AS-PTA | Carta Política da 14a Feira Regional de Sementes e Agrobiodiversidade
Terra de Direitos
A 14ª Feira Regional de Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade realizada nos últimos dias 5, 6 e 7 em palmeira (PR) reuniu mais de 2 mil pessoas no evento que realizou quatorze oficinas e três seminários sobre os temas relacionados a soberania alimentar, produção agroecológica e ameaças dos direitos à biodiversidade.
Diante do contexto de instabilidade política do país, resultante do golpe contra a democracia, as oficinas e seminários produziram as seguintes propostas em defesa das sementes e raças e crioulas, contra a contaminação genética e por agrotóxicos, e em defesa da terra e território. Confira:
Declaração Política da 14ª Feira Regional de Sementes e da Biodiversidade
“Sementes crioulas, construindo a nossa autonomia”
Fonte: AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia
Sob essa bandeira, mais de 2.000 agricultores e agricultoras familiares, adultos e jovens estudantes das escolas municipais do campo e da cidade, professores, representantes de Povos Indígenas, e pesquisadores, em quinze caravanas, de trinta e cinco Municípios do Paraná, dezesseis municípios de Santa Catarina, dois do Rio Grande do Sul e um do Rio de Janeiro, e sessenta e cinco expositores e expositoras participaram, em Palmeira, nos dias 05, 06 e 07 de agosto de 2016, da 14ª Feira Regional de Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade onde foram realizadas quatorze oficinas e três seminários sobre os temas relacionados às Redes de Abastecimento Alimentar, a Produção Ecológica da Erva-Mate e Ameaças dos Direitos à Biodiversidade.
A Feira foi convocada pelas organizações e lideranças da Agricultura Familiar e Escolas (rurais e urbanas) da região Centro-Sul do Paraná e Planalto Norte de Santa Catarina articuladas no Coletivo Triunfo como parte do processo de luta política há mais de 20 anos se constrói na região, por meio das trocas de experiências sobre a conservação da agrobiodiversidade.
As Feiras são espaços de enfrentamento ao massivo processo de extinção das variedades e raças promovido tanto pelo agronegócio regional quanto pela vinculação da Agricultura Familiar a cadeias produtivas, especialmente do “fumo” e da “soja”.
Nessa luta pela agrobiodiversidade é central o reconhecimento e resgate do papel essencial e insubstituível que têm desempenhado as mulheres agricultoras na reprodução e no fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, como agentes da produção, da conservação e defesa da biodiversidade, como gestoras de diferentes fontes de renda e como promotoras de inovações técnicas e esteio da segurança alimentar das famílias.
Essa luta acontece desde a roça e encontra seu fundamento nas práticas herdadas de nossos antepassados. Mas elas apontam também para a garantia de uma agricultura mais promissora, que assegure a geração de renda e autonomia diante das ameaças impostas pelo agronegócio e dos efeitos das mudanças climáticas. Em nome desse futuro assistimos em nossa feira uma marcada mobilização da juventude rural manifestando-se em defesa da agrobiodiversidade e da agroecologia.
Diante do contexto de instabilidade política do país, resultante do golpe contra a democracia, em curso, e da instalação de um governo ilegítimo, nossas oficinas e seminários produziram as seguintes propostas:
- Defesa das Sementes e Raças e Políticas Públicas: As sementes e as raças animais crioulas são patrimônio da Humanidade e constituem identidade sociocultural além de ser componente histórico vital da agricultura camponesa, familiar e dos povos tradicionais.
Destacamos que o reconhecimento da importância das sementes crioulas avançou muito no país nos últimos anos, o que se reflete nos programas que fazem parte da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. As chamadas de ATER, especialmente as de ATER agroecologia, são uma conquista da sociedade, a exemplo do Ministério do Desenvolvimento Agrário que foi criado em resposta ao massacre de El Dorado dos Carajás e, neste momento de golpe, está reduzido a uma secretaria subordinada à Casa Civil. Referidos avanços estão ameaçados pelo governo interino, porém a sociedade seguirá defendendo essas conquistas históricas.
Denunciamos as ameaças legislativas articuladas pela bancada ruralista e empresas do agronegócio, que visam se apropriar do patrimônio genético e dos saberes tradicionais criados e recriados pelos povos do campo e da floresta.
Neste sentido repudiamos especificamente os Projetos de Lei:
- PL 827/2015 (PL Cultivares): busca alterar a Lei de Proteção de Cultivares ampliando a restrição ao livre uso das sementes e mudas registradas, impondo a cobrança de royalties sobre as sementes salvas, e ampliando os prazos de proteção para os “melhoristas” e a criminalização sobre o uso das cultivares protegidas. Exigimos que sejam mantidas as exceções legais para os Povos Indígenas, Agricultura Familiar, Camponesa, Povos e Comunidades Tradicionais tais como previstas na legislação atual;
- PL 4961/2005 (PL Patenteamento de Seres Vivos): busca possibilitar o patenteamento de seres vivos;
- PL 1117/2015 (PL Terminator): traz novamente a discussão do antigo PL 268/2007, para que o Brasil seja o primeiro e único país do mundo a garantir, por lei, a possibilidade de aprovação, uso e comercialização das sementes suicidas, ou estéreis, o que é proibido pela legislação atual de biossegurança e alvo de moratória internacional;
- PLC 34/2015 (PL Rotulagem), antigo PL 4148/2008: aprovado na Câmara dos Deputados em 2015, e atualmente com recomendação pelo arquivamento no Senado, esse Projeto de Lei prevê o fim da rotulagem dos alimentos transgênicos e a alteração dos testes de detecção, tornando impossível detectar a presença de Organismos Geneneticamente Modificados nos alimentos, especialmente os ultraprocessados.
- Contra a Contaminação Genética e por Agrotóxicos: A experiência prática e estudos têm comprovado que as promessas dos transgênicos não se concretizaram, pois o que se vê é a queda da qualidade dos alimentos, a redução da agrobiodiversidade através da ampliação dos monocultivos, da intensificação do uso de agrotóxicos, inclusive ainda mais tóxicos como é o caso das sementes resistentes ao 2,4-D, aprovadas em 2015 pela CTNBio. As sementes crioulas e demais variedades, especialmente do milho, estão ameaçadas pela contaminação que se alastra no campo sem que existam regulamentação e fiscalização suficientes para impedir, assim impondo o ônus da proteção a quem utiliza as sementes crioulas e demais variedades. Por isso denunciamos as falsas promessas dos transgênicos que só aumentam a vinculação aos pacotes tecnológicos, que geram lucros privados e prejuízos públicos ao provocar o endividamento e a dependência de agricultores.
- Defesa da Terra e Território: Terra e Semente são bens comuns, não são mercadoria!
Repudiamos a imposição, promovida pelo governo interino, da titularização dos lotes de assentamentos destinados à Reforma Agrária, trazendo a lógica de mercantilização da terra para dentro dos assentamentos.
Repudiamos a PEC 215 e todos os seus efeitos nefastos para a demarcação de Terras Indígenas e titulação de Territórios Quilombolas.
Territórios coletivos como Faxinais, Terras Indígenas, e Assentamentos devem ser estimuladas a se autodeclararem áreas livres de transgênicos e agrotóxicos, e de proteção da agrobiodiversidade.
Reivindicamos que os poderes municipais, estaduais e federal estimulem através da educação, em todos os níveis, a construção de projetos de vida no campo para a juventude.
- 4. Implementação das Redes de Abastecimento Alimentar e Circuitos Curtos de Comercialização: nas merendas escolares e programas de compras institucionais de alimentos, defendemos a alimentação 100% livre de agrotóxicos e transgênicos, diversificada com alimentos de estação e da região, priorizando as cadeias produtivas da Agricultura Familiar e Camponesa.
Defendemos a promoção de encontros entre o campo e a cidade, nas escolas e municípios, valorizando assim a agricultura local e os circuitos curtos de comercialização.
- 5. Valorização dos Ecossistemas Locais: a presença da diversidade dos ecossistemas locais, tais como da Bracatinga, Pinheiro do Paraná, Frutas e Abelhas Nativas, assim como dos ervais nativos na região são oportunidades para fortalecer as cadeias produtivas ecológicas, proporcionando circuitos de solidariedade, como o da Erva-Mate, contemplando o manejo sustentável e solidário através das organizações da Agricultura Familiar e Camponesa, fortalecendo o protagonismo e pertencimento dessas nos territórios.
- 6. Defesa do protagonismo das Mulheres: Requeremos políticas e programas públicos que reconheçam a identidade sociocultural e econômica própria da mulher agricultora e lhes garantam os instrumentos legais e normativos para seu desempenho autônomo como profissional da agricultura familiar. Ao mesmo tempo, conclamamos as organizações da agricultura familiar de nossa região a assegurar o protagonismo das mulheres agricultoras em suas direções.
Ao realizar a 14ª Feira Regional das Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade reafirmamos nosso compromisso e nossa disposição para continuar na luta pela defesa e fortalecimento da agricultura familiar, com base nos princípios da agroecologia. Temos exercitado esse caminho em nossas casas, comunidades e redes, temos reconhecido nele a alternativa para um futuro de equilíbrio socioambiental e de prosperidade para nossas famílias, adultos e jovens. Temos certeza de que esse é também o caminho para assegurar a satisfação das demandas e necessidades da população por um alimento saudável em suas mesas.
Palmeira, PR, 7 de agosto de 2016
Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar