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Mudanças na lei, falta de informação e participação marcam preparação para a Copa em Curitiba


Lançamento Dossiê_Foto Téo Travagin (8)Copa 2014 - Dossiê elaborado pelo Comitê Popular da Copa de Curitiba, lançado nesta quarta-feira(11), aponta diversas violações cometidas em projetos ligados ao mundial. 

Texto: Ednubia Ghisi
Fotos: Patrícia Baliski e Téo Travagin

A placa de sinalização “Cuidado, em obras” cabe muito bem à situação de Curitiba e das outras 11 cidades sede da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Para além dos altos gastos públicos com o mundial, a execução dos projetos na capital paranaense é marcada pela falta de transparência, restrição de participação da população nos espaços de decisão, mudanças de legislação para atender interesses comerciais e violações de direitos humanos, especialmente à moradia.

É o que aponta o Dossiê “Copa do Mundo e violações de direitos humanos em Curitiba”, lançado nesta quarta-feira (11), na Reitoria da Universidade Federal do Paraná. O documento foi elaborado pelo Comitê Popular da Copa (CPC) de Curitiba e reúne as diversas violações cometidas nos preparativos para o megaevento na cidade. O lançamento do Dossiê reuniu mais de 100 pessoas, entre pesquisadores, estudantes, integrantes de movimentos sociais e das comunidades atingidas por obras da Copa.

Elaborado a partir de pesquisas, participação nos espaços públicos e da participação direta na mobilização de comunidades atingidas por obras relacionadas à Copa, o Dossiê servirá como instrumental de monitoramento e de exigibilidade nos órgãos públicos. Segundo os integrantes do CPC Curitiba, o documento será encaminhado à câmera de vereadores, assembleia legislativa, câmaras temáticas e ao ministério público federal e estadual.

Entre as questões para as quais o CPC chama atenção está a redução no número de obras previstas no início das preparações para o mundial. Foram mantidos apenas projetos ligados ao aeroporto e à rodoviária, formando um corredor de acesso à capital. Para Olga Firkowski, do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles – UFPR, apesar da importância das obras mantidas, tanto a rodoviária quanto o aeroporto estão ligados ao exterior da cidade, portanto, aos turistas.

“Sem desconsiderar a importância que esses dois equipamentos têm na nossa vida hoje, mas eles aparelham a cidade muito mais para fora, do que para dentro dela”. Na avaliação da pesquisadora, do ponto de vista dos investimentos da Copa, a cidade não foi tomada em sua totalidade.

Entre as obras mantidas, algumas afetam diretamente bairros localizados em São José dos Pinhais. É o caso da Vila Nova Costeira, próxima ao Aeroporto, e de São Cristóvão, onde será construída uma trincheira. A partir da contribuição do CPC Curitiba, as duas estão mobilizadas e resistindo aos problemas trazidos em decorrência do megaevento.

Lançamento Dossiê_Foto Patrícia Baliski (3)A Vila Nova Costeira é uma ocupação irregular formada há mais de 20 anos e hoje é formada por 342 famílias. Roseli Aparecida Reinaldi vive na região desde a ocupação e tem na lembrança o esforço das famílias em construir suas casas. Ela conta que há cinco anos foram comunicados que precisariam sair do bairro por conta da construção da terceira pista do Aeroporto: “Chegou o pessoal da Infraero, bateu nas nossas casas pedindo licença para entrar porque nós seriamos desapropriados, teríamos que sair dali”.

Desde 2012, o CPC passou a acompanhar a situação das famílias e fortalecer a organização local. Entre os avanços está a decisão de buscar a regularização fundiária por meio da Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM), para garantir o direito à moradia da população afetada. Apesar do avanço, a principal dificuldade está na falta de transparência e acesso a informações sobre as obras no Afonso Pena – problema presente em todos os projetos de infraestrutura para a Copa em Curitiba.

Falha no acesso à informação e participação

Há cerca de um ano, no início dos projetos ligados à Copa, o CPC Curitiba participou de quase todas as audiências públicas feitas nas regionais pela comissão da Câmera de Vereadores. “As audiências eram repetitivas, apenas com a indicação do que seriam as obras. Não era apresentado quanto iriam custar, não tinha projeto executivo, não tinha detalhamento”, relata Leandro Gorsdorf, professor da UFPR e integrante CPC.

Andrea Braga, do Conselho Regional de Serviço Social do Paraná – CRESS-PR, integra o Conselho Municipal da Cidade de Curitiba – CONCITIBA e relata a mesma falta de transparência e participação efetiva nos assuntos ligados ao megaevento. “É um processo que chamam de participativo, mas que, na verdade, não é nem uma pseudodemocracia. O que ocorre é que se chega com a proposta feita, pactuada entre um grupo muito restrito”, aponta a assiste social, que também faz parte do CPC Curitiba.

As Câmaras Temáticas voltadas a temas da Copa, organizadas pelo governo estadual, repetem a mesma lógica. Segundo Gorsdorf, ao contrário da proposta original, as Câmaras são fechadas, compostas por pessoas convidadas pelo governo estadual, numa composição que reúne representantes do poder público e empresários vinculados a determinados tipos de projetos. Por exemplo, a Câmara Temática do Turismo tem grande participação de empresários do ramo hoteleiro.

As obras na Arena da Baixada são o exemplo da falta de acesso à informação e de claro investimento de recursos públicos em propriedade privada. A engenharia financeira da obra inclui a utilização de cotas de "potencial construtivo", criadas pela prefeitura em favor da Arena - CAP S.A., ente privado que detém o estádio. Com as obras avançadas, fica evidente que o volume de investimento é majoritariamente público, constando entre as contrapartidas da Arena a disponibilização de camarote para governador e prefeito.

Manipulação da lei

O Hotel Bristol Portal Iguaçu está localizado ao lado do Parque da Imigração Japonesa, no caminho do Aeroporto para Curitiba. Apesar de não estar entre os projetos oficiais ligados ao mundial, a construção do hotel está entre os casos analisados pelo Dossiê por envolver mudança legislativa. O edifício está localizado em um bairro residencial de famílias de baixa renda, caracterizado como Setor Especial de Habitação de Interesse Social - SEHIS, voltada para construções populares, regularização fundiária, implantação de programas habitacionais de interesse social. Pela lei, não é permitida a construção de hotéis na área, mas a legislação foi modificada para atender os interesses da atividade hoteleira.

Para Luana Xavier Pinto Coelho, assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante do CPC, a obra é exemplo da manipulação legislativa, principalmente a urbanística, para beneficiar claramente interesses privados. “É usar a cidade como mercadoria, como interesses econômicos. É muito perigoso que a sociedade permita que a legislação seja alterada dessa forma, como uma visão totalmente mercadológica da cidade”.

Articulação dos Comitês

Comitês Populares da Copa de outras cidades-sede também estão elaborando dossiês sobre os problemas trazidos pelo Megaevento. O objetivo da sistematização das denúncias é fortalecer a mobilização e o diálogo com a sociedade e com órgãos públicos.

Lançamento Dossiê_Foto Patrícia Baliski (1)

 

Orlando Alves dos Santos Junior, integrante do IPPUR/UFRJ e do Comitê Popular da Copa do Rio de Janeiro

 

 

Da esquerda para direita: Maria Auxiliadora (São Cristóvão) e Roseli Roseli Aparecida Reinaldi (Nova Costeira) 

 

Da esquerda para direita: Rosângela Luf, do CPC Curitiba, Olga Firkowski (Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles – UFPR) e Orlando Alves dos Santos Junior (CPC Rio de Janeiro e IPPUR/UFRJ)

 

Da esquerda para direita: Giovana Milano (Ambiens Cooperativa) e Rosângela Luf (CPC Curitiba) 

 


Lançamento Dossiê_Foto Téo Travagin (8)

 

 

 



Ações: Impactos de Megaprojetos

Eixos: Terra, território e justiça espacial