Povos tradicionais cobram ações concretas para a reforma agrária e proteção dos territórios de Santarém
Carta política exigindo medidas efetivas e urgentes foi apresentada a autoridades em reunião pública no STTR de Santarém
Sob o lema “Sem reforma agrária, sem territórios e lideranças protegidas, não há vida na Amazônia”, cerca de 200 lideranças de comunidades rurais de Santarém, no oeste do Pará, se reuniram no dia 1º de setembro, no Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR Santarém). O objetivo foi reivindicar medidas efetivas de regularização fundiária e proteção dos territórios de povos tradicionais da região. Os pedidos foram registrados em uma carta política aprovada na reunião e entregue às autoridades competentes. O evento contou com o apoio do Ministério Público Federal (MPF).
A atividade reuniu comunitários de diversos assentamentos da região como o PAE Lago Grande, Eixo Forte, Ituqui e territórios das áreas de várzea, bem como das unidades de conservação. Para Maria Ivete Bastos, presidente do STTR de Santarém, a reunião pública foi um momento importante para sensibilizar as autoridades para a necessidade de ações concretas de proteção dos territórios.
“Sem reforma agrária não há como a gente se manter na terra. Não há perspectiva de território. Não há política pública levada para permanecer na terra, para ter um equilíbrio dentro do campo e da cidade. Não há produção, nem soberania e nem segurança alimentar. Então a reforma agrária é muito necessária para nós”, destaca.
Uma das reivindicações diz respeito à efetivação da regularização fundiária de assentamentos criados há décadas, como é o caso do PAE Lago Grande. As lideranças apresentaram os problemas ocasionados pela demora na entrega do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) do território, como os conflitos fundiários, as ameaças à vida das pessoas que lutam em defesa da titulação coletiva e a dificuldade de acesso a políticas de crédito, educação e saúde.
O Superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do Oeste do Pará (SR30), José Maria de Sousa, esteve presente na reunião pública e reconheceu os problemas enfrentados para a destinação de terras em Santarém.
“O Incra tem muitos desafios, principalmente por conta da grandiosidade que é essa nossa região e dos inúmeros assentamentos que foram criados aqui ao longo desses últimos vinte anos e que, infelizmente, o Incra não conseguiu as condições necessárias para implementação e para consolidação desses assentamentos”, afirma.
Segundo José Maria, nos últimos dois anos, a superintendência do Incra, tem colocado a regularização dos assentamentos como estratégia principal da atuação, e para isso conta com o apoio do Incra sede, localizado em Brasília. Ele conta que mesmo após realizado um concurso público para contratação de servidores, somente seis pessoas foram destinadas ao SR 30, que têm enfrentado dificuldades pela falta de equipe e orçamento para as ações.
“O Incra não tem orçamento aqui. Todas as nossas ações, a aprovação do nosso orçamento sempre é feito por Brasília. Então é isso, mas não faltará compromisso da nossa equipe em atender a pauta do movimento social”, declara.
A carta política dos povos tradicionais e as intervenções feitas pelas lideranças na audiência foram enfáticas na necessidade de garantia da regularização fundiária dos territórios. “A Reforma Agrária em Santarém significa proteção de comunidades agroextrativistas que ocupam tradicionalmente a terra firme e a várzea. Também significa a garantia da agricultura familiar nas comunidades localizadas nos eixos das rodovias e ramais, e que produzem alimentos que abastecem as cidades, sustentam as feiras e chegam às mesas dos trabalhadores e trabalhadoras urbanas”, destaca o documento.
Para Maria Ivete, os territórios passam por inúmeras violações de direitos, especialmente quanto à questão ambiental e de efetivação da política pública. Por isso, para ela foi fundamental a presença do Superintendente do Incra, como forma de pressionar para que as ações saíam do papel. “Esse evento é uma forma de pressionar, uma forma de fazer com que a nossa pauta esteja sempre firme, focada naquilo que nós queremos. É fazer com que os olhos externos se voltem para os nossos territórios para que eles percebam que nós existimos, que nós estamos lá e os nossos territórios pertencem a nós”.
Defesa dos territórios
A falta de efetivação na regularização fundiária dos territórios fragiliza as lideranças, por exemplo, diante dos efeitos das mudanças climáticas que tem se tornado mais frequentes na região. Além disso, as lideranças que lutam em defesa da reforma agrária são expostas a cenários de ameaças e conflitos. Dona Eliana, do PAE Lago Grande, contou na reunião que já foi ameaçada por ser reconhecida como defensora da titulação coletiva do assentamento.
Um estudo das organizações Terra de Direitos e Justiça Global aponta o estado do Pará como líder no número de casos de violência contra defensores de direitos humanos. Diante desse cenário, Suzany Brasil, a assessora jurídica popular da Terra de Direitos que acompanha o processo de regularização do PAE Lago Grande,aponta a importância que essa pauta seja debatida e reivindicada pelas lideranças.
“Essa reunião puxada pelo STTR Santarém é super oportuna quando a gente visualiza o contexto violento contra as lideranças que estão defendendo seu território e o meio ambiente. Falar sobre a reforma agrária e a importância da defesa dos territórios e das pessoas que habitam e são o território é super importante. É fundamental que o Estado atenda essas reivindicações construídas pelo povo de acordo com as suas devidas competências nos diversos níveis federal, estadual e municipal”.
A carta política foi lida e aprovada pelas lideranças e deve ser encaminhada aos órgãos de governo. “A nossa expectativa é que as reivindicações feitas através da carta política chegue, ao governo, que chegue a questão da COP também, tudo para ser muito divulgado sobre as nossas necessidades.”, declara Maria Ivete, do STTR.
Pedro Martins, Educador popular da Fase Amazônia, que esteve presente e também participou do processo de articulação do evento, compartilhou sobre o que se espera após a entrega da Carta Política ao governo. “Com a audiência e a posterior entrega da Carta Política, esperamos que os órgãos possam atender as demandas apontadas. Um recado importante que foi dado é que os movimentos sociais estão acompanhando de perto a política da Reforma Agrária e que esta é uma política ainda urgente para Santarém”.
Além do Superintendente do Incra estiveram presentes: Liercio Silva (Gerente Geral do Banco da Amazônia em Santarém), Thais Medeiros da Costa (Procuradora da República 5º ofício do MPF de Santarém), Lilian Braga, (Promotora de Justiça Titular da 13º Promotoria de Justiça de Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo de Santarém (MPPA), que debateram com as lideranças as questões apresentadas e se comprometeram a dar encaminhamentos dos pedidos da carta políticas de acordo com a competência das instituições.
Ações: Conflitos Fundiários
Eixos: Terra, território e justiça espacial