Notícias / Notícias



Incra reconhece Comunidade Quilombola Tiningu, em Santarém


Publicação da portaria é passo importante para a titulação da área, alvo de cobiça por parte de fazendeiros da região

(foto: Pedro Martins)

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou no Diário Oficial da União desta segunda-feira (15) a portaria de reconhecimento e demarcação da Comunidade Remanescente de Quilombo Tiningu, localizada no município de Santarém, no Oeste do Pará. Foram reconhecidos 3.850 hectares da área onde vivem cerca de 90 famílias quilombolas.

O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) concluído pelo Incra em 2015 previa uma área de 4.271 hectares, mas o Instituto retificou a informação e reviu o tamanho, para evitar sobreposição com áreas reivindicadas por povos indígenas Mundurku e Apiaká.

Advogada popular da Terra de Direitos que acompanha o processo de titulação das comunidades quilombolas em Santarém, Layza Queiroz destaca a importância do reconhecimento por parte do Incra em meio a um cenário de intensos ataques contra as famílias do Tiningu. “A publicação da portaria nesse contexto é um passo importantíssimo para efetivação do direito territorial da comunidade, sobre a sua área de uso tradicional. Isso dá mais força para que se continue a luta”, comemora.

O Tiningu é uma das 12 comunidades quilombolas de Santarém e a quarta a ser reconhecida pelo Incra – as outra três são as comunidades Bom Jardim, Arapemã e Saracura. No entanto, até o momento, nenhuma comunidade quilombola da cidade foi titulada. O desmonte do Incra, que diminuiu em cinco anos 97% do orçamento para titulação de territórios quilombolas, também traz desafios para as comunidades da região.

Uma região em conflito

As famílias do Tiningu desenvolvem principalmente atividades agropecuárias e do extrativismo, como a produção de mandioca, milho e feijão, além de cupuaçu, pupunha e açaí.

A região vive um cenário de intenso conflito fundiário com um fazendeiro que se afirma proprietário em área dentro do quilombo. A área onde está a casa do fazendeiro é onde também passam os canos de água que abastecem várias famílias. Segundo moradores, o fazendeiro  desliga o microssistema de abastecimento de água da comunidade, que capta água direto do Igarapé e que foi construído pelos próprios quilombolas. Esse microssistema de água também abastece o posto de saúde que atende comunidades de indígenas, pescadoras e pescadores do planalto santareno.

Além de desligar e cortar o microssistema de água, o empresário e o caseiro dele também teriam borrifado agrotóxico na plantação de um quilombola do Tiningu, destruindo toda sua plantação. Eles ainda teriam cercado a área que o quilombo usa para atividades de agricultura, comprometendo inclusive a produção de uma casa de farinha do local.

Em decorrência disso, várias denúncias foram realizadas aos órgãos públicos, tais como Incra, MPE e MPF, e foi ajuizada pelo quilombo uma ação possessória na justiça requerendo a garantia da posse da comunidade sobre a área. Em liminar, reiterada por duas vezes, a Justiça proibiu que os fazendeiros desligassem o microssistema de água da comunidade e realizassem desmatamento ambiental na área. A decisão da Vara Agrária de fevereiro de 2018 deferiu liminar “no que se refere a proibição de que os requeridos fechem o sistema de abastecimento de água da comunidade, e proibição da realização de qualquer ato de derrubada de árvores ou que implique na devastação ambiental na área descrita na exordial”.  Contudo, mesmo com a proibição, a água segue sendo cortada e o conflito no quilombo só se intensifica.

No dia 29 de setembro, um quilombola do Tiningu foi assassinado, e há indícios de que o crime tenha sido cometido em razão do conflito fundiário. Haroldo Betcel foi morto por golpe com uma chave de fenda.

Para a população e autoridades locais, a morte de Haroldo é a sinalização do avanço da violência em territórios quilombolas em no Oeste do Pará e da crescente pressão de empresários e fazendeiros sobre os territórios. Já são diversos boletins de ocorrência sobre o conflito, que relatam inclusive situações de ameaças. Uma das principais lideranças da comunidade também está sendo ameaçada.

Para a advogada popular da Terra de Direitos, a expectativa é que o reconhecimento formal por parte do Incra contribua para que a Justiça atue sobre o caso. “A gente espera agora que essa portaria auxilie na resolução do conflito de forma mais ágil e célere, garantido a posse do quilombo sobre sua área”, destaca Layza.



Notícias Relacionadas




Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial