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Formação fortalece jovens indígenas na defesa de direitos e territórios em Santarém (PA)


Curso reúne mais de 80 lideranças e estudantes, reforçando o uso do Direito como ferramenta de resistência e autodeterminação 

Foto: Terra de Direitos

Entre os dias 16 e 20 de junho, ocorreu em Santarém, no oeste do Pará, o Curso de Formação “Direitos Indígenas e Justiça: fortalecendo a luta a partir do direito”, promovido pelo Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA), com apoio da The Nature Conservancy, Projeto Curupira, Najup Cabano e Terra de Direitos. A atividade reuniu cerca de 87 estudantes e lideranças indígenas com o objetivo de fortalecer uma formação jurídica crítica, voltada à defesa estratégica dos direitos e territórios dos povos indígenas. A proposta do curso foi reafirmar o Direito como uma ferramenta de resistência, autodeterminação e transformação social, articulando os saberes tradicionais com instrumentos e estratégias jurídicas de autodefesa.

Durante os cinco dias de formação foram discutidos temas essenciais como identidade cultural e autodeterminação, demarcação de territórios, Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), criminalização e proteção de defensores indígenas, além do uso de ferramentas jurídicas voltadas à defesa coletiva dos povos originários.

A formação ocorreu em um contexto de intensos ataques aos direitos indígenas, como a tentativa de institucionalizar o marco temporal e criminalização crescente de lideranças. Diante disso, o curso teve o papel estratégico de preparar jovens indígenas para atuarem como defensores de direitos e articuladores políticos em seus territórios.

“Falar de educação é falar de desenvolvimento, e o curso de formação para os estudantes indígenas de Direito foi muito positivo. Ele foi pensado para qualificar nossa atuação a partir das leis que dizem respeito aos povos indígenas. Nos ajudou a compreender melhor como essas leis funcionam, especialmente no que se refere aos protocolos de consulta”, ressaltou Margareth Maytapú, coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA).

Os jovens estudantes indígenas de direito foram o foco da formação, que promoveu um ambiente seguro para debates e discussões sobre estratégias de incidência para defesa dos povos.

Para Raiane Munduruku, estudante do curso de Direito na Ufopa a formaçõ teve impacto direto na sua trajetória. “O curso contribuiu de forma significativa para a minha formação enquanto acadêmica indígena, fortalecendo o meu entendimento sobre os instrumentos legais de proteção aos nossos direitos e despertando um compromisso ainda maior com a defesa de nossa territorialidade. No âmbito universitário, a experiência vai fortalecer minha atuação política e acadêmica, construindo um pensamento jurídico mais plural e comprometido com a justiça social, na defesa da garantia dos nossos direitos”, declarou.

O fortalecimento dessas capacidades é estratégico diante dos desafios históricos e atuais vividos pelos povos do Baixo Tapajós. Os povos originários da região enfrentam grandes empreendimentos, violações de direitos e ameaças constantes aos seus modos de vida.

“O curso foi muito crucial na aprendizagem sobre direitos indígenas. Pouco se fala sobre esses direitos, principalmente no território. Essa formação é muito importante, na qual aprendi sobre consulta prévia aos povos indígenas e na questão do racismo e preconceito. [...]. Poderei defender meu povo desses ataques dos não indígenas nessa pauta”, destaca Nilton Makaxi, liderança do povo Hixkaryana e estudante de Direito.

Alexandre Arapiun, da assessoria jurídica da Terra de Direitos e estudante de Direito na Ufopa, foi um dos facilitadores da formação tratando sobre a demarcação das terras indígenas. “Entendemos que o Direito, dentro do contexto de proteção dos povos indígenas, historicamente tem sido um dos nossos grandes desafios. Mas reconhecemos também que ele é uma das principais ferramentas para a garantia de nossos direitos. Reconhecer essa dualidade e buscar formas de reformular a maneira como nos apropriamos desses conhecimentos técnicos e políticos pode se tornar uma estratégia poderosa de enfrentamento. A advocacia indígena e a assessoria jurídica popular são caminhos fundamentais para somar forças na luta”, afirma Alexandre

Criminalização e violência

A criminalização e a violência que atravessa a realidade cotidiana de muitos povos e lideranças indígenas foi um dos temas centrais debatidos no curso. O estudo na “Na linha de frente: violência contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil”, elaborado por Terra de Direitos e Justiça Global, mostra um cenário alarmante. Foram 1171 casos de violência contra defensores(as) entre 2019 e 2022. Desses, 78,5% do total de casos se deu contra pessoas que lutavam em defesa da terra, território e meio ambiente.  Apenas nos anos de Jair Bolsonaro, os povos indígenas sofreram 50 assassinatos e 142 casos de ameaça. A violência segue persistente, mesmo após a troca de governo, refletindo um padrão estrutural de violações.

“O Brasil é um país extremamente violento com povos e comunidades tradicionais, especialmente com povos indígenas, prova disso é o marco temporal que apesar de todos os questionamentos continua avançando e violando direitos. Diante de tantos ataques e criminalização do movimento indígena é de fundamental importância fortalecer o debate coletivo para o enfrentamento  desse processo de ataques e violação de direitos. No cenário em muitas lideranças indígenas lutam de forma legítima e são criminalizadas é de fundamental importância  pensar estratégias que  garantam a proteção de quem luta por direitos.” afirma Selma Corrêa, assessora Jurídica da Terra de Direitos.

(Foto: Terra de Direitos)

Ao final da formação, foi lançado o material “Direitos Indígenas e Justiça: fortalecendo a luta a partir do direito”. Com linguagem acessível e sólida fundamentação jurídica, a publicação reúne reflexões críticas sobre temas como identidade cultural, demarcação territorial, Consulta Livre, Prévia e Informada, criminalização de lideranças e estratégias de autodefesa jurídica. Mais do que um manual, a cartilha é uma ferramenta essencial de resistência, formação e mobilização para os povos indígenas, que reforça o compromisso com a justiça socioambiental e com a valorização dos saberes e das lutas dos povos originários.



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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial