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Mulheres Indígenas do Baixo Tapajós (PA) na linha de frente na luta por seus direitos


A resistência dos povos indígenas do Baixo Tapajós, no Oeste do Pará, não é de agora: eles lutam em defesa de seus povos e seus territórios há mais de 500 anos. Foram séculos de invisibilização e silenciamento de suas histórias e culturas provocadas por um processo colonizador. E as práticas de extermínio dos povos indígenas são adotadas ainda hoje.

A demora e a descompromisso governamental em assegurar políticas públicas de proteção aos povos indígenas para enfrentamento ao covid-19 é um exemplo disso. Medidas de proteção aos povos isolados e a garantia de prioridade na vacinação contra o vírus só foram garantidas após os indígenas recorrerem ao Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, em meio à pandemia o Governo Federal tenta aprovar o Projeto de Lei nº 191/2020, que libera a mineração em Terras Indígenas. É por isso que indígenas de todo o Brasil e do Baixo Tapajós se encontram em Brasília (DF), neste dia 19 de abril, para dizer “não” a todos esses projetos de morte.

No Baixo Tapajós, os povos indígenas também precisam resistir ao avanço do agronegócio e à instalação de empreendimentos que ameaçam seus territórios, à exploração ilegal de madeira, aos ataques a direitos já conquistados, a pandemia que avança sobre a região.

Nessa luta, que é diária e constante, as mulheres indígenas estão na linha de frente. A partir da ação em seus territórios e da organização coletiva, elas resistem a um modelo exploratório e defendem seus povos.

A seguir, trazemos o relato de seis mulheres que integram o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita) e que falam de suas principais resistências neste contexto de pandemia:

Eli Tupinambá
Indígena Tupinambá

“Minha maior luta na resistência dentro do movimento e em meio à sociedade é enquanto mulher. Enquanto mulher indígena, mãe, estudante, profissional da saúde, a resistência é muito grande, porque nós somos invisibilizadas, mas somos nós mulheres que fizemos a engrenagem funcionar. Eu já participei como Coordenação do Departamento de Mulheres Indígenas do CITA [o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns], e a nossa voz muitos tentam calar, mas a gente não se cala, enfrenta, tem força, tem resistência e tem coragem

Nós mulheres indígenas enfrentamos muitas violências, em todos os aspectos: violência doméstica, psicológica, patrimonial e a violência contra nossos territórios, porque quando tentam tirar nosso território da gente, quando negam a demarcação do nosso território, é uma violência para nós, porque nosso território é nossa vida.

O governo quer rasgar nossos territórios com estradas e a gente vai para frente no enfrentamento e diz que não, não é isso que a gente quer. A gente vai à Brasília para dizer Fora Salles e Fora Bolsonaro, para dizer que não quer exploração de madeira dentro dos nossos territórios indígenas que estão dentro da Resex [Tapajós Arapiuns]. A gente vai pra lá lutar com as mulheres Munduruku [do Médio e Alto Tapajós], que tem seus direitos violados quando querem legalizar os garimpos em seus territórios, e a gente não quer isso, porque território é vida.

Nós, mulheres, somos como água: cheia de contornos, mas sempre em movimento – fortes  e unidas sempre, uma dá a mão pra outra”.

Catarina Cerdeira Melo
Indígena Kumaruara

“Como mulher indígena a gente se planeja, se organiza, vai para cima buscar nossos direitos. Nossos direitos que foram deixados pelos nossos antepassados, que deixaram para nós preservarmos nossos territórios, os nossos rios, nossa língua e nossa cultura para nossos filhos e nossos netos. Nós não podemos deixar isso esquecido – nós precisamos lutar por isso. Nós temos parado por causa da pandemia, e a gente viu o que o governo fez aí com a pandemia, teve um descaso com os brasileiros, teve muito óbito por descuido do governo que não quis comprar vacina para esse povo.

Então o governo estadual, municipal e federal, deixaram um descaso pro povo. E nós, como indígenas, nós resistimos e nos protegemos dentro das nossas aldeias com remédio caseiro, tomando xarope caseiro, até que a vacina chegasse. Por isso é que nós não pegamos o Covid: porque nós usamos nossos remédios caseiros e ficamos em casa se protegendo, protegendo nossa família e nosso povo, por isso nós se isolamos na nossa aldeia”.

Fabyana Borari
Indígena Borari

“A minha principal resistência que tenho travado enquanto mulher indígena é a garantia da minha autonomia e a minha liberdade de expressão. Seja enquanto mulher, enquanto guerreira, enquanto mãe, enquanto defensora dos direitos da mulher e de toda população aqui no baixo tapajós. 

E durante a pandemia podemos ver o quanto foi necessário a nossa resistência enquanto mulher guerreira, diante dos ataques na saúde, ataques na educação, ataques contra a própria nação indígena. Muitos parentes nossos se foram com essa pandemia: pessoas que amávamos foram embora, pessoas que hoje a gente sente vontade de dar aquele abraço e nem sequer na despedida pudemos dar aquele adeus.

É um cenário opressor, mas ao mesmo tempo esperançosos pois com todas as limitações sem aglomeração e sem contato físico, a gente continua defendendo os direitos coletivos na nossa região, das nossas aldeias, fazendo com que todos os parentes aqui do baixo Tapajós continuem tentando e resistindo, até podemos estar juntos novamente”.  

Graça Tapajó
Indígena Tapajó

A nossa resistência não se desvincula de uma luta coletiva pelo o território. O território, para nós, é nossa resistência e por isso nós lutamos. O território não está fora da saúde e educação indígena. Falar de território é falar da nossa placenta, da simbiose que nós temos em relação a terra e território, da visão de nós indígenas, pois o que nós sentimentos e vivemos não é visão das pessoas não indígenas. Nosso sentimento de pertencimento é muito forte.

Não dá para pensar a educação sem ter meu território demarcado. É por isso que minha resistência é trabalhar isso. E um dos nossos maiores desafios é o enfrentamento na parte dessas políticas públicas, do governo. E por isso trabalharmos com a formação nas bases. Eu e outros e outras indígenas estamos na base para trabalhar essa conscientização, auto estima, valorização.

Nosso povo na base sabe que nos dias atuais está muito difícil, pela violação de nossos direitos: quando é negada a demarcação dos nossos territórios, quando é negada a educação, como na entrada e permanência dos estudantes na universidade, por meio da retirada das bolsas. Então a nossa luta vai estar sempre vinculada à defesa do nosso território e dos nossos direitos.

Maria Alves
Indígena Munduruku

“A nossa luta é sobre o avanço da soja e o grande desmatamento no nosso território, estamos muito preocupadas. Sabemos que a luta não para. Para estes grandes sojeiros, a nossa saúde não importa, o que importa é o lucro.

Nossa luta está apenas começando, porque eles não se conformam em ganhar pouco, eles só querem ganhar muito.

Nós amamos a terra, preservamos o meio ambiente, e tudo isso é a nossa luta aqui no território, muito esforço, preocupação e muita luta”.

 

 

 

 

 

 

 

 

Maura dos Anjos Sarmento 
Indígena Arapium

Antes da pandemia, as mulheres já trabalhavam na linha de frente de seus territórios, mas com a pandemia se tornou mais difícil ficar na linha de frente, nas atividades externas. Tínhamos que sair da aldeia muitas vezes, e com a pandemia isso se tornou mais difícil. Mas este período tem sido também uma forma de nos fortalecer como base, montando estratégias de sobrevivência. 

As mulheres indígenas da região produzem muito artesanato, e com a epidemia ficou difícil vender na cidade. Na minha aldeia a gente conseguiu elaborar projetos para produção de artesanato dentro da aldeia. Com isso, as mulheres estão fortalecendo a cultura local e montando estratégias para obtenção de recursos financeiros. Como com a pandemia veio a dificuldade para ter renda, para compra de alimentos, por exemplo, trabalhamos no fortalecimento financeiro para obtenção de recursos. Os editais têm possibilitado que as mulheres tenham sua própria renda. 

Nossa resistência tem sido então a de garantir que as mulheres tenham renda própria para que não fosse preciso ir para a cidade, e não saíssem da aldeia. Com a oportunidade de renda, buscando formas de sobreviver, as mulheres não estão paradas, produzem seus medicamentos, artesanato e fortalecem a base e a cultura”.

 



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos