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Indígenas e quilombolas contestam decreto do governo do Pará sobre Consulta Prévia


Criação de um grupo de trabalho para regulamentação de consulta à indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais viola princípios da Convenção 169 da OIT. Em nota, associação de comunidades quilombolas do Pará aponta medida como racismo institucional e entrega dos territórios ao capital privado.

Regulamentação do processo de consulta desconsidera criação de protocolos criados pelas comunidades de forma coletiva / Foto: Bob Barbosa

O governo do Pará tenta mais uma vez regulamentar o processo de Consulta Prévia, Livre e Informada estabelecida em tratado internacional ratificado pelo Brasil. Um decreto assinado pelo governador Helder Barbalho (MDB) e publicado em diário oficial no dia 11 de outubro estabelece a criação de um Grupo de Trabalho para a elaboração de um Plano Estadual de Consultas Prévias, Livres e Informadas, que deve ser apresentado em até 60 dias.

A proposta é que o grupo indique normas e procedimentos para o processo de consulta das comunidades tradicionais. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece que indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais sejam previamente consultados sobre medidas ou empreendimentos que possam afetar seus territórios e modos tradicionais de vida.

Membro da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), José Carlos Galiza critica a forma com que o decreto foi publicado. “Não foi feita nenhuma consulta às comunidades quilombolas para falar como seria esse decreto, para entendermos qual seria nossa participação dentro disso”, fala.

Em nota, a Malungu - a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará - também denúnciou que o decreto viola o direito das comunidades. No documento, a Malungo aponta que medidas como a publicação do decreto e a aprovação da Lei de Terras para regularização fundiária que favorece a grilagem representam  o racismo institucional. Para os quilombolas, isso "explicita tentativa de entregar nossos territórios ao capital privado para o saque de bens de nossos povos e comunidades tradicionais".

Leia a nota da Malungu aqui

Advogado popular da Terra de Direitos, Ciro Brito destaca que a publicação dessa medida sem a consulta aos grupos que serão afetados já é uma violação da Convenção 169 da OIT. “Um decreto do executivo é uma medida do poder público que impacta diretamente a vida das comunidades. Em razão disso a Convenção 169 deveria ser aplicada e as comunidades tradicionais deveriam ser consultadas”, explica. Segundo ele, não há como estabelecer qualquer tipo de fluxo de consulta prévia sem a participação das comunidades, que possuem diferentes dinâmicas entre si.

Indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais de todo o Pará já têm criado protocolos próprios onde indicam os procedimentos para que a consulta prévia seja feita de forma efetiva. Nesses documentos, os grupos indicam a forma com que devem ser consultados, considerado as suas especificidades e estabelecendo prazos para a consulta que respeitem a dinâmica das comunidades.

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR), Manoel Edivaldo Santos Matos participa do processo de elaboração de protocolos de consulta prévia em diferentes comunidades de Santarém (PA) e defende a necessidade de respeito às definições desses documentos. “Para nós o protocolo é um instrumento muito importante para ajudar na nossa resistência para manutenção de nossas terras e territórios”, fala.

Falta de representação

O GT criado pelo governo prevê a participação de diferentes órgãos do estado, mas desconsidera a representatividades dos grupos que serão consultados ou mesmo de órgãos do Estado ligados a esses povos. Estão indicados para a composição do GT apenas órgãos que representam os interesses do Estado, como a Procuradoria-Geral do Estado do Pará, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Secretaria de Estado Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, Instituto de Terras do Pará, Assembleia Legislativa do Estado do Pará, e a Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda.

Representantes de entidades públicas e privadas podem se inscrever como colaboradores do GT. Nesse caso, as organizações têm até 15 dias para enviar a inscrição, que será submetida à aprovação do grupo.

Membro do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), Auricélia Arapium destaca que o Decreto pega a todos de surpresa, e estabelece prazos que inviabilizam qualquer possibilidade de participação. A indígena, no entanto, não defende a ampliação do prazo, mas a extinção do decreto, uma vez que a existência de um Plano de Consulta proposta pelo governo viola os direitos de indígenas e populações tracionais. “Eu acho que nem devia existir. Não é o governo que tem que dizer como ele vai nos consultar, é nós que dizemos como queremos ser consultados”, destaca.

Um decreto semelhante já havia sido publicado no Pará, em 2018, durante o governo de Simão Jatene (PSDB). O decreto foi revogado após recomendação conjunta do Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado do Pará, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado.



Ações: Empresas e Violações dos Direitos Humanos

Eixos: Terra, território e justiça espacial