Ampliação do Aeroporto Afonso Pena vai exigir demolição de casas vizinhas. Moradores sem título de posse temem não receber indenização
Fonte: Gazeta do Povo, por Fernanda Trisotto
Logo que mudou para a Vila Nova Costeira, em São José dos Pinhais (Grande Curitiba), no início dos anos de 1990, Roseli Reinaldi, 53 anos, lembra que o lugar era um barreiro só. Para chegar até o ponto de ônibus, era preciso levar um sapato reserva ou andar com sacolas nos pés. Depois de 20 anos, a vila é bem estruturada: casas de alvenaria, antipó e calçada com meio-fio.
Tudo isso, conquistado com as mãos dos próprios moradores, está ameaçado. A ampliação do Aeroporto Internacional Afonso Pena, que terá uma terceira pista, vai exigir a desapropriação de muitas áreas no entorno. Sem a posse dos terrenos, os moradores da Nova Costeira não têm segurança de que receberão indenização ou serão realocados em outro bairro. Há dois anos, cerca de 300 famílias convivem com a incerteza sobre quando e se deverão deixar suas casas.
“Na época que a gente veio para cá, tínhamos saúde para começar tudo do zero. Agora não temos mais”, diz Roseli. Ela assentou os tijolos para construir a própria casa, mas foi aposentada por invalidez depois de uma cirurgia na coluna que deixou sequelas.
Quando a Vila Nova Costeira começou a ser ocupada, há mais de 20 anos, o lugar era cheio de mato e barro. Os moradores receberam uma autorização precária da prefeitura para ocupar o terreno em outubro de 1992, com um prazo de três meses para construírem ao menos o alicerce das casas. Para lá foram mandadas algumas famílias que estavam na fila por uma casa popular, outras que foram retiradas de uma área de risco para a construção de um canal extravasor do Rio Ressaca e um terceiro grupo que invadiu parte do terreno.
A promessa era de que em cinco anos eles receberiam a posse do terreno. O documento nunca chegou, mas as contas de luz e água vêm todo mês, religiosamente. Mas não é toda correspondência que chega na Nova Costeira. “Antes o correio vinha, mas agora que trocaram o nome da rua é uma confusão”, conta a zeladora Maria das Dores Soares de Mello Cardoso, 60 anos, uma das primeiras moradoras da vila.
Apagão postal
As ruas, antes chamadas apenas por letras que vão do “A” ao “G”, ganharam nomes pomposos, que são solenemente ignorados pelos moradores. O problema é que alguns desses nomes já batizam vias de outro bairro de São José dos Pinhais, o que causa esse apagão postal. O isolamento oficial a que são submetidos os moradores causa revolta. “Se dissessem que a gente teria de pagar, nós pagávamos. Mas deixaram a gente jogado aqui e agora dizem que não tem nada a ver com isso”, argumenta Maria, que era funcionária da prefeitura quando recebeu a orientação de ir morar no local.
Com destino incerto, os moradores lamentam a possibilidade de mudança. “Penso que se a gente sair daqui vai desnortear tudo”, diz Leduvina Maria Zanardi Mascarello, 82 anos, que mora no local há 18 anos.
Indefinição do projeto atrasa planejamento
Enquanto não se conclui o projeto de construção da terceira pista do Afonso Pena, que é responsabilidade da Infraero, todos os outros agentes envolvidos na obra estão de mãos atadas. Uma empresa, a IQS Engenharia, foi contratada para fazer esse estudo preliminar e deve entregá-lo em dezembro. Só após a conclusão dessa etapa será possível estimar o custo total da obra. Na sequência será lançado o edital dos projetos básicos e executivo, cuja contratação está condicionada à obtenção da licença ambiental e à publicação do decreto de desapropriação das áreas. A obras só começam depois de tudo isso.
A Secretaria da Infraestrutura e Logística do Paraná deve ficar responsável pelas desapropriações, enquanto a prefeitura de São José dos Pinhais vai indicar locais com estrutura apta para receber essas famílias que serão retiradas do local. Em nota, a secretaria informa que aguarda a formalização de um convênio que estabeleça as responsabilidades de cada ente público envolvido na ampliação e quer uma posição definitiva sobre a área que será desapropriada e a fonte de recursos que vai custear esse processo.
Em 2011, o governo do estado emitiu um decreto que desapropriava uma área de 751,5 mil metros quadrados. O problema é que há indícios de que será necessário desocupar uma área maior e, nesse caso, o Estado terá de refazer todo o trabalho de análise do local. Além disso, as desapropriações devem custar mais, tanto quanto a obra em si.
O secretário de Urbanismo de São José dos Pinhais, Marcelo Ferraz Cesar, explica que o município já fez a projeção de cenários, mas precisa da confirmação do projeto para poder agir. “A gente tem uma expectativa junto à população, então é importante que se consolide logo para resolver os problemas habitacionais e de mobilidade”, diz.
Comunidade tenta garantir direito ignorado
A Vila Nova Costeira é apenas uma das áreas que será afetada pela ampliação do aeroporto. Ainda não há uma definição da poligonal que será desapropriada, mas a área é grande e abrange milhares de famílias e indústrias. A situação desses moradores é mais frágil porque não possuem documentos de posse da propriedade, o que já configura uma violação ao direito à moradia.
“Todas as comunidades afetadas estão regularizadas, menos a Nova Costeira. Ainda tem indústrias e a área teve uma valorização imobiliária, o que encarece a desapropriação”, explica o advogado Leandro Franklin Gorsdorf, coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal do Paraná, que presta assessoria para as famílias.
No caso da Nova Costeira, Gorsdorf explica que a principal reivindicação é a segurança da legalidade da posse, uma garantia tanto para quem sairá quanto para quem ficará na região. Para isso, as famílias estão tentando negociar com a prefeitura um pedido de posse por meio do Cuem, como é conhecido o instrumento para concessão de uso especial para fins de moradia, um tipo de usucapião de terra pública. A lógica é de que como o município não usou o terreno e permitiu a instalação da comunidade, que está no local há mais de 20 anos, eles têm a posse da terra. “O objetivo é garantir um título igual para todos terem o direito de negociar”, explica.
Direito
Desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a moradia adequada foi reconhecida como direito aceito e aplicável em todo o mundo. Isso quer dizer que todo cidadão deve ter a segurança da posse, disponibilidade de estrutura de serviços públicos e oportunidades de desenvolvimento, custo acessível para aquisição do imóvel, condições de habitabilidade e adequação cultural.