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Em oposição ao Pacote do Veneno, organizações defendem projeto de lei para redução dos agrotóxicos


Proposta legislativa deve fortalecer política de produção de alimentos saudáveis, apontam organizações.

Foto: Greenpeace

“Pacote do Veneno” reacendem alerta de organizações e movimentos sociais preocupados com a intensificação de riscos e danos que essa mudança na legislação de agrotóxicos pode provocar no meio ambiente e na saúde da população. O Brasil já tem o título de maior consumidor de agrotóxicos. 

O Projeto de Lei (PL) 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”, foi aprovado na Câmara dos Deputados no ano passado e encaminhado para o Senado Federal, onde recebeu uma nova numeração – PL 1459/2022. Mas o Presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD/MG) despachou o PL somente para a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), diferentemente do que defendem as organizações. Em diálogo com Pacheco, foi defendido que o Projeto de Lei passasse pelas análises das comissões de Assuntos Sociais, Meio Ambiente e Direitos Humanos.

”O debate e avaliação nas comissões, com seriedade e qualidade, é parte do processo legislativo democrático, ainda mais de uma proposta de mudança de legislação tão expressiva, que impacta diversos aspectos, como a saúde, a biodiversidade e os direitos humanos. A passagem apenas pela Comissão de Agricultura significa indicar um sobrepeso à agricultura e à economia, em detrimento dos riscos à saúde humana e ambiental”, destaca Naiara Bittencourt, assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante do Grupo de Trabalho Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia. Naiara também é integrante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida. 

A análise em outras comissões converge com o compromisso assumido por Pacheco no Ato pela Terra, realizado em Brasília (DF) em março de 2022, de que nenhum projeto com potencial impacto socioambiental seria tratado sem a tramitação e apreciação devidas.

A movimentação mais recente da bancada ruralista na defesa do Pacote do Veneno aconteceu no dia 26 de abril. Deputados vinculados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reuniram assinaturas suficientes para apresentar um pedido de urgência para a apreciação do PL pelo Plenário, sem o debate necessário nas comissões.

“O Pacote do Veneno tornará ainda mais simples e mais rápida a liberação dos agrotóxicos no Brasil. Por exemplo, se confere maior poder ao Ministério da Agricultura e menor peso aos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Estabelece-se uma série de prazos rápidos para que os órgãos federais registrem os agrotóxicos. Cria-se uma infinidade de possibilidades de registros de produtos perigosos de forma temporária, sem as devidas análises de riscos. Pode-se permitir o registro de produtos que ‘causem riscos aceitáveis’ à saúde e ao meio ambiente, tirando a proibição atual de registro de produtos cancerígenos”, complementa Bittencourt.

Desde 2019, outro projeto de lei aguarda avaliação do requerimento de apreciação, em regime de urgência - neste caso pela Câmara dos Deputados. De iniciativa popular, o Projeto de Lei 6.670/2016 institui a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PNARA). Diante de seguidas legislaturas com predomínio de parlamentares vinculados ao agronegócio, a medida apoiada por organizações e movimentos populares, como a Articulação Nacional de Agroecologia e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, além de  universidades e especialistas no assunto, encontra fortes resistências para avanço legislativo.

Para o deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), é muito importante debater a mudança na legislação relacionada aos agrotóxicos no Brasil, mas uma ressalva relevante deve ser feita, uma vez que tramitam no Congresso diferentes projetos de lei diretamente relacionados à temática. “Nós temos uma necessidade muito grande de atualizar a legislação, evidentemente, na perspectiva agroecológica. Para isso, nós precisamos aprovar o projeto de lei que está na Câmara, já pronto para ir para Plenário, que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). Isso é completamente inverso ao que ocorreu na Câmara no ano passado, quando foi aprovado um projeto, que agora está no Senado, que flexibiliza mais ainda a legislação brasileira para liberar novos agrotóxicos, tirando o papel importante que o Ibama e a Anvisa têm para o controle sobre o uso dos agrotóxicos na agricultura brasileira.” 

Tatto, que também é coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, ressalta que essas disputas que são travadas na Câmara impactam no próprio modelo de agricultura que o Brasil precisa repensar. Para o deputado, a mudança na legislação não pode reforçar o atual modelo de agricultura que predomina no Brasil e que gera graves consequências na saúde das pessoas e no meio ambiente. Deve ir no sentido oposto, favorecendo a criação de políticas e garantindo subsídios que privilegiam a agricultura orgânica e agroecológica. “Hoje, quem produz com veneno tem mais subsídio do que quem produz sem veneno. E aí, o subsídio, por meio das políticas públicas, é fundamental para poder definir qual o caminho, qual a linha que nós precisamos adotar”, argumenta. 

A aprovação da PNARA é urgente, destacam organizações, porque ela dialoga diretamente com uma das prioridades assumidas pelo governo federal, que é combater a fome e a insegurança alimentar na qual se encontra parcela significativa da população brasileira. “A PNARA é estratégica para enfrentar a fome, mas com produção de comida saudável”, afirma Tatto. O deputado ainda considera que, assim como a PNARA, as políticas e programas públicos de apoio à agroecologia e agricultura orgânica são fundamentais para enfrentar os impactos do atual modelo de agricultura no meio ambiente, na saúde e no orçamento público, uma vez que “gasta-se muito dinheiro para curar as doenças causadas pelo veneno que vai no alimento”.

Para Tatto, uma política que estimula a produção sustentável e a redução do uso de agrotóxicos também é vantajosa do ponto de vista comercial, pois o Brasil corre o risco de perder mercado devido ao uso intensivo de veneno e fertilizantes químicos. “A PNARA é estratégica para o Brasil assegurar o seu papel não só como produtor de alimentos para todos os brasileiros, mas também para os países que importam alimentos do Brasil e estão cada vez mais exigentes com relação ao debate das mudanças climáticas e da qualidade do alimento. E a qualidade do alimento passa pela diminuição do uso de agrotóxicos e de fertilizantes químicos”, conclui. 

Retomada do diálogo do governo federal com a sociedade civil
Apesar dos benefícios da PNARA serem bem evidentes, é um grande desafio fazer esse debate avançar no Congresso Nacional, principalmente, por causa da bancada ruralista, que é um dos grupos parlamentares com mais força política dentro da Câmara e que defende os interesses dos grandes conglomerados de toda a cadeia do agronegócio. A PNARA está pronta para votação desde 2018, mas para ser pautada depende da vontade política do presidente da Câmara dos Deputados, que atualmente é Arthur Lira. Uma vez pautada, precisa de maioria de votos para aprovação. “A bancada ruralista tem, de certa forma, o papel hegemônico do Centrão. E o Centrão é muito grande, é muito forte, tem a Presidência da Câmara. Só para vocês terem uma ideia, o presidente Lira faz parte do Centrão e também ele é, de certa forma, um militante orgânico da bancada ruralista. Então, tem uma dificuldade muito grande”, explica Tatto. 

Por outro lado, as mudanças ocorridas no Poder Executivo após o início do Governo Lula vêm permitindo a retomada do diálogo da sociedade civil com ministérios e outros órgãos da administração pública federal e a volta de políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e de promoção da agroecologia e da segurança alimentar e nutricional.

De acordo com Tatto, essas mudanças tornam o ambiente político mais propício para fazer o debate sobre as mudanças na legislação relacionada aos agrotóxicos e para avançar nas reivindicações das organizações e movimentos sociais. “A sociedade pode pressionar para que o poder público compre alimentação saudável e pressionar para que mude a política de apoio do Estado. É preciso adotar políticas diferenciadas para poder valorizar quem produz de forma agroecológica. A agricultura, em toda a história, precisou de subsídio e sempre vai precisar de subsídio, porque quem produz precisa ter renda e o alimento precisa ser acessível para quem consome. E o poder público pode estar no meio desse caminho, como facilitador desse processo.”

Naiara Bittencourt também compartilha da percepção de que a incidência da sociedade civil é determinante para as iniciativas avançarem tanto nas casas legislativas como nos órgãos de governos municipais, estaduais e federal. “A pressão popular é fundamental para que esse avanço ocorra (aprovação da PNARA no Congresso Nacional). Mas também pode ser cobrada a implementação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, este no âmbito do Poder Executivo, com pressão aos ministérios, especialmente da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura. Políticas estaduais e municipais de redução de agrotóxicos também podem ser elaboradas”, analisa.

A reinstalação de instâncias institucionais de participação social, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), entre outros, também são estratégicos para reabrir o diálogo do governo com movimentos sociais. São espaços importantes para reivindicação, formulação, controle e avaliação das políticas públicas que se relacionam com as demandas dos povos do campo, das florestas, das águas e das cidades. “A retomada dos espaços de participação, das conferências, dos outros conselhos que dialogam de certa forma com a agricultura, com modelos de agricultura, é fundamental. O governo precisa ouvir e saber que precisa ter o acompanhamento mais de perto da sociedade”, afirma Tatto.

 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

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