Notícias / Notícias



10 Respostas que os povos e comunidades tradicionais precisam saber sobre o REDD+ Jurisdicional do Pará


(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

No dia 25 de julho de 2003, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho entrou em vigor no Brasil. São 22 anos de avanços para a garantia de direitos de povos e comunidades tradicionais, especialmente o direito de consulta livre, prévia e informada determinado pela Convenção. Ao mesmo tempo, os desafios também estão presentes.  

Um exemplo recente é a proposta de criação do Sistema REDD+ Jurisdicional do estado do Pará que tem ocorrido sem a adequada consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais, como aponta a nota técnica da Terra de Direitos.  

A promessa de venda antecipada dos créditos de carbono florestal, ausência de informações acessíveis sobre o Sistema REDD+, a limitação do número de consultas, da participação e dos espaços de deliberação, além da centralização das decisões entre órgãos do Governo e poucos representantes de povos e comunidades tradicionais, são algumas das violações ao direito à consulta identificadas.   

Diante disso, reunimos 10 possíveis dúvidas sobre o Sistema REDD+ Jurisdicional do Pará e sobre a efetivação do direito à consulta prévia. O objetivo é garantir que povos e comunidades conheçam seus direitos e fortaleçam sua capacidade de decisão coletiva.  

  1. O que é o Sistema REDD+ Jurisdicional do Pará?  

O REDD+ é um mecanismo de compensação financeira criado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em 1997. A sigla REDD+ significa “Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, com conservação e uso sustentável das florestas”.  

O Sistema REDD+ Jurisdicional do Pará é um programa proposto pelo governo do Pará em que as ações de governo, comunidades e parceiros para redução do desmatamento e conservação florestal funcionarão dentro dos limites do estado do Pará (por isso é chamado de “jurisdicional”). Caso o Estado confirme que essas ações estão contribuindo para diminuição das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera, ele será compensado financeiramente.   

  1.  O que é o direito à consulta prévia, livre e informada? 

É um direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário e que vale no Brasil desde 2003.  

A Convenção 169 determina que povos e comunidades tradicionais devem ser consultados de forma livre, prévia, e informada sobre todas as medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los, mediante processos apropriados e através das suas instituições representativas.  

Ou seja, antes aprovação, implantação ou decisão de qualquer medida legislativa ou administrativa, que tenha a possibilidade de afetar os povos e comunidades tradicionais eles devem ser ouvidos de forma a consentir ou não sem sofrer nenhum tipo de pressão e com as devidas informações necessárias para pleno conhecimento. Além disso, o modo como serão ouvidos deve ser decidido por eles para que contemplem suas especificidades e modos de vida, e de acordo com suas entidades representativas reconhecidas.  

  1. A implementação do Sistema REDD+ exige consulta prévia?  

Sim. O Sistema REDD+ do Pará é uma medida legislativa executada pelo governo que deve integrar, como áreas de execução do projeto, os territórios indígenas, quilombolas e reservas extrativistas que estejam dentro do estado. Ou seja, serão das áreas dos territórios de povos e comunidades tradicionais que preservam a floresta em pé, de onde serão vendidos os créditos de carbono para compensar a redução das emissões dos gases do efeito estufa.  

  1. Como deve ser realizada essa consulta? 

A consulta deve ser realizada de maneira livre, sem pressão e sem coação, deve ser prévia, antes de qualquer aprovação, implantação ou decisão de projetos ou empreendimentos que possam afetar os povos e comunidades tradicionais. E deve ser informada, esses povos devem ser subsidiados com todas as devidas informações necessárias, até que não restem dúvidas, sobre o tema para que possam consentir ou não de maneira a não sofrer nenhum tipo de pressão. O modo como a consulta acontecerá também deve seguir as especificidades e modos de vidas dos povos e reconhecer suas entidades representativas.   

  1. Todas os povos e comunidades tradicionais do Pará precisam ser consultados? 

Sim. Como o projeto do Sistema REDD+ deve ser implementado dentro da jurisdição do Estado do Pará, todos os territórios de povos e comunidades tradicionais dentro dos limites do estado devem ser consultados.  

  1. O povo ou comunidade tradicional é obrigado a aceitar o projeto de REDD+? 

Não, a consulta não é apenas uma formalidade. Ela deve ter o objetivo de obter o consentimento livre, informado e prévio. E esse consentimento não é obrigatório, a comunidade tem o direito de dizer "não" se entender que o projeto representa riscos ou viola seus modos de vida.  

  1. Quais impactos o Sistema REDD+ Jurisdicional pode trazer para o território?  

O Sistema REDD+ Jurisdicional pode trazer impactos positivos ou negativos aos territórios tradicionais, dependendo da forma como é implementado.  

Riscos: pode impor restrições ao uso tradicional da terra, causar violação ao direito de consulta, gerar conflitos de governança, desigualdade na repartição de benefícios e até especulação financeira com créditos de carbono futuros. 

Possibilidades: se for construído com a adequada consulta prévia, respeito aos protocolos comunitários e participação efetiva das comunidades, pode fortalecer o manejo sustentável tradicional, proteger o território e gerar benefícios financeiros diretos para os povos tradicionais. 

  1. A titulação, a demarcação e a regularização fundiária de territórios podem estar vinculadas à aceitação do REDD+? 

Não. A titulação, demarcação e regularização fundiária de territórios, especialmente de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, são direitos reconhecidos constitucionalmente e por tratados internacionais, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. 

A efetivação desses direitos deve ocorrer independentemente da aceitação ou implementação de projetos como o REDD+. Ou seja, a garantia dos direitos territoriais – bem como de outros direitos essenciais à vida, como saúde, educação e soberania alimentar – não podem estar condicionadas à participação ou aprovação do REDD+. 

  1. O que não pode acontecer na consulta prévia? 

Para a consulta prévia ser considerada adequada, de acordo com a Convenção 169 da OIT, não pode haver:  

  •  Uma decisão tomada antes da consulta. Desse modo, ela deixa de ser considerada “prévia”. 
  •  Pressão ou imposição sobre a comunidade para o consentimento, pois isso fere a liberdade de decisão. 
  •  Ausência ou falta de informações acessíveis. Isso desrespeita o direito à informação. 
  • Desrespeito aos modos próprios de organização dos povos e comunidades tradicionais, como, por exemplo, ignorar protocolos comunitáriosA realização de uma consulta apenas simbólica, sem a real possibilidade de influência sobre a decisão. Isso pode ser considerado como violação a boa-fé.  
  • Falta de transparência e registro do processo. As informações essenciais e a transparência garantem a comprovação que a consulta está sendo realizada de maneira adequada.  
  •  A exclusão de grupos internos da comunidade, como mulheres, jovens, idosos, ou mesmo parte da comunidade.  
  1. Existem outras formas de reconhecer e remunerar os territórios pela preservação das florestas além do REDD+?  

Sim, existem outras formas de reconhecer e remunerar os territórios pela preservação das florestas que não se baseiam em mecanismos de mercado. Algumas delas incluem: 

  1. Políticas públicas de pagamentos por serviços ambientais (PSA) não mercadológicos: Governos podem implementar programas que reconhecem e recompensam comunidades por manterem a floresta em pé, sem depender de mercados de carbono. 

  1. Financiamento público ou internacional direto: Cooperações internacionais podem repassar recursos diretamente aos povos e comunidades que protegem a biodiversidade e os recursos naturais, com base no reconhecimento dos seus papéis socioambientais, sem obrigatoriedade de gerar créditos para compensação. Como exemplos temos o Fundo Amazônia, que destina recursos para ações de atividades produtivas sustentáveis, proteção de unidades de conservação e outros; e o Programa DGM Global (Dedicated Grant Mechanism for Indigenous Peoples and Local Communities), destinado a povos indígenas e comunidades locais.  

  1. Efetivação dos direitos territoriais e reconhecimento do papel de defensores do meio ambiente e clima: Fortalecer o direito dos povos originários e tradicionais ao uso, manejo e proteção do território é, por si só, uma forma de valorização. Efetivação de direitos como a titulação, demarcação e regularização fundiárias são ações de preservação das florestas que contribuem diretamente para o enfrentamento da crise climática.  



Notícias Relacionadas




Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar