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Direito quilombola é tema de audiência pública no Paraná; em Brasília, julgamento da ação que o questiona é adiado


Quilombolas ocuparam a Assembleia Legislativa do Paraná para acompanhar discussão relacionada à constitucionalidade do Decreto que regula a titulação de territórios quilombolas. No STF, decisão sobre a ADI 3239 foi adiada

Na manhã da última terça-feira (15) a Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) foi palco de um debate sobre direito constitucional à terra e território. Proposta pelo deputado Professor Lemos e pela Federação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná (FECOQUI), a audiência pública “Quilombolas: Nenhum quilombo a menos – Pelo direito constitucional à terra”, reuniu quilombolas de diferentes gerações e comunidades do estado.

Um dos pontos debatidos na audiência foi o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona a constitucionalidade do Decreto que regulamenta a titulação das terras dos quilombos no Brasil e deveria ter acontecido na tarde desta quarta-feira (16) no Supremo Tribunal Federal (STF), mas acabou sendo adiado. O Ministro Dias Toffoli, que estava com o voto vistas e iria devolver o processo hoje, está doente e não comparecerá à sessão. Por enquanto, não há nova data prevista para o julgamento.

“A gente está aqui pra discutir o direito de continuar existindo. A gente está aqui pra discutir o direito de continuar tendo nosso cemitério perto da nossa comunidade. A gente está aqui lutando pelo direito de ter uma escola descente dentro da nossa comunidade. A gente tá aqui lutando pelo direito de ter acesso à saúde dentro das nossas comunidades pra que as nossas mulheres não morram mais de câncer de mama por falta de assistência”, explicou Isabela da Cruz, historiadora, estudante de direito e liderança da comunidade quilombola Paiol de Telha.

Dona Marli e Isabela da Cruz

Abrindo as falas, a jovem liderança ressaltou o processo de resistências de mulheres e homens negros que historicamente lutaram contra o processo escravagista que violentou milhares de pessoas. “Nossos passos vêm de muito longe e as mulheres negras já tão dizendo isso. Só falta um pouco de sensibilidade e bom sendo”, destacou Isabela.

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Citando o julgamento da ADI, a quilombola denunciou o caráter arbitrário da ação. “O que tá sendo julgado amanhã é a constitucionalidade do Decreto Federal 4887/2003 que é o que regulamenta o processo de delimitação e regularização dos territórios quilombolas. E o que o DEM tá tentando fazer é dizer que essas pessoas só merecem ser chamadas de quilombolas, ter acesso a essas políticas e direitos, se elas estivessem nessa terra em 1988”, afirmou.

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A defensora pública Olenka Rocha

Protagonismo feminino na luta pela terra 

A defensora pública Olenka Rocha, coordenadora do núcleo de questões fundiárias e urbanísticas da Defensoria Pública do Paraná (DP-PR), foi uma das convidadas da audiência pública da ALEP. Em diálogo com a exposição de Isabela, a defensora ressaltou a necessidade de que se identifique o projeto político por trás da ameaça às comunidades quilombolas, representadas na atual conjuntura pela ADI, movida pelo Partido Democratas (DEM) em 2004.

“Essa ADI foi proposta por um partido que, como todos nós sabemos, representa a bancada ruralista desse país. As grandes forças nacionais, o agronegócio, atropelam qualquer um que esteja situado em território que lhes interessa e aí pouco importa o que vai restar pra essa população”, argumenta a defensora pública.

A representante da Rede de Mulheres Negras do Paraná, conselheira nacional de saúde e vice-presidenta da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Heliana Hemeterio Dos Santos, destacou a importância do debate em um espaço público e importância de construir articulações entre acadêmica e sociedade civil.

Heliana Hemeterio

Reforçando a necessidade de um olhar ampliado que envolva as relações de raça, gênero e classe em todas as frentes de luta, Heliana falou sobre a invisibilidade das mulheres negras.

“Com respeito a todos os militantes homens aqui, eu quero dizer que somos nós, as mulheres negras, que carregamos a luta. O pano de fundo da luta contra o racismo somos nós mulheres negras que fazemos todos os dias e não somos reconhecidas. Basta dizer que quem criou Palmares foi Aqualtune e quem leva a fama foi Zumbi”, destacou.

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Heliana observou, ainda, o público presente, majoritariamente negro. “Onde estão os defensores de direitos humanos brancos? Onde estão os brancos dando a mão na nossa luta? Direitos humanos de quem e para quem?”, questiona.

Criminalização de movimentos sociais e a ação do Estado

Apontando o processo de criminalização aos quais quilombolas são sujeitos quando se organizam enquanto movimento, Antônio Carlos, quilombola de Adrianópolis, questiona o que está por trás das ameaças aos direitos quilombolas. “O que vem atrás de tudo isso? Uma articulação de nossos representantes políticos junto com fazendeiros, e isso traz pra gente uma insegurança enquanto não temos o título da terra”, destacou.

Antônio Carlos, Elias Fernandes e Cássio

Segundo ele, há uma negação da história das pessoas negras com a intenção de desqualificar a ação política do movimento. “Quando o racismo vem impregnado nessa articulação, ele tenta desmoralizar nossa fala quando a gente coloca a questão de que ainda estamos sendo expropriados”, relatou.

O quilombola reforçou também o contexto de exclusões a qual quilombolas estão submetidos. Para ele, a condição de negro e pobre agrava a negação de direitos das comunidades quilombolas, assim como o preconceito se intensifica com muitos negros e negras LGBTs.

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Cássio, diretor do Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos, ressaltou a ação do Estado na expropriação dos territórios quilombolas. O educador citou um caso da comunidade de João Surá, no Vale do Ribeira, em que o processo de criação de um parque de unidade de conservação expropriou muitas famílias de seus territórios.

O educador Cássio e Edna Coqueiro

Ele contou que, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi responsável por fazer o loteamento do espaço destinado aos quilombolas e separou uma área de 99 hectares, alegando que seria destinada à unidade de reserva ambiental. “Reserva pra quem?”, questiona?

“Os funcionários do Incra ficaram com a terra, que hoje tá coberta de pinus”, denunciou Cássio fazendo referência ao monocultivo da árvore, uma espécie exótica impacta a diversidade de plantas e animais das regiões.

Além das pessoas jcitadas, participaram da mesa da audiência pública da ALEP Olympio de Sá Sotto Maior, procurador de Justiça, Edna Aparecida Coqueiro, presidenta do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, Marli de Souza Rosa, quilombola da comunidade do Varzeão, Nilton Morato, quilombola de Adrianópolis, Elias Fernandes, quilombola e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Edna Dantas, representante do mandato da senadora Gleisi Hoffmann, e Gerson da Silva, ouvidor-geral da DP-PR.

 

Moção de apoio à luta das comunidades quilombolas

A audiência pública encaminhou uma moção de apoio à luta das comunidades quilombolas pela efetivação de seus direitos à terra e à dignidade.

O documento, que conta com 20 assinaturas de entidades, comunidades, movimentos sociais e organizações – entre elas, a Terra de Direitos, foi encaminhado ao STF manifestando apoio ao reconhecimento da constitucionalidade do Decreto Federal 4887/2003 e repúdio à tese do marco temporal. . Leia o documento na íntegra.

A audiência foi transmitida ao vivo e está disponível online, assista



Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial