“Quem destrói a natureza não somos nós, mas nós é que pagamos a conta mais alta”, destacam povos tradicionais
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Na Pré-COP30 povos e comunidades tradicionais de todo o país denunciam o ônus das mudanças climáticas sobre os territórios tradicionais.

A farta oferta de água doce é memória cada vez mais distante para a pequena população do Riacho dos Machados, norte de Minas Gerais. Na década de 70 o monocultivo de eucalipto, levado ao município por empresas externas, fez secar rios e nascentes. Mesmo com a denúncia de povos e comunidades tradicionais locais da dependência exclusiva de água dos lençóis freáticos a partir dos anos 2000, nos últimos anos o setor minerário viu na cidade de pouco mais de 9.400 habitantes um novo foco de exploração do ouro. A mineração tem utilizado grande quantidade de água para lavagem, separação e transporte do ouro, além de impactos com resíduos tóxicos. Agora, água para algumas regiões, só com carro pipa. “A gente luta para a criação de uma unidade de conservação no município, para ter um pedaço de água e poder afirmar para as gerações futuras que aqui tem o cerrado”, destaca a geraizeira Joeliza de Brito Almeida, da Comunidade Córrego (MG).
Assim como feito por Joeliza, a denúncia dos impactos aos territórios tradicionais por empreendimentos - como mineração, hidrelétricas e portos - foi acompanhada da partilha de práticas de resistência por povos e comunidades presentes na Pré-COP30 das Quebradeiras de Coco Babaçu e dos Povos e Comunidades Tradicionais, evento que reuniu, em Brasília (DF), mais de 300 representantes de 28 segmentos, entre geraizeiras, caiçaras, quebradeiras de coco, quilombolas, indígenas, entre outros. A atividade realizada nos dias 8 a 10 de julho teve como objetivo fortalecer a atuação política dos povos e apresentar propostas concretas destes segmentos para a Conferência das Partes (COP) 30 sobre mudança do clima, a ser realizado em novembro em Belém (PA)
Para além da incidência de povos e comunidades tradicionais no maior encontro mundial do clima, os povos tradicionais destacam a necessidade de adoções de medidas urgentes para conter o avanço do mercado sobre os territórios e frear os impactos socioambientais de empreendimentos que se impõem às comunidades.
“Realizar este encontro parte da necessidade que se implica às nossas vidas, como a situação do veneno, do agronegócio, das mineradoras e a importância da gente se reunir para fortalecer a luta por direitos”, destaca a coordenadora interestadual do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Maria Alaídes.
Associado à reivindicação por medidas de responsabilização dos empreendimentos por violações de direitos humanos, os povos e comunidades tradicionais reconhecem os territórios como estratégia central no enfrentamento da crise climática. “A gente segue na defesa do direito territorial, de acesso livre ao coco babaçu, de organização da produção, direitos realmente que a gente precisa para equilibrar o que a crise climática desequilibra”, complementa Maria Alaídes e em alusão a defesa do avanço pelo estado brasileiro da demarcação indígena, titulação quilombola e regularização fundiária de povos tradicionais.
A defesa do território também foi destacada na audiência pública realizada no dia 09 de julho, na Câmara dos Deputados. Promovida pelas Comissões da Amazônia, Povos Originários e Comunidades Tradicionais e do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, as quebradeiras de coco babaçu e povos e comunidades tradicionais entregaram carta de reinvindicações a autoridades presentes. Na atividade também foi lançada pelo MIQCB a Campanha Lei Babaçu Livre: Território é Vida. A iniciativa visa mobilizar diferentes poderes na proteção dos babaçuais e dos modos de vida das quebradeiras.
“A proteção dos territórios tradicionais é uma medida de justiça climática. Povos e comunidades tradicionais têm papel central na conservação da biodiversidade e no enfrentamento da crise do clima, mas continuam fora dos espaços formais de decisão”, destaca assessora jurídica da Terra de Direitos, Bruna Balbi. A organização tem contribuído na formação de povos e comunidades tradicionais para incidência na política climática e na Conferência das Partes do Clima (COP) 30, em novembro, em Belém (PA).
Bruna destaca que povos e comunidades tradicionais de vários países, entre eles o Brasil, destacaram durante a Conferência de Bonn, na Alemanha, a centralidade do território na pauta climática e o direito de participação de povos tradicionais na governança climática mundial. A Conferência realizada em junho reuniu representantes dos países e é preparatória para a COP30. Veja a manifestação dos povos tradicionais em Bonn.
Racismo ambiental e climático
Durante a Pré-COP, povos e comunidades tradicionais destacaram em seus relatos como tem sido expostos e sofrido, com maior intensidade, os impactos da poluição, do desmatamento e degradação dos territórios. Para eles, ainda que a crise climática afete o conjunto da população, a relação de indissociação dos povos tradicionais com o território faz esta população ainda vulnerável a mudanças do clima, já que dependem da terra, da água e biodiversidade que os territórios e maretórios oferecem.
A comunidade Ilha da Croa, localizada no litoral norte de Alagoas, foi uma das afetadas pelo derramamento das cinco mil toneladas de petróleo que atingiu nove estados do Nordeste e dois do Sudeste, em 2019. Passados seis anos, o pequeno povoado localizado no município de Barra de Santo Antônio não recebeu, até o momento, indenização ou compensação. “Ano passado não teve pesca de camarão e esse ano não deve ter também”, alerta o pescador artesanal da Comunidade e integrante da coordenação da Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, Ernando Pinto.
Além do camarão, ele alerta para a perda da diversidade de crustáceos e moluscos com o acelerado aquecimento do oceano. “Nós temos as mudanças climáticas que está afetando os corais no litoral de Alagoas. Nós temos o segundo maior banco de coral do planeta, mas os corais estão ficando branqueados por conta do aquecimento global e do oceano”, relata. Quando morto o coral adquire cor branca, relata o pescador. “A comunidade preserva, mas os grandes empreendimentos destroem”.
“Quem destrói a natureza não somos nós, mas nós é que pagamos a conta mais alta”, complementa Joeliza. A geraizeira ainda destaca que os impactos da crise climática não são acompanhados de melhor oferta de serviço de saúde e assistência à estas populações. “A gente adoece pela falta d´água e pela poluição e o atendimento de saúde do município é precário. Só presta para quem tem saúde”, relata.
Ações: Empresas e Violações dos Direitos Humanos
Eixos: Terra, território e justiça espacial
