Governo recua e Medida Provisória da Reforma Administrativa é aprovada no Senado sem alterações
Gisele Barbieri
Com recuos do governo em suas propostas e até uma carta, entregue ao Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, nesta terça-feira (28), foi aprovado no plenário do Senado o texto final da Medida Provisória 870/2019. Com 70 votos a favor e 4 contrários, a MP que previa a reestruturação dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios foi aprovada sem alterações ao texto enviado pela Câmara dos Deputados.
O governo recuou de sua proposta inicial de transferir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – órgão que investiga, dentre outras questões, a lavagem de dinheiro - para o Ministério da Justiça (MJ), deixando o órgão sob a competência do Ministério da Economia (ME). A alteração, aprovada pela Câmara, pode ser considerada como uma derrota do Governo. Já a Fundação Nacional do Índio (Funai) continuará ligada ao MJ e com a responsabilidade pela demarcação das terras indígenas, contrariando também a proposta inicial do governo que era transferir o órgão e a competência de demarcação para o Ministério da Família, Mulher e dos Direitos Humanos. Essas derrotas foram aceitas pelos partidos da base para garantir que o texto aprovado pelos deputados não fosse alterado. Pelo rito regimental, caso o texto fosse alterado pelo Senado, a Medida teria que retornar para nova apreciação pela Câmara dos Deputados. Com isso, o prazo para tramitação da Medida (03 de junho) provavelmente expiraria e as mudanças determinadas na MP deixariam de valer. Caso isso acontecesse, a composição dos órgãos do poder executivo voltaria a ser como no último governo.
Por esse temor, o Presidente Bolsonaro, o Ministro da Justiça, Sergio Mouro, o Chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni e o Ministro da Economia, Paulo Guedes reuniram, ainda pela manhã desta terça com o Presidente do Senado, e entregaram uma carta assinada pelos quatro membros do Poder executivo, pedindo que a MP fosse aprovada sem alterações. A carta foi lida por Alcolumbre no plenário antes da votação da MP.
O documento, segundo discursos de parlamentares, contrariava até mesmo as reinvindicações de parte da população que saiu às ruas no último domingo (26), em manifestações de apoio convocadas pelo próprio Presidente. “Uma mudança de posicionamento da noite para o dia com medo de uma derrota”, disseram alguns senadores de oposição ao governo.
Mobilização da sociedade civil
Para a sociedade civil e movimentos sociais, desde a apresentação da MP, em janeiro desse ano, foi um período de muita mobilização dentro e fora do Congresso. As alterações propostas pela Medida Provisória, que reduziram de 29 para 22 o número de Ministérios, estabeleceram um verdadeiro desmonte em políticas públicas e órgãos do poder executivo que atuavam na manutenção de políticas direcionadas aos povos do campo, comunidades tradicionais e populações vulneráveis, entre outras áreas afetadas como cultura e educação.
Com o texto aprovado, ontem, a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo que assumiu as competências do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e é responsável por pensar e executar a política agrária do país, é umas das secretarias que ficará ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), pasta que historicamente é coordenada por pessoas ligadas ao agronegócio. É o caso de Tereza de Cristina, atual chefe da pasta que presidiu a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), composta por parlamentares da “bancada ruralista”.
Outra vitória foi a articulação para barrar a tentativa do atual governo de monitorar a atuação dos organismos internacionais e das organizações não governamentais em território nacional”. Um artigo da MP 870 pretendia “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”. Com a mobilização da sociedade civil, apontando a inconstitucionalidade dessa emenda que infringia, inclusive, o artigo 5º da Constituição Federal, que prevê que a criação de associações no Brasil independe de autorização e é vedada a interferência do Estado no funcionamento dessas instituições. Com intensa mobilização de representantes de organizações da sociedade civil e movimentos sociais a redação final do artigo ficou da seguinte forma: “cabe à Secretaria Geral de Governo da Presidência da República compete “coordenar a interlocução do Governo Federal com as organizações internacionais e organizações da sociedade civil que atuem no território nacional, acompanhar as ações e os resultados da política de parcerias do Governo Federal com estas organizações e promover boas práticas para a efetivação da legislação aplicável”.
Mesmo com a alteração do artigo, é possível perceber uma movimentação do atual governo em monitorar e controlar a atuação dessas organizações que acompanham as violações e a ausência do Estado brasileiro quando o assunto é violência no campo e na cidade, além da garantia de direitos fundamentais e previstos em lei. Atualmente, tramitam no Congresso, aproximadamente, 20 propostas legislativas que versam sobre o recrudescimento penal e alterações à Lei 13.260/2016 - conhecida como Lei antiterrorismo - ampliando as condutas classificadas como terrorismo. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) também foi recriado na estrutura do Ministério da Cidadania. Pela MP, o espaço que assegurava a participação de movimentos e organizações para debate de políticas voltadas ao tema da segurança alimentar tinha sido extinto. A MP 870/2019 agora vai para sanção do residente da República, que pode acolher integralmente o texto aprovados nas casas legislativas ou aplicar vetos parciais.
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos