Curitiba tem 56 mil imóveis desocupados


O serralheiro Gilmar Salino Silva vive há oito anos em uma carcaça de um prédio inacabado em plena avenida Água Verde, nos arredores do centro de Curitiba. Ali, montou sua oficina e tem praticamente uma casa, com banheiro, cozinha, e ligações regulares de luz, água e esgoto, serviços esses que são inclusive cobrados em faturas regulares da Sanepar e Copel.

Gilmar conta que foi chamado inicialmente para trabalhar na obra, confeccionando as esquadrias do imóvel, que deveria abrigar salas comerciais. Depois do serviço ser interrompido inúmeras vezes, a construção parou e ele foi autorizado pelos proprietários a morar no local. Há seis anos, Gilmar ganhou a companhia de Hélio Malinoski, que ficou desempregado depois que um empreendimento vizinho fechou.

Hoje os dois se revezam, dia e noite, morando no local, cuidando do que restou da obra e, principalmente, evitando que o prédio seja ‘‘invadido'' por sem-teto ou usuários de drogas. O caso de Gilmar e Hélio é apenas um exemplo sobre a situação de um dos milhares imóveis desocupados ou abandonados existentes na Capital. Dados da Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte, com base em números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) apontam a existência de 56.300 imóveis vazios em Curitiba, o correspondente a quase 10% dos 650 mil domicílios existentes na cidade, segundo o IBGE.

Esse número inclui casas, edifícios residencias e comerciais, construções abandonadas, prédios comerciais inteiros, imóveis particulares e públicos. Estão incluídos desde prédios vazios há 10, 15 anos, como é o caso de dois grandes edifícios na Avenida Marechal Deodoro, até edificações subutilizadas. É o caso, por exemplo, de edifícios que têm lojas no térreo mas estão com os andares superiores desocupados. Uma das preocupações do município sobre esses imóveis é sua transformação em mocós.

Segundo dados da Secretaria Municipal de Urbanismo, entre o iníco de 2005 e metade de 2006 foram contabilizados 163 mocós em Curitiba, organizados em construções abandonadas. A maioria ficava na área central, com 38 unidades. Em segundo lugar, apareciam 32 unidades na Regional da Boa Vista e, em seguida, 27 unidades no Cajuru. Essa concentração chamou também a atenção da Associação Comercial do Paraná. Em seu movimento Centro Vivo, criado em 2004 com objetivo de revitalizar a região central da cidade, a Associação fez um levantamento desses vazios urbanos, estudando formas de reutilizá-los.

Detectou que 60% dos prédios vazios são comerciais, 33% mistos e apenas 7% residenciais. Foram localizados, ainda, cinco apartamentos vazios em média por edifício, totalizando cerca de 660 apartamentos vagos em prédios abandonados ou subutilizados nessa área. Segundo o superintendente de Projeto da Secretaria Municipal de Urbanismo, João Martinho Cleto Reis Junior, ao constatar um local abandonado, o primeiro procedimento é notificar o proprietário para que providencie a vedação do imóvel, com a construção de muro, fechamento de portas e janelas e faça limpeza periódica do local.

Em caso de descumprimento, o proprietário é autuado e em caso de reincidências o processo é encaminhado para a Justiça. A preocupação maior, de acordo com ele, é com relação a imóveis abandonados por algum embróglio judicial. Tratam-se em geral de massas falidas de empresas ou espólios de famílias sem definição.

Uma comissão, formada pelas áreas de Urbanização, Segurança Pública e Saúde, acompanha esses imóveis com periodicidade, para evitar problemas como a criação de mocós, formação de lixões, acúmulo de água, que podem resultar em focos de dengue, proliferação de ratos e outros problemas.

58 mil famílias procuram casa

Na outra ponta dessa situação, está uma população imensa de pessoas que não tem onde morar. A própria Companhia de Habitação (Cohab) de Curitiba calcula que a cidade precisa de mais 60 mil unidades para atender a essa multidão. O número vai ao encontro dos dados do IBGE, que dão conta de um déficit habitacional de 58.300 unidades em Curitiba. ''São 58 mil famílias que não têm onde morar, vivem na rua, em lugares irregulares ou vivem em co-habitação'', diz o advogado Vinicius Gessolo de Oliveira, da ONG Terra de Direitos, que presta assistência jurídica para associações populares ligadas à moradia.

Aproveitar esses vazios urbanos, destinando imóveis e terrenos abandonados e subutilizados para programas habitacionais de interesse social é uma das bandeiras defendidas pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia. Segundo a coordenadora estadual da entidade, Hilma de Lourdes Santos, em todo País existem 5 milhões de habitações construídas e vazias, contra um déficit de 7 milhões de moradias. Há cinco anos, o movimento já chamou atenção para o assunto, ao organizar a ocupação de um prédio no Centro de Curitiba (veja reportagem nesta página).

No dia 1º de outubro, o movimento também fez um ato público na região central, com objetivo de pedir o cumprimento do Estatuto das Cidades e a realização de uma reforma urbana nos grandes centros. Na ocasião, foram lacrados três prédios abandonados há anos com adesivos que diziam ''interditado - não cumpre a função social''.

''Enquanto estes prédios estão sem ocupação, milhares de pessoas precisam de um teto para morar. Não cumprem função social e ainda estão sendo usados para especulação financeira e imobiliária'', diz Hilma. Ela lembra que, somente em Curitiba e Região Metropolitana, o movimento contabiliza mais de 120 mil pessoas que vivem em 800 ocupações irregulares, em geral bairros nascidos de invasões. São pessoas que vivem sem documentação em locais geralmente sem infra-estrutura. Ao contrário da maioria dos imóveis vazios, que dispõe de água, luz, saneamento e equipamentos urbanos próximos.

O advogado Gessolo explica que o município tem mecanismos legais para declarar eses imóveis como zona de interesse social e destiná-los à habitação, como o artigo 182 da Constituição Federal, o Plano Diretor e o Estatuto da Cidade. ''Instrumentos existem, o que falta é vontade política'', diz. Alguns desses mecanismos, conta, é a aplicação do IPTU progressivo, com aumento do imposto a cada ano que o imóvel continuar vazio e a aplicação do direito de compra do imóvel, entre outros.

O problema, segundo ele, é que o Plano Diretor, aprovado em 2004, prevê a regulamentação desses mecanismos até dezembro deste ano, o que não está sendo feito. O problema, para Hilma, é que o interesse imobiliário é sempre colocado à frente das necessidades da população mais carente. ''A terra e a moradia não podem ser vistas só como fonte de lucro.

O poder público tem que ter coragem para mexer nisso, e não se resignar a colocar os mais pobres para viver longe da cidade'', diz. Segundo o superintendente de Projetos da Secretaria Municipal de Urbanização, João Martinho Cleto Reis Junior, o IPTU progressivo é previsto pelo Estatuto da Cidade como forma de estimular o uso do imóvel pelo proprietário, mas sua aplicação não está prevista a curto prazo. ''Há estudos, mas envolve muitas áreas, é peciso analisar cada situação, o tipo de imóvel. É preciso antes ter a situação bem clara para ser colocado em prática'', diz. (M.G.) Maigue Gueths

Equipe da Folha de Londrina

Autor/Fonte: Folha de Londrina



Ações: Direito à Cidade
Eixos: Terra, território e justiça espacial