No Pará, mulheres de povos tradicionais cobram medidas do Estado para enfrentamento da violência política
Lanna Paula Ramos
Carta com reivindicações foi construída coletivamente e deve ser encaminhada a órgãos do governo públicos, movimentos e organizações sociais
Cerca de 40 mulheres lideranças de movimentos sociais, povos e comunidades tradicionais da Amazônia paraense participaram, nos dias 28 e 29 de agosto em Santarém, do Seminário de Enfrentamento à Violência Política, realizado pela Terra de Direitos. Os debates tiveram como destaque questões sobre o conceito de violência política de gênero, as especificidades dessa violência na região amazônica e os desafios que essas mulheres enfrentam para ocupar e vivenciar espaços públicos, de poder e decisão na sociedade. Ao final foi construída uma carta coletiva com algumas medidas para o enfrentamento dessa violência.
O seminário representa mais uma etapa do trabalho realizado pela Terra de Direitos desde 2020 na temática de Violência Política. Em 2021, o Programa Amazônia da organização realizou uma oficina com mulheres presidentes e coordenadoras de movimentos e associações do oeste do Pará e percebeu a necessidade de aprofundamento das discussões sobre o tema e ampliação do público de participantes, assim nasceu a ideia de um seminário com mesas de debates e grupos de trabalho.
“Estar participando de um segundo encontro promovido pela Terra de Direitos, que foi ainda mais qualificado, com mais tempo de debate e trazendo mulheres de outros municípios do Pará, foi muito importante para a gente conhecer a violência política de diversas formas como ela vem, então esse é um despertar”, afirmou Ivete Bastos, presidenta do Sindicato de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM).
Conjuntamente com Ivete, participaram da atividade mulheres indígenas, quilombolas, pescadoras, trabalhadoras rurais, extrativistas, agricultoras familiares, atingidas por barragens, militantes pela soberania popular na mineração, comunicadoras populares e defensoras de direitos humanos, do meio ambiente e da Amazônia, que convivem diariamente os obstáculos e violências de gênero.
Selma Corrêa, assessora jurídica popular da Terra de Direitos que esteve mediando alguns dos debates no evento, reforça o objetivo do evento “Então esse evento tem como objetivo – para além de promover importantes trocas entre lideranças - realizar o fortalecimento de mulheres dentro das suas próprias organizações”. Ela ressalta ainda que a atuação dessas lideranças nos espaços políticos é imersa em desafios, sejam no lar, com familiares, na militância e dentro dos próprios movimentos e organizações, por isso a troca e conhecimento sobre violência política é essencial.
“Eu não sabia fazer a separação entre violência doméstica e violência política, hoje eu já sou uma mulher reproduzindo esse conhecimento no meu território, nos meus espaços de fala, no meu lugar de vivência e na minha comunidade. É um processo de empoderamento”, declara Ivete Bastos.
A programação contou com a presença da coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, Gisele Barbieri, que coordena o monitoramento sobre episódios de violência política e eleitoral ocorridos no Brasil desde 2016. No seminário, Gisele apresentou os dados da 2ª edição da pesquisa, elaborada em conjunto com a Justiça Global, e tratou sobre a definição, características e especificidades deste tipo de violência.
A pesquisa define a violência política como a utilização intencional de recursos e ferramentas de poder e da força para deslegitimar, causar danos, obter e manter benefícios e vantagens ou violar direitos com fins políticos. E quando se fala em violência política contra mulheres, o problema atinge de forma mais expressiva grupos sociais vulneráveis com a intencionalidade de afastar essas mulheres de espaços políticos de decisão. “As pesquisas sobre violência política nos mostram que as mulheres são as maiores vítimas nos casos de ameaças e ofensas. Uma violência cotidiana que tem por objetivo tornar os espaços de poder e decisão insuportáveis para a permanência e exercício dos direitos políticos dessas mulheres. Por isso, é fundamental que o enfrentamento a essa violência passe por uma análise de suas especificidades regionais, sociais, de gênero e raça”, destacou Gisele Barbieri.
Também participaram nesta mesa de debate, Lilian Braga, Promotora do Ministério Público do Estado do Pará, e Auricélia Arapiun, liderança indígena e coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA), que representa os povos indígenas do baixo Tapajós.
A segunda rodada de discussões contou com a participação de Queila Couto, quilombola e advogada da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), Ivete Bastos, Presidenta do STTR de Santarém, Joelma Oliveira, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Itaituba, Miriane Coelho, quilombola e secretária da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) e Irepok Menkragnoti, jovem comunicadora indígena. No debate elas trouxeram reflexões sobre os desafios de ocupar espaços políticos de transformação social.
“Assim, diante das recorrentes violações dos direitos das mulheres, sobretudo por suas lutas políticas por terra, território, florestas, águas, meio ambiente e igualdade de gênero, nós, lideranças amazônidas representante de movimentos sociais e organizações abaixo assinadas, exigimos do Estado brasileiro, das próprias organizações/movimentos sociais e da sociedade, medidas de enfrentamento”, destaca um trecho da carta elaborada pelas participantes.
Algumas das medidas reivindicadas no documento cobram a paridade de gênero dentro das organizações sociais e no sistema político; mecanismos de proteção para mulheres vítimas de violência política e a investigação, denúncias e punição para violentadores.
O documento será encaminhado à órgãos como o Ministério Público Federal, Ministério Público do Pará, Ordem dos Advogados do Brasil e às coordenações das organizações e associações participantes.
Leia a carta completa
Agosto de luta das mulheres
A escolha de realizar o evento em agosto teve como objetivo se somar as incidências políticas de mulheres que ocorrem neste mês, que é marcado por datas emblemáticas para a luta das defensoras de direitos humanos.
É em agosto que acontece a maior marcha de mulheres trabalhadoras rurais e camponesas da América Latina: a Marcha das Margaridas. Esse ano a marcha reuniu mais 600 mil pessoas nos dias 15 e 16 agosto em Brasília, no Distrito Federal.
Margarida Maria Alves, trabalhadora rural e líder sindical, foi assassinada na luta em defesa dos direitos dos camponeses e têm o dia 12 de agosto marcado em memória de sua vida como o Dia Nacional dos Direitos Humanos.
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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos