Conselho Nacional de Direitos Humanos verifica violações causadas por Belo Monte
Terra de Direitos
Fonte: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
A pedido do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), um grupo do Conselho Nacional de Direitos Humanos esteve em Altamira durante esta semana para comprovar as denúncias de violações de direitos ocorridas com a construção da hidrelétrica de Belo Monte.
Durante três dias, os conselheiros puderam colher diversos depoimentos de atingidos, movimentos sociais, órgãos públicos e da própria Norte Energia, dona da barragem. A missão encerrou na tarde de ontem (quarta-feira, 3 de junho), com uma audiência pública realizada no Centro de Convenções de Altamira. Mais de 500 pessoas lotaram o auditório, mostrando que o povo está insatisfeito.
A missão do conselho ocorre no momento em que as obras da barragem estão mais de 70% concluídas e a Norte Energia entra em “contagem regressiva” para receber a licença de operação, que permite o enchimento do lago da barragem e a geração de energia. “Diante do descumprimento das condicionantes, acredito que o Conselho vai recomendar aos órgãos de governo que não concedam a licença de operação ao empreendedor nesse momento”, afirmou Darci Frigo, membro do conselho, sobre o assunto.
Confira a seguir entrevista com Frigo, na qual ele relata algumas violações de direitos provocadas por Belo Monte.
Comunicação MAB: Como surgiu a vinda do Conselho para região de Altamira?
Darci Frigo: No Grupo de Trabalho Atingidos por barragens do Conselho Nacional de Direitos Humanos, recebemos uma solicitação do MAB de que estavam acontecendo uma série de violações de direitos da população atingida por Belo Monte. O Movimento informou sobre a exclusão de muitas famílias do processo de reassentamento, indenização e até de reconhecimento como atingidas. Além disso, soubemos que também há um processo de criminalização das organizações que lutam pelos atingidos. Após isso, o Ministério Público Federal nos enviou um ofício convidando o Conselho para participar de uma inspeção, então unimos as duas agendas e fizemos uma proposta ao Conselho Nacional, que aprovou uma missão em caráter emergencial para vir até Altamira e região e ver in loco o que estava acontecendo.
MAB: Por que caráter emergencial?
Frigo: Porque nesse momento já se anuncia o pedido de licença de operação feito pela Norte Energia e no nosso entendimento, se a licença se for concedida, praticamente vai varrer do território atingido uma série de famílias de pescadores, ribeirinhos e agricultores e que até o momento não tiveram seus direitos reparados. Então a oportunidade para fazer alguma coisa começa a contar a partir desse momento. Aqui na audiência pública nos foi informado que já há uma contagem regressiva dentro do escritório da Norte Energia e que nos próximos 90 dias já deve sair a licença de operação.
MAB: Que violações de direitos vocês puderam verificar aqui?
Frigo: Há duas ordens de questões principais. Uma é que muitas categorias de atingidos não foram contempladas no processo de reassentamento, seja rural ou urbano, ou indenização. O problema da moradia atinge muitas pessoas não apenas as que estão sendo removidas, mas também as que são afetadas pela alta dos aluguéis e dos imóveis aqui na região. As pessoas que não tinham casa não têm mais onde morar, então passaram a fazer ocupações.
E há uma segunda ordem, pois nós imaginávamos que os investimentos sociais para que as condicionantes fossem realizadas mudariam minimamente a estrutura dos equipamentos de políticas públicas, de saúde, educação, segurança, lazer, esporte, infraestrutura. E o que nós vimos foram denúncias no sentido contrário, que a empresa praticamente privatizou um hospital que atendia pelo SUS para que atendesse o pessoal da Norte Energia e a população ficou sem acesso a esse hospital. Recebemos denúncia de loteamentos que foram feitos sem escolas, sem postos de saúde, sem segurança, sem transporte. A saúde indígena se agravou de maneira exponencial, porque se diz que antes do empreendimento o espaço para atender 60 indígenas era absolutamente suficiente e hoje você precisa do mesmo espaço para atender mais de 200 indígenas. Isso significa que as condições de saúde foram degradadas. Então a nossa primeira conclusão é de que de fato aqui na cidade de Altamira os investimentos não aconteceram.
Além disso, há uma ausência total do poder público em todas as esferas. Os recursos que foram destinados a realização de “compensações” pelo impacto do empreendimento são usados sem atender às condicionantes, por exemplo, o estado do Pará comprou um helicóptero de quase R$ 40 milhões de uma verba que eles receberam da Norte Energia de R$ 100 milhões e esse helicóptero não está à disposição da população de Altamira.
Os prefeitos, o que fazem com o dinheiro? Temos o caso de Vitória do Xingu, onde há mais de 1000 famílias acampadas e fala-se que o município já recebeu de R$ 380 a R$ 400 milhões em ISS, então onde está esse dinheiro? São perguntas que estão sendo feitas aqui. E há a ausência também do governo federal que esvaziou a casa de governo aqui no âmbito local e a população não tem sequer isso para recorrer.
MAB: Quais são os próximos passos do trabalho do Conselho com relação a Belo Monte?
Frigo: Tem medidas emergenciais com relação à demolição das casas, que a Norte Energia precisa parar imediatamente. Acredito que o MPF deva tomar alguma medida com relação a este ponto. Nós vamos também fazer gestão junto à Ouvidoria Agrária Nacional, junto à secretaria de direitos humanos para que o despejo das famílias de Vitória do Xingu não aconteça, para que possa ter uma solução negociada e que as famílias possam ter direito à moradia.
Além disso, a partir das informações que recebeu, o Conselho vai elaborar um relatório. Já há o indicativo para o Conselho Nacional falar das informações colhidas aqui em reunião com os ministérios envolvidos com o empreendimento e o consórcio.
Diante do descumprimento das condicionantes, acredito que o Conselho vai recomendar aos órgãos de governo que não concedam a licença de operação ao empreendedor nesse momento sem que essas condicionantes sejam atendidas.
MAB: Na sua opinião, qual o papel dos movimentos sociais como o MAB no combate a essas violações de direitos?
Frigo: Os movimentos sociais devem fazer o papel que lhes é próprio, que é organizar a população, mesmo nesse momento difícil, articular os diferentes grupos de forma coletiva, para que possam pressionar a Norte Energia e os demais órgãos, os prefeitos, o governo estadual e federal.
Uma das questões centrais é que as pessoas não têm informação sobre os critérios de compensação, elas não sabem quais são os direitos que elas têm efetivamente, por que a empresa decidem pagar uma indenização x ou y, por que vão para um reassentamento e não outro lugar, o que vai acontecer com as ilhas, enfim. Então tem uma série de informações que precisam ser cobradas do poder público pelos movimentos sociais.
O trabalho organizativo é fundamental porque as conseqüências do empreendimento na vida das pessoas vão se estender por um longo tempo. A experiência dos outros projetos hidrelétricos no país mostra isso. E aqui, por mais que se tentou prever uma série de situações que foram materializadas nas condicionantes, na hora de realizar o projeto o consórcio acaba não cumprindo com aquilo que seria de fato uma melhora na condição de vida das pessoas atingidas.
Ações: Impactos de Megaprojetos
Eixos: Terra, território e justiça espacial