“Não temos terra para plantar, não temos água para irrigar", destacam os índigenas Avá-Guarani
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Relatório de missão do CNDH denuncia intensa violação de direitos dos indígenas do Oeste do Paraná. Terra de Direitos integra a missão
O povo indígena Avá-Guarani vive um quadro de violações sistemáticas e estruturais de direitos humanos, aponta o relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), publicado na última terça-feira (19). O documento sistematiza o levantamento de informações coletadas em missão in-loco realizada em 23 a 27 de maio deste ano, pelo Conselho em parceria com o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH) nos territórios Avá-Guarani, no Oeste no Paraná. A Terra de Direitos compôs a missão e contribuiu no relatório.
Após visita às comunidades indígenas (tekohas) Tekohas Yvy Okaju e Yvyju Aváry, localizadas no município de Guaíra, e nas Tekohas Arako’é e Tata Rendy, localizadas em Terra Roxa, e reuniões com diferentes órgãos públicos como Polícia Federal, as Comissões de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e Tribunal Regional Federal da 4ª Região, parlamentares do Paraná e Governadoria do Estado, foi constatada a negação de direitos básicos como saúde, educação, alimentação adequada e acesso à água potável, além de contextos de ataques armados, racismo, criminalização e, no centro de tudo, a violação do direito ao território tradicional aos Avá-Guarani. “A situação vivida pelo povo Avá-Guarani no Oeste do Paraná revela um quadro de violações sistemáticas e estruturais de direitos humanos”, conclui o documento.
“Na missão, identificamos um cenário de múltiplas e graves violações de direitos do povo Avá-Guarani, agora sistematizadas de maneira sintética no relatório. Sua publicação vem para fortalecer a luta dos indígenas por seus direitos. Temos nos reunido e cobrado as autoridades estaduais, municipais e federais, a fim de que cumpram com suas responsabilidades institucionais. É preciso combater a discriminação ainda persistente contra os indígenas e enfrentar a dívida histórica que Itaipu, o Estado do Paraná e o Estado brasileiro tem a reparar com o povo Avá-Guarani”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro.
Durante as escutas, os indígenas relataram a urgência em ter seu território tradicional demarcado e a necessidade de que as compras das áreas previstas no acordo parcial emergencial celebrado com Itaipu avancem com celeridade. Uma prioridade relatada é também a necessidade de informações e avanço das investigações sobre os ataques e violências sofridas pelos Avá-Guarani.
As comunidades denunciaram ainda situações como discriminação no ambiente escolar não indígena sofrida pelas crianças com a proibição de falarem a língua materna, a ausência de atendimento básico de saúde nas aldeias como com a não realização de visitas de agentes de saúde, de campanhas de vacinação ou do socorro de urgência (SAMU), a insuficiência do fornecimento de água potável realizado por caminhões-pipa e a proibição de acesso a rios por fazendeiros.
Além disso, as aldeias sofrem com a pulverização de agrotóxicos pelos monocultivos, especialmente de soja, que cercam os territórios indígenas. A intensa contaminação de pessoas, animais, plantações e fontes de água compõe a denúncia feita em abril de 2024 por uma coalizão de seis organizações sociais da Argentina, Brasil, Paraguai, Bolívia e Alemanha perante a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) contra a transnacional Bayer.
“Não temos terra para plantar, não temos água para irrigar, e nem podemos entrar no mato para buscar nossos remédios”, destaca uma liderança.
Com situação emergencial, a missão buscou dialogar com autoridades públicas para tratar do grave contexto de violações vividas pelo Povo Avá-Guarani. Dentre elas, se destaca a insegurança alimentar. Com obstáculos para o plantio, as famílias se veem dependentes de fornecimento de cestas básicas fornecidas pelos municípios ou por programas federais. No entanto, o fornecimento tem sido insuficiente.
Reação violenta do agronegócio
Expulsos dos seus territórios com a construção do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu nos anos de 1970 e 1980 - com o consequente alagamento de 135 mil hectares de terra, incluindo a submersão de Sete Quedas - e pela expansão agrícola iniciada na década de 1940, os Avá-Guarani empreenderam um movimento de retorno ao território em 2004. Desde então, as famílias relatam contextos de violência e repressão pelos fazendeiros locais. No entanto, nos últimos anos o quadro de violência foi intensificado.
De acordo com a Pesquisa Linha de Frente, desenvolvida pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, nos anos de 2023 e 2024 houve 31 episódios de violência contra os Avá-Guarani. O número corresponde a 70% dos casos mapeados de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Paraná neste biênio.
“As crianças não dormem à noite e se assustam com qualquer barulho. Nenhuma das pessoas que foram atingidas por disparos de arma de fogo teve as balas retiradas dos seus corpos”, relatam os Avá-Guarani sobre um dos episódios de violência. Além de agressões e araques, os indígenas vivem contextos de ameaças, tentativas de criminalização, manifestações de preconceito e deslegitimação.
Mesmo com a presença da Força Nacional no território nos últimos meses, o ciclo de violência contra os indígenas não tem sido interrompido. Em julho deste ano foi assassinado jovem Avá-Guarani Everton Lopes Rodrigues, filho do cacique Bernardo da Tekoha Yvyju Awary. Organizações e representantes de povos tradicionais do estado reivindicam avanço nas investigações e responsabilização dos envolvidos. Além disso, 25 indígenas estão incluídos no Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH).
Central para o acirramento dos conflitos, a violação do direito ao território tem sido denúncia frequente por décadas. Em março deste ano foi firmado um acordo entre a Binacional Itaipu e a União, com compromisso de destinação pela empresa binacional de três mil hectares aos Avá-Guarani, como meio de reparação histórica. O acordo ocorrido no âmbito da Ação Cível Originária (ACO) nº 3.555, em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é compreendida como um avanço importante, porém ainda insuficiente. De acordo com os indígenas, a área a ser destinada é oito vezes inferior ao reivindicado pelo povo Avá-Guarani.
Além disso, o processo de demarcação data de 2009. No entanto, uma decisão judicial proferida na Ação Civil Pública (ACP) movida pelo município de Guaíra no ano de 2020, e que tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tem impedido que a demarcação seja retomada.
“Sem o reconhecimento dos direitos originários constitucionalmente garantidos, os Avá-Guarani têm sua autonomia, subsistência e identidade ameaçadas. O acordo firmado com a Itaipu Binacional, que prevê a compra de apenas 3 mil hectares de terra, é insuficiente e moroso. Os Avá-Guarani reivindicam a continuidade do processo de demarcação do seu território ancestral”, destaca o relatório.
“A questão territorial é central para a proteção dos indígenas, que tem sofrido muita violência, e a garantia dos demais direitos, como saúde, alimentação e educação. Por isso, cobramos que a aquisição emergencial de terras se dê da maneira mais célere possível e que a demarcação dos territórios indígenas do oeste do Paraná avance”, complementa Daisy.
Reinvindicações
Além de maior celeridade na demarcação dos Territórios Indígenas Guasu Guavirá e Okoy Jacutinga, do povo Avá-Guarani, e o avanço das compras de terras no bojo do acordo com Itaipu, a missão recomenda a investigação célere e adequada dos episódios de violência e assassinatos contra os indígenas e a oitiva de testemunhas com garantia de intérprete, como prevê Resolução do CNJ.
Ainda, recomenda que seja ampliada a capacidade de abastecimento e os reservatórios de água nas comunidades, com compra de caixas d’água, a ampliação do fornecimento de cestas básicas e a autorização dos projetos de galinheiros comunitários, como medidas de enfrentamento à insegurança alimentar e nutricional da população indígena.
Como ações na área de saúde, recomendam a melhoria no atendimento à população indígena nas Unidades de Saúde, com intérprete da língua Guarani e a realização de visitas nos territórios. Ainda solicitam que seja assegurado acesso a documentos pessoais aos indígenas que ainda não possuem documento e retificação e regularização de cadastros socioassistenciais, entre outras ações.
Após a missão foram estabelecidos diálogos com Ministério da Justiça para pedidos, entre outros, de renovação e reforço do efetivo da Força Nacional no local, e com Itaipu, para celeridade na compra de terras.
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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos