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Projeto de Lei no Paraná pode resultar em intensa violação de direitos de população em extrema vulnerabilidade


Em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça, PL 186/2023 determina sanções administrativas a ocupantes de áreas urbanas e rurais 

  Projeto de Lei está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Paraná. Foto: Valdir Amaral/Alep PR

A aprovação do Projeto de Lei 186/2023, em tramitação na Assembleia Legislativa do Paraná, pode resultar em violações de direitos da população que já se encontra em extrema vulnerabilidade social, aponta nota elaborada pela Terra de Direitos e Instituto Democracia Popular. No documento disponibilizado aos deputados estaduais nesta terça-feira (21) as organizações elencam um conjunto de inconstitucionalidades presentes no PL e pedem a rejeição da proposta.  

De autoria de um conjunto de parlamentares estaduais, a proposta legislativa estabelece sanções administrativas a ocupantes de áreas rurais e urbanas no estado. A medida determina, acrescendo à Lei 15.608/2007, que os “ocupantes não podem participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução da obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários”. A medida impacta, por exemplo, na participação de agricultores em programas de assistência rural ou de fornecimento de alimentos.  

O Projeto de Lei determina ainda, ao propor acréscimos às Leis 6.174/1970 e 16.971/2011, que os ocupantes são impedidos de ocupar cargos da administração pública no estado. “Além das disposições do projeto impedirem de contratar com o Poder Público [em licitações ou execução de obras], de participar de concursos e serem nomeados para cargos comissionados, discriminam pessoas que vivem em áreas de ocupação, restringindo de forma desproporcional uma parcela da população, ferindo as normas gerais que estabelecem a igualdade de condições entre concorrentes em processos licitatórios e pessoas que pretendem exercer funções públicas”, aponta um trecho da nota.  

Com isso, enfatizam as organizações, o PL viola a Constituição Federal ao ferir o direito de igualdade de todos perante à lei, uma vez que confere um tratamento desproporcional em prejuízo dos ocupantes de terras e o Princípio da Proporcionalidade, já que prevê sanções administrativas para além das existentes na legislação penal para os crimes relacionados à danos ao patrimônio pela ocupação de áreas urbanas ou rurais. 

Na avaliação das organizações, a medida acentua o quadro de extrema vulnerabilidade social de pessoas que ocupam áreas como meio de reivindicar o avanço de direitos. “O projeto invade competências exclusivas da União e viola direitos humanos ao discriminar e marginalizar as pessoas que vivem em condições mais precárias e nega o direito ao mínimo existencial para quem precisa e não tem reconhecimento estatal da posse legitima sobre a área que ocupa”, aponta a assessora jurídica, Giovanna Menezes.  

O projeto constava na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desta terça-feira (20), mas não foi apreciado. As organizações sublinham o risco de o PL ser incluído na pauta a qualquer momento, sem o amplo debate popular. 

:: Acesse aqui a nota sobre o PL 186/2023

Cadastro estadual   
Para operacionalizar o conjunto de sanções administrativas e de acesso às políticas públicas, o Projeto de Lei 186/2023 prevê a criação de um cadastro estadual de nomes de pessoas que participarem de atos de ocupações. A regulamentação do cadastro, prevê a proposta, caberá ao Executivo Estadual.  

De acordo com a proposição, os nomes serão inclusos pela polícia no ato do flagrante e complementado após condenação de crime. Os efeitos das sanções administrativas e de acesso a políticas podem ser de cinco após a “restituição dos danos materiais” e dez anos “se os danos forem de natureza histórica, artística, arqueológica ou ambientais” e após o pagamento de indenizações.  

As organizações enfatizam que estas medidas violam o princípio de presunção de inocência ao taxar como criminosos todos os ocupantes de imóveis, independentemente de uma eventual ação penal que busque punição aos ocupantes. Outra inconstitucionalidade refere-se à violação ao devido processo legal na medida que a pessoa é, já no ato, inserida no cadastro pela polícia. A medida ainda, ao atribuir a autoridade policial a inserção em cadastro, transfere para a polícia uma responsabilidade de punição – sanções e impedimento de acesso a política pública - competência judicial.  

Desde 2019 o Paraná possui uma Comissão de Soluções Fundiárias. Lotada no Tribunal de Justiça do Paraná, a comissão tem como objetivo atuar para evitar o descumprimento de direitos humanos de ocupantes em ações de cumprimento de mandados de reintegração de posse. Por meio de mediação, a Comissão busca encontrar com as partes envolvidas uma solução consensual para o conflito possessório. 

Em junho integrantes da Campanha Despejo Zero no Paraná realizaram ato em frente à Alep-PR para protestar contra medidas de criminalização. Foto: Gibran Barbosa

Avalanche de projetos nas assembleias 
De acordo com levantamento realizado pela Campanha Despejo Zero, articulação nacional que congrega organizações do campo e da cidade de defesa da moradia e terra, projetos de lei que estabelecem sanções administrativas ou políticas ou restrições à políticas públicas aos ocupantes de terra ou áreas urbanas em tramitam ao menos em treze estados, como São Paulo, Pará, Bahia e Rio Grande do Sul.  

As medidas legislativas nos estados seguem as previsões legais presentes no Projeto de Lei (PL) 709/2023. De autoria do deputado federal Marcos Pollon (PL/MS), a medida prevê punições a quem participar de ocupações rurais e urbanas e foi aprovado em maio deste ano na Câmara dos Deputados. Em âmbito federal, também cresce o número de projetos apresentados de mesmo teor inconstitucional e que visam criminalizar quem luta por direitos. 

Os esforços legislativos em aplicar sanções ou penalidades penais aos ocupantes foi uma resposta da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) com o resultado da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que buscou criminalizar as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Encerrada em setembro do ano passado a CPI não apresentou um relatório final. O autor da proposta legislativa na Câmara responde pela Comissão de Segurança no Campo da FPA, articulação do agronegócio no Congresso Nacional.  

“O Projeto de Lei 709/23 e os que tramitam em vários estados, de criminalização das ocupações rurais e urbanas, podem impulsionar ainda mais o processo de criminalização contra as lideranças sem teto e sem-terra que reivindicam direitos e devem também fortalecer também as ações extremistas e violentas articuladas pelos grupos armados denominados Invasão Zero”, aponta Benedito Barbosa, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e Central dos Movimentos Populares (CMP) e também integrante da Campanha Despejo Zero. 

O PL tem recebido intensas críticas de organizações, movimentos sociais e órgãos do sistema de justiça. Em nota a Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão (PFDC) aponta que “os movimentos sociais apresentam reivindicações sobre problemas que a burocracia e diversos interesses nem sempre são capazes de resolver”. Com a omissão do poder público em desapropriar de imóveis que não cumpram sua função socioambiental, como determina a Constituição Federal, a manifestação dos movimentos sociais na reivindicação por direitos é legítima.  

“Integrantes desses movimentos não podem ser prejudicados ou discriminados por cumprirem dois desígnios constitucionais, quais sejam, buscar a reforma agrária e se associarem livremente para tal fim, mobilizando-se e estabelecendo, sem exorbitâncias, estratégias legítimas para essa finalidade”, argumenta o procurador federal Nicolao Dino. 



Ações: Conflitos Fundiários

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos