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Paraná registra aumento de mais de 200% de casos de violência contra quem defende direitos humanos


 Estado somou 44 casos entre 2023 e 2024; 70% das vítimas eram povos indígenas Avá-Guarani, aponta pesquisa

Bala de chumbo usada em ataque contra o povo Avá-Guarani. Foto: Leandro Barbosa/ Agência Pública
O Paraná se tornou um dos epicentros da violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil. É o que mostra a nova edição da pesquisa Na Linha de Frente – Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2023–2024), realizado pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global. No período, foram mapeados 44 casos no estado, representando 9,1% de todas as ocorrências do país. Em comparação com os anos de 2019 a 2022, o Paraná saiu de uma média anual de 6,75 casos, para uma média de 22 casos por ano, nos últimos dois anos, um aumento de mais de 220%.

A violência atinge, sobretudo, os povos indígenas. Dos 44 casos registrados, 31 tiveram os Avá-Guarani como vítimas, ou seja, sete em cada dez casos. localizados no Oeste do estado. Localizados no Oeste do Paraná, a escalada da violência contra os inídgenas  está diretamente ligada à aprovação da Lei 14.701 de 2023, conhecida como Marco Temporal, e à reação do agronegócio contra processos de retomada de terras ancestrais, aponta a pesquisa.

A violência contra os povos indígenas Avá-Guarani se agravou significativamente entre o fim de 2023 e meados de 2024.Entre os episódios emblemáticos está o assassinato em julho do jovem Everton Lopes Rodrigues, filho do cacique Bernardo da Tekoha Yvyju Awary, que provocou forte mobilização de organizações da sociedade civil. O caso se soma a uma sequência de ataques contra comunidades Avá-Guarani durante ações de retomada territorial, em que lideranças foram ameaçadas de morte, sofreram agressões físicas e tiveram suas casas e pertences incendiados.

“As crianças não dormem à noite e se assustam com qualquer barulho. Nenhuma das pessoas que foram atingidas por disparos de arma de fogo teve as balas retiradas dos seus corpos”, relatam os Avás sobre um dos episódios de violência. 

Na avaliação das organizações, essa violência contínua evidencia o nível de vulnerabilidade vivido pelos povos indígenas da região, onde os conflitos agrários se traduzem também em impactos sociais profundos, como o aumento da evasão escolar entre crianças indígenas, forçadas a abandonar a escola por conta das ameaças e ataques enfrentados por suas famílias.

“O aumento dos ataques, ameaças e violências no Paraná chama muita atenção e esse aumento diz respeito quase em sua totalidade aos ataques contra indígenas Avá-Guarani. E essa violência também é marcada por um alto grau de ódio. A forma e as circunstâncias denotam isso. O objetivo é evidente, enfraquecer, amedrontar, expulsar esse povo da justa luta por seu território”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Alane Luzia da Silva.

No Paraná, assim como no restante do país, a defesa da terra, do território e do meio ambiente é o fator central da violência: mais de 80% das violências cometidas contra defensores são dirigidas a pessoas que defendem estes temas. O estudo alerta que a combinação entre disputa fundiária, pressões do agronegócio e racismo estrutural intensifica os riscos para comunidades indígenas e tradicionais. 

No caso dos Avá-Guarani as violações de direitos são históricas, como na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu em 1970, que inundou extensas áreas tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, até os atuais ataques armados, destruição de moradias e lavouras, e o uso de agrotóxicos como arma química de expulsão dos territórios. 

Ao todo, o estudo Na Linha de Frente identificou 486 casos de violência no Brasil entre 2023 e 2024. Mais da metade ocorreu dentro do território ou na moradia das vítimas e 67% em áreas rurais. Assim como no Paraná, os povos indígenas tem sido o principal alvo de violências. Dos 486 casos mapeados em 168 as vítimas foram indígenas, o que corresponde a 34,6% do total.

Cacique Bernardo Avá-Guarani foi atingido por uma pedra em um dos ataques. Foto Leandro Barbosa/ Agência Pública

Proteção 
No início deste mês, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) publicou o relatório final sobre a missão realizada entre os dias 23 e 27 de maio nos territórios Avá-Guarani, no Oeste do Paraná. O relatório traz recomendações de medidas de proteção aos indígenas Avá-Guarani. 

A missão in loco organizada em conjunto com o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos teve como objetivo ouvir os testemunhos dos defensores e dar visibilidade às violações de direitos sofridas.  

“Participamos de missão e pudemos verificar um contexto intenso de violência. Após a missão construímos um relatório conjunto e seguimos em uma agenda de incidência e diálogos com espaços institucionais para viabilizar o enfrentamento dessas violências absurdas. Esperamos que o poder público se responsabilize com àquilo que lhe cabe, especialmente a demarcação desses territórios. Além disso, é urgente que haja uma célere investigação e responsabilização dos violadores”, aponta Alane.

Sobre o estudo Linha de Frente:
O relatório é produzido pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos e mapeia, desde 2002, casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil. A edição atual abrange os anos de 2023 e 2024, documentando violações como assassinatos, ameaças, criminalização, atentados à vida e deslegitimação da atuação de lideranças sociais.

Saiba mais sobre a pesquisa.



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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos