Feita por mãos do mundo todo, a Cúpula dos Povos coloca o povo no centro do debate climático
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Com representação de 1300 movimentos sociais e povos tradicionais de todo o mundo, evento é contraponto popular à COP30

Em paralelo à realização da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA), a Cúpula dos Povos se consolida como um dos maiores encontros populares já construídos no mundo sobre a crise climática.
Fruto de mais de dois anos de organização desde que o Brasil foi anunciado como sede do maior encontro mundial do clima, o evento - que levou as denúncias dos povos e organizações pelas águas dos Rios Guamá na manhã desta quarta-feira (12) e os reuniu à noite no Universidade Federal do Pará (UFPA) na abertura oficial - reúne representações de 1.300 movimentos sociais, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, trabalhadores rurais e urbanos, além de coletivos e organizações de diversos países. A agenda se estende até dia 16.
Mais do que uma programação de debates, a Cúpula é um processo político autônomo, coletivo e plural, que reafirma o papel dos povos e movimentos sociais como protagonistas na construção de soluções reais para o enfrentamento da crise climática, destaca a organização da Cúpula. “A Cúpula é um processo que vai além da programação. O mais importante é a unidade política, a convergência entre as nossas lutas para apresentar as reais soluções para o enfrentamento da crise do clima”, afirma a assessora jurídica da Terra de Direitos, Bruna Balbi. A organização compõe o Grupo de Trabalho de Segurança e Direitos Humanos da Cúpula.
A integrante da coordenação política da Cúpula e do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra, Ayala Ferreira, destacou na abertura da Cúpula o reconhecimento da necessidade de um espaço autônomo dos povos. “A Cúpula é resultado da compreensão de que era necessário construir um dos maiores levantes da classe trabalhadora do nosso país, mobilizando a classe trabalhadora do mundo inteiro”, aponta.
Para isso, relata Ayala, foram mobilizados não apenas movimentos populares, urbanos e rurais e povos e comunidades tradicionais de várias partes do mundo, mas também estabelecidos diálogos com o Poder público, partidos e instituições de ensino.
De acordo com lideranças de movimentos da Cúpula dos Povos essa construção coletiva é o que dá ao evento o caráter de expressão da diversidade dos sujeitos que resistem à crise climática e às desigualdades sociais impostas por um modelo de exploração da natureza e dos sujeitos – não só no Brasil, mas em “vários rincões desse mundo”, como destacam.
“Nós sabemos que nós temos uma obrigação histórica de dizer que a realidade de hoje é que os pobres estão sofrendo. Não é assunto secundário dizer que o nosso planeta terra, a nossa mãe terra, a nossa casa comum está passando cada vez mais dias difíceis”, diz.
A manifestação da liderança se alinha ao chamado feito pelo Cacique Raoni, durante a Barqueata. A liderança, reconhecida internacionalmente, destacou que pediu ao presidente Lula para suspender a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e a construção da Ferrogrão, ambos empreendimentos marcados por irregularidades e fortes impactos socioambientais. “Se continuarem com isso vamos ter problemas ainda mais sérios. Vou continuar cobrando, é preciso que nos respeitem”, declarou. Raoni relatou à imprensa que está solicitando nova conversa com o presidente.

Um espaço autônomo e livre de interesses corporativos
Diferente da COP30, que tem sido alvo de críticas pela forte presença de grandes corporações e grupos econômicos ligados ao agronegócio, à mineração e à energia, a Cúpula se afirma como um espaço autônomo, livre da influência desses interesses.
“Esse espaço é construído pelo e para o povo, que não tem dinheiro sujo de mineradora, que não tem dinheiro sujo de multinacional, que não tem dinheiro sujo daqueles que se pintam de verde. Esse espaço é nosso”, enfatiza a integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Julia Martins.
A crítica da liderança reflete as denúncias sobre a captura corporativa das negociações climáticas e da realização da COP pelo Brasil. Em agenda na Blue Zone (espaço oficial da COP voltado para as negociações dos países) empresas ligadas ao setor da mineração defenderam a exploração minerária não apenas como “sustentáveis”, mas também como “essenciais” para a transição energética. Inspirada no slogan do agronegócio, representantes do setor declararam que a “mineração é top”.
Há poucos dias, em 5 de novembro, os movimentos sociais rememoram os dez anos do crime ambiental da Barragem do Fundão, em Mariana (MG). Administrada pela empresa Samarco, e tendo como acionistas a mineradora Vale e BHP Billiton, a barragem se rompeu e resultou em 19 mortos, centenas de pessoas desalojadas e comunidades destruídas.
Para a liderança do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) e membro da coordenação política da Cúpula dos Povos Cleidiane Vieira, esse domínio das corporações nos espaços oficiais é o principal obstáculo para avanços reais. “Os espaços oficiais são monopolizados pelo poder corporativo, que mais uma vez pega a pauta do povo e tenta negociar em detrimento da vida. Não tem como esperar que as soluções para a crise climática venham das corporações que vão todo ano à COP negociar para continuar poluindo e lucrando”, destaca.

Soluções que vêm dos povos
Enquanto a COP30 é marcada pela influência de grandes empresas, a Cúpula dos Povos reforça que as respostas à crise climática devem nascer da escuta e da valorização das práticas dos povos que vivem e protegem os territórios e dos movimentos populares urbanos e rurais.
Povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, povos do campo e periféricos têm sido historicamente os mais afetados pelos impactos da crise climática, mas também os que produzem conhecimento e resistência. Um exemplo é que os menores índices de desmatamento são referentes a territórios indígenas (apenas 3%) e territórios quilombolas titulados (3,2%), comparados a áreas privadas e outro tipo. E a prática dos apanhadores e apanhadoras de flores sempre-vivas, comunidades tradicionais da Serra do Espinhaço (MG). As comunidades plantam espécies como o ingá nas áreas secas que contribuem para “preservar a água”, como os apanhadores dizem.
Para as comunidades a defesa do território e das práticas tradicionais é caminho também do enfrentamento da crise do clima. “A principal ação contra as mudanças climáticas é a resistência de existir e estar nos territórios, uma vez que a gente resiste e está ali a gente cuida do território, que é parte da gente, a gente se sente pertencente e cuida de forma melhor”, destaca a apanhadora de flores e quilombola da Comunidade de Raiz, Eliad Alves.

Em memória de quem defende o meio ambiente
No ato da abertura a liderança do MST recordou de recentes crimes contra a vida de defensores de direitos. “E se a gente pensar em algum momento em desistir da nossa caminhada, gostaria de pedir para vocês lembrar que nesse exato momento três companheiras e companheiros poderiam estar aqui com a gente construindo a Cúpula dos povos”, enfatiza Ayala. Ela recorda dos recentes assassinatos das quebradeiras de coco babaçu Antônia Ferreira dos Santos e Marly Viana Barroso, no dia 3 de novembro, e do trabalhador rural Orivaldo da Fonseca Lopes, no dia 7, ambos no Pará.
A recente violência evidencia o quadro apresentado pela pesquisa Linha de Frente, sobre violência contra defensoras e defensores de direitos. Desenvolvido pela Terra de Direitos e Justiça Global, o levantamento aponta que pessoas e coletivos que defendem o meio ambiente, a terra e o território são os que mais sofrem violência.
Programação diversa
Com debates, plenárias e atividades culturais, a programação da Cúpula espera envolver os mais de 20 mil inscritos ao longo de cinco dias e a capital paraense. Um dos destaques da programação Marcha Global pelo Clima, realizado no dia 15, a atividade deve percorrer as ruas de Belém a partir das 8h30 da manhã.
Na apresentação da agenda ela ainda destacou a audiência pública com o presidente da COP, André Corrêa do Lago, para apresentação da agenda política da Cúpula. A atividade será no dia 16.
:: Saiba mais: https://cupuladospovoscop30.org/
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos
