacionais que impactam diretamente a natureza”, complementa.

O insuficiente diálogo com o Governo Federal, a falta de avanço em medidas concretas de garantia de direitos e a captura corporativa do espaço da COP por empresas do agronegócio e da mineração, entre outros setores, também foram mencionados em manifestações recentes dos povos Munduruku e do Baixo Tapajós durante a conferência.

Em comum, movimentos e organizações destacaram que enfrentar a crise climática exige inverter prioridades: ouvir os povos que já fazem, no cotidiano, aquilo que governos e corporações ainda adiam. Para o integrante do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, Severino Lima Júnior, a prática dos mais de 800 mil catadores do país precisa ser reconhecida e valorizada como essencial à sustentabilidade.

“A sociedade precisa entender que deve diminuir o consumo de materiais, de papel, de produtos. Diziam para nós: ‘Se não tiver plástico vocês vão comer o quê?’ Vamos continuar vivendo. A gente luta pela diminuição, sim, do uso de recursos naturais e pelo uso do que já existe. É isso que potencializa a reciclagem: quando se recicla, não se tira da natureza”, afirma.

Foto: Breno Thomé Ortega / MST

Racismo climático e ambiental
A negação histórica de direitos a povos indígenas e quilombolas tem deixado esses grupos ainda mais vulneráveis à crise climática, destacam lideranças — sobretudo porque já enfrentam menor acesso a recursos, políticas públicas e proteção territorial.

Para Célia Pinto, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a ausência de políticas concretas amplia os danos. “A ausência de titulação dos nossos territórios e de políticas públicas nos afeta diretamente no contexto das crises climáticas”, enfatiza.

Os territórios quilombolas apresentam índices de desmatamento quase seis vezes menores do que áreas privadas. Mesmo com esse papel fundamental de proteção ambiental, apenas 3% dessas áreas são tituladas. Segundo Célia, recai sobre os territórios o duplo ônus da inação estatal: não garantir o direito constitucional ao território e tampouco protegê-lo dos impactos agravados da crise climática. “Só tem uma resposta: racismo institucional, ambiental e climático”, afirma.

Já o pajé Nato Tupinambá, da região do Baixo Tapajós (PA), classifica como “agenda da morte” a autorização de empreendimentos que provocam intenso impacto socioambiental na região. Obras como a Ferrogrão — ferrovia de quase 1.000 km para escoamento de grãos até os portos do Pará — e a construção de portos no Tapajós têm avançado com diversas irregularidades, entre elas a ausência de consulta prévia, livre e informada aos povos afetados, como aponta estudo da Terra de Direitos.

“Enfrentamos o agronegócio, enfrentamos os madeireiros, enfrentamos os mineradores. Enfrentamos agora, no Amazonas, essa situação do petróleo fóssil, que também vai trazer consequências para os povos que moram ali. Estamos sendo afetados de várias formas”, relata o pajé.

Reunião com presidente da COP
Neste domingo (16) a Cúpula dos Povos entrega da Carta dos Povos ao Presidente da COP 30, André Corrêa do Lago. A presença do presidente Lula é esperada.

 




Eixos: Política e cultura dos direitos humanos

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