Sem territórios e
povos protegidos,
não há justiça climática


Notícias da COP 30

Formação de assessores jurídicos populares busca fortalecer a proteção de povos e movimentos na COP30


Iniciativa da Cúpula dos Povos manifesta preocupação com militarização do evento por uso da Garantia da Lei e da Ordem  
Foram realizadas três oficinas com assessores jurídicos populares, em temas como crminalização de movimentos sociais e legislação internacional. Foto: Cúpula dos Povos  

Em preparação para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), a Cúpula dos Povos - articulação autônoma e composta por mais de mil representações de povos indígenas, comunidades tradicionais, organizações sociais e movimentos populares do Brasil e demais países - tem realizado ciclos de formação voltados para assessores jurídicos populares. Nesta segunda-feira (3), foi realizada mais uma etapa da formação.  

A iniciativa busca assegurar a proteção de defensoras e defensores de direitos humanos e o direito de manifestação durante a COP e a Cúpula dos Povos. As agendas acontecem em Belém (PA), no período de 10 a 21 de novembro. 

De acordo com o Grupo de Trabalho da Cúpula dos Povos sobre Segurança e Direitos Humanos, a formação visa construir uma rede de apoio jurídico popular capaz de acompanhar, monitorar e reagir a possíveis situações de violação de direitos humanos, criminalização de movimentos sociais ou restrição da participação popular durante as agendas. Nas duas oficinas já realizadas em modalidade presencial e híbrida, os temas abordados incluem a criminalização de lideranças e de movimentos populares e aspectos do direito internacional. 

“A formação de advogadas e advogados populares significa garantir que as vozes dos movimentos, das comunidades tradicionais e dos povos da Amazônia estejam protegidas e possam se expressar sem medo”, destaca a advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Jéssica da Silva Santana.  

A formação jurídica ganha contornos ainda mais relevantes diante do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) publicado na edição de hoje do Diário Oficial da União. Após insistentes pedidos pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que autoriza o emprego das Forças Armadas em operações de GLO, de vigência no período entre 2 e 23 de novembro de 2025. A medida também contempla ações nos municípios de Altamira e Tucuruí, voltadas à proteção de infraestruturas - como usinas hidrelétricas, portos, aeroportos, estações de tratamento de água e vias de acesso. 

Instrumento de exceção, a GLO autoriza o uso das Forças Armadas em situações excepcionais de grave perturbação da ordem pública. O instrumento, formalizado pela Lei Complementar nº 97/1999, tem origem em práticas adotadas durante o regime militar, quando as Forças Armadas eram mobilizadas para controle da ordem interna. 

Militarização e restrição de direitos  
Em ofício entregue no dia 20 de outubro ao Procurador-Chefe dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino durante evento de Pré-COP do Ministério Público Federal (MPF), a Cúpula dos Povos manifestou preocupação com a possível militarização do evento pelo uso da GLO. No documento, o coletivo afirma que o uso da a Garantia da Lei e da Ordem pode abrir brechas para o aumento de abordagens coercitivas, vigilância e controle sobre manifestações e deslocamentos de povos e movimentos, especialmente de vozes dissonantes ao governo do estado e federal.  

“Infelizmente, em grandes eventos internacionais, é comum vermos tentativas de controle e restrição da participação popular — desde abordagens policiais desproporcionais até a limitação de manifestações e deslocamentos”, destaca Jéssica da Silva Santana. “Há um risco real de criminalização de defensores ambientais e de movimentos sociais, sob o argumento de ‘segurança’ ou ‘ordem pública’. Nesse sentido, a presença de uma rede jurídica popular é essencial para monitorar e reagir rapidamente a essas situações,” complementa a assessora jurídica.  

Em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6457 o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de aplicação restrita da GLO a situações excepcionais, submetidos a controle público e apenas após o esgotamento dos mecanismos ordinários de segurança pública. Isso significa que as Forças Armadas podem atuar apenas em apoio aos agentes de segurança pública quando estes não tiverem condições de agir ou apresentarem recursos esgotados. Na avaliação da Cúpula não é o caso. De acordo com a articulação, a segurança pública dirigida ao evento já conta com expressivo e suficiente efetivo.  

Diferente do discurso oficial, o uso da GLO tem servido para militarizar a gestão do espaço público e não para ampliar a segurança das pessoas. Para a Cúpula, o uso da GLO para reprimir manifestações populares no encontro dos países na Cúpula do G20, no Rio de Janeiro (RJ), em novembro do ano passado, é exemplar do uso deste instrumento para cercear o direito de manifestação 

“Nos preocupa que a lógica da repressão, historicamente usada contra movimentos sociais e defensores de direitos humanos na Amazônia, volte a se repetir sob o pretexto de garantir a ordem. A experiência mostra que a militarização não protege, apenas aprofunda a violência — especialmente contra povos indígenas, quilombolas, camponeses e comunidades tradicionais”, destaca Bruna Balbi, assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante da Cúpula dos Povos. 

Histórico de repressão 
A iniciativa também se ancora na experiência histórica de repressão e criminalização de movimentos sociais no Pará. “No estado do Pará temos um histórico grande de repressão a movimentos sociais, talvez Eldorado dos Carajás seja o mais emblemático, mas há outros”, recorda Marco Polo Santana Leo, também assessor jurídico da SDDH, sobre a intensa repressão policial em 1996 a trabalhadores rurais Sem Terra que reivindicavam avanço do processo de reforma agrária no estado. Na ação foram assassinados 21 trabalhadores, vários campesinos também foram feridos.  

Espaço extraterritorial  
A COP30 ocorrerá em um território com regime jurídico especial, o que traz desafios adicionais. “Vai ser um território numa extraterritorialidade funcional, que é um momento em que aquele espaço ali não vai ser regido pelas normas brasileiras, mas por um acordo de sede firmado entre o Brasil e a ONU”, explica Bruna. “Mas um acordo de sede que também não pode violar direitos humanos estabelecidos pelo Brasil em outros tratados internacionais. Então é fundamental que o Brasil adeque sua atuação para cumprir o acordo de sede sem descumprir outros tratados internacionais firmados por ele, sem descumprir jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, enfatiza.  

Há um temor pela articulação de que essa complexa combinação de normas e competências seja usada como justificativa para práticas de repressão ou silenciamento de vozes críticas.  

 

 




Eixos: Política e cultura dos direitos humanos

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