Gazeta do Povo | Imóveis vazios desafiam Plano Diretor
28/10/2014
Terra de Direitos
Terra de Direitos
Prédios, casas e terrenos desocupados viram mocós ou depósitos de lixo e vão esquentar as audiências públicas com o debate sobre desapropriação e IPTU progressivo
(foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)
Fonte: Gazeta do Povo
Por Diego Ribeiro
A menos de um mês para começar o ciclo final de audiências públicas do novo Plano Diretor de Curitiba, um tema em especial promete deixar as discussões acaloradas em todas as regionais da cidade: a função social dos imóveis. O município de Curitiba ainda não aplica os instrumentos do Estatuto das Cidades que permitem punir quem abandona seus imóveis sem uso anos a fio. Por outro lado, os movimentos sociais, que clamam por moradia, pedem que o Plano Diretor deixe mais claros e aplicáveis tais instrumentos, como o IPTU progressivo e a desapropriação compulsória.
As consequências desse vácuo na política pública municipal são claras nas ruas da cidade: prédios e terrenos viram mocós e depósitos de lixo clandestino. Segundo a advogada da ONG Terra de Direitos, Luana Coelho, a Constituição Federal pede que os instrumentos que protegem a função social dos imóveis sejam regulamentados pelo Plano Diretor da capital. “É preciso colocar lá qual uso deve se dar a esses imóveis. Hoje o plano traz só o conceito, mas tem de ter uma regulamentação”, afirma a advogada.
Por Diego Ribeiro
A menos de um mês para começar o ciclo final de audiências públicas do novo Plano Diretor de Curitiba, um tema em especial promete deixar as discussões acaloradas em todas as regionais da cidade: a função social dos imóveis. O município de Curitiba ainda não aplica os instrumentos do Estatuto das Cidades que permitem punir quem abandona seus imóveis sem uso anos a fio. Por outro lado, os movimentos sociais, que clamam por moradia, pedem que o Plano Diretor deixe mais claros e aplicáveis tais instrumentos, como o IPTU progressivo e a desapropriação compulsória.
As consequências desse vácuo na política pública municipal são claras nas ruas da cidade: prédios e terrenos viram mocós e depósitos de lixo clandestino. Segundo a advogada da ONG Terra de Direitos, Luana Coelho, a Constituição Federal pede que os instrumentos que protegem a função social dos imóveis sejam regulamentados pelo Plano Diretor da capital. “É preciso colocar lá qual uso deve se dar a esses imóveis. Hoje o plano traz só o conceito, mas tem de ter uma regulamentação”, afirma a advogada.
Outro argumento dos movimentos populares é o fato de que os prédios e terrenos abandonados na região central não dão uma contrapartida à cidade, mesmo com toda a estrutura disponível, como esgoto e iluminação pública adequada. “Isso prejudica a cidade. Nós todos pagamos por isso [pela estrutura]”, diz Luana.
Ela lembra ainda que locais sem uso na região central podem ajudar a reduzir o déficit de habitação. “Hoje, a Cohab [Companhia de Habitação de Curitiba] cai nas regras do mercado. Tem de encontrar um terreno longe porque os instrumentos não permitem que ela use locais mais centrais”, comenta.
Na próxima semana, a prefeitura deve anunciar as datas e os locais marcados para as audiências públicas do Plano Diretor.
Cohab
O próprio presidente da Cohab, Ubiraci Rodrigues, declarou em entrevista por telefone à Gazeta do Povo que falta uma ação concreta para viabilizar a aplicação do Estatuto das Cidades. “Na verdade, o município ainda não tem uma discussão sobre a implantação dos instrumentos, mapeamento, como também a implantação do IPTU progressivo. Hoje, o município não tem uma ação concreta nessa direção”, disse.
Apesar disso, Rodrigues destaca que a prefeitura pretende formatar uma proposta de inclusão da função social dos imóveis no Plano Diretor, em fase de debates com a sociedade. “Hoje, para fazer essa implantação, teria de haver um mapeamento de qualidade dos imóveis do centro que atenderiam esses requisitos [sem uso] e ter uma autorização legislativa”, afirma o presidente da Cohab sobre a falta de base legal local para aplicar o estatuto. O Plano Diretor de São Paulo, por exemplo, já prevê o repovoamento da área central da cidade desde 2002.
Rodrigues observa, no entanto, que o Centro de Curitiba não tem a mesma demanda de outras grandes capitais. “Felizmente, Curitiba ainda tem um centro que não pode ser considerado degradado”, avalia. Mas, segundo ele, a cidade vai ter de incluir um projeto de implantação da função social desses imóveis.
Prédio no Bigorrilho vira lixeira e moradia
Desde meados dos anos 1990, o esqueleto de um prédio incomoda moradores da região do bairro Bigorrilho, em Curitiba. Localizado entre as ruas Cândido Hartmann e Júlia Wanderley, o edifício já foi uma cena de crime. Em 2012, uma mulher foi encontrada morta na construção abandonada. Hoje, um dos apartamentos do esqueleto é residência da carrinheira Silvana da Silva, 40 anos. Ela disse morar há quase dois anos no local. “A prefeitura vem todo mês aqui para ver se tem bicho da dengue”, comenta.
Natural de Itapeva (SP), ela migrou para Curitiba há muito tempo, mas não conseguiu emprego. Iniciou o trabalho de recolhimento de papel e também cuida de carros na Rua Cândido Hartmann. “O problema é que estou sem documentos e ninguém me ajuda”, diz Silvana. Ela está estabelecida no prédio. Tem cama, eletrodomésticos e vive de forma simples em meio a lixo espalhado e ratos que saem do matagal ao redor do imóvel.
O vão do edifício, de quatro andares e dois pisos de garagem, virou uma piscina de esgoto e lixo. Chove, inunda. A água quase não escoa, um potencial foco de procriação do mosquito da dengue. Por isso, o problema aumenta. Insetos e ratos se proliferam. O mato é cortado por outro morador do prédio. Aparentando pouco mais de 30 anos, ele preferiu não se identificar. “Sou trabalhador, mas ninguém ajuda a gente aqui”, lamenta.
Os dois pedem um lugar mais adequado para morar, mas não reclamam de onde estão. “Melhor que ficar na rua”, diz Silvana. Ela está mais preocupada em encontrar o Pingo, um cachorro que a acompanhava diariamente pelas ruas e sumiu. Um vira-lata camarada, segundo ela, que a ajudava a passar o tempo e espantar a solidão.
O diretor de fiscalização da Secretaria de Urbanismo, Marcelo Bremer, informou que a prefeitura tem notificado os proprietários dos imóveis abandonados. “Às vezes não tem responsável. É uma massa falida”, afirma. Ele diz ser o caso do edifício da Rua Cândido Hartmann. “Esse caso está na Justiça.” Bremer explica ainda que a prefeitura atua muito mais quando provocada nesses casos. É preciso avisar a fiscalização pelo número 156.
Prefeitura aciona 138 por abandono de imóveis na área central de Curitiba
Prédios abandonados, terrenos baldios e esqueletos de construções paralisadas têm transformado nos últimos anos alguns pontos da paisagem urbana da região central de Curitiba e em alguns bairros mais próximos. Há neste ano em trâmite na prefeitura 138 processos contra donos de imóveis abandonados, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo. Essas propriedades podem ser obras paralisadas, edificações sem manutenção, usadas pela população de rua.
Apesar do descaso dos proprietários dos imóveis, esses locais não deixam de ser usados. Viram pontos de uso de drogas ou moradia permanente de pessoas que estavam na rua. Ou os dois. Parece uma questão sem solução, por serem propriedades particulares, mas uma saída já foi apresentada pela própria Constituição Federal e regulamentada pelo Estatuto das Cidades em 2001.
A lei obriga o construtor a dar uso ao imóvel. Se isso não ocorrer, a prefeitura pode aplicar um aumento progressivo do IPTU até 15% do valor do imóvel. Caso nada mude, o imóvel pode até ser desapropriado.
Para a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Gislene Pereira, o déficit habitacional brasileiro é o principal motivo para que a função social dos imóveis seja respeitada. “No Rio de Janeiro e em São Paulo, há vários programas. Poderia usar até o Minha Casa, Minha Vida para qualificação dessas edificações”, diz ela.
Na avaliação de Gislene, além de não dar uso aos imóveis os proprietários deixam de pagar o IPTU sem receber punições por isso. Ela explica que, quando os instrumentos do Estatuto das Cidades são usados, o dono do imóvel é obrigado a reagir. “Falta política regular de habitação, falta usar o estatuto”, afirma a professora.
Estadão Conteúdo
A prefeitura de São Paulo vai apertar o cerco aos donos de imóveis vazios na região central. O prefeito Fernando Haddad (PT) vai instituir nesta semana, por decreto municipal, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) com alíquota progressiva para edificações desocupadas. “A alíquota vai aumentando à medida em que o proprietário não responder pela ociosidade do imóvel”, explica Haddad.
O prefeito não citou os novos valores e os prazos para ajustes, que serão detalhados no decreto. No mesmo dia em que o documento for publicado, também serão encaminhados ofícios aos donos dos imóveis com informações sobre a mudança na alíquota e cobrando providências.
Haddad argumenta que não se pode manter imóveis desocupados no centro de São Paulo, uma região dotada de diversos equipamentos de infraestrutura urbana, como corredores de ônibus e linhas de metrô, por exemplo. “A cidade mantém a infraestrutura no centro com o imóvel ocupado ou desocupado. Não é justo que a função social da propriedade não seja observada. Isso é um princípio constitucional”, frisa.
A prefeitura de São Paulo espera finalizar até a metade de 2015 o licenciamento de 65 mil habitações destinadas à população de baixa e média renda. Desse montante, 40 mil já estão em andamento e outras 25 mil serão encaminhadas até o fim deste ano, segundo o prefeito.
Ela lembra ainda que locais sem uso na região central podem ajudar a reduzir o déficit de habitação. “Hoje, a Cohab [Companhia de Habitação de Curitiba] cai nas regras do mercado. Tem de encontrar um terreno longe porque os instrumentos não permitem que ela use locais mais centrais”, comenta.
Na próxima semana, a prefeitura deve anunciar as datas e os locais marcados para as audiências públicas do Plano Diretor.
Cohab
O próprio presidente da Cohab, Ubiraci Rodrigues, declarou em entrevista por telefone à Gazeta do Povo que falta uma ação concreta para viabilizar a aplicação do Estatuto das Cidades. “Na verdade, o município ainda não tem uma discussão sobre a implantação dos instrumentos, mapeamento, como também a implantação do IPTU progressivo. Hoje, o município não tem uma ação concreta nessa direção”, disse.
Apesar disso, Rodrigues destaca que a prefeitura pretende formatar uma proposta de inclusão da função social dos imóveis no Plano Diretor, em fase de debates com a sociedade. “Hoje, para fazer essa implantação, teria de haver um mapeamento de qualidade dos imóveis do centro que atenderiam esses requisitos [sem uso] e ter uma autorização legislativa”, afirma o presidente da Cohab sobre a falta de base legal local para aplicar o estatuto. O Plano Diretor de São Paulo, por exemplo, já prevê o repovoamento da área central da cidade desde 2002.
Rodrigues observa, no entanto, que o Centro de Curitiba não tem a mesma demanda de outras grandes capitais. “Felizmente, Curitiba ainda tem um centro que não pode ser considerado degradado”, avalia. Mas, segundo ele, a cidade vai ter de incluir um projeto de implantação da função social desses imóveis.
Prédio no Bigorrilho vira lixeira e moradia
Desde meados dos anos 1990, o esqueleto de um prédio incomoda moradores da região do bairro Bigorrilho, em Curitiba. Localizado entre as ruas Cândido Hartmann e Júlia Wanderley, o edifício já foi uma cena de crime. Em 2012, uma mulher foi encontrada morta na construção abandonada. Hoje, um dos apartamentos do esqueleto é residência da carrinheira Silvana da Silva, 40 anos. Ela disse morar há quase dois anos no local. “A prefeitura vem todo mês aqui para ver se tem bicho da dengue”, comenta.
Natural de Itapeva (SP), ela migrou para Curitiba há muito tempo, mas não conseguiu emprego. Iniciou o trabalho de recolhimento de papel e também cuida de carros na Rua Cândido Hartmann. “O problema é que estou sem documentos e ninguém me ajuda”, diz Silvana. Ela está estabelecida no prédio. Tem cama, eletrodomésticos e vive de forma simples em meio a lixo espalhado e ratos que saem do matagal ao redor do imóvel.
O vão do edifício, de quatro andares e dois pisos de garagem, virou uma piscina de esgoto e lixo. Chove, inunda. A água quase não escoa, um potencial foco de procriação do mosquito da dengue. Por isso, o problema aumenta. Insetos e ratos se proliferam. O mato é cortado por outro morador do prédio. Aparentando pouco mais de 30 anos, ele preferiu não se identificar. “Sou trabalhador, mas ninguém ajuda a gente aqui”, lamenta.
Os dois pedem um lugar mais adequado para morar, mas não reclamam de onde estão. “Melhor que ficar na rua”, diz Silvana. Ela está mais preocupada em encontrar o Pingo, um cachorro que a acompanhava diariamente pelas ruas e sumiu. Um vira-lata camarada, segundo ela, que a ajudava a passar o tempo e espantar a solidão.
O diretor de fiscalização da Secretaria de Urbanismo, Marcelo Bremer, informou que a prefeitura tem notificado os proprietários dos imóveis abandonados. “Às vezes não tem responsável. É uma massa falida”, afirma. Ele diz ser o caso do edifício da Rua Cândido Hartmann. “Esse caso está na Justiça.” Bremer explica ainda que a prefeitura atua muito mais quando provocada nesses casos. É preciso avisar a fiscalização pelo número 156.
Descaso
Prefeitura aciona 138 por abandono de imóveis na área central de Curitiba
Prédios abandonados, terrenos baldios e esqueletos de construções paralisadas têm transformado nos últimos anos alguns pontos da paisagem urbana da região central de Curitiba e em alguns bairros mais próximos. Há neste ano em trâmite na prefeitura 138 processos contra donos de imóveis abandonados, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo. Essas propriedades podem ser obras paralisadas, edificações sem manutenção, usadas pela população de rua.
Apesar do descaso dos proprietários dos imóveis, esses locais não deixam de ser usados. Viram pontos de uso de drogas ou moradia permanente de pessoas que estavam na rua. Ou os dois. Parece uma questão sem solução, por serem propriedades particulares, mas uma saída já foi apresentada pela própria Constituição Federal e regulamentada pelo Estatuto das Cidades em 2001.
A lei obriga o construtor a dar uso ao imóvel. Se isso não ocorrer, a prefeitura pode aplicar um aumento progressivo do IPTU até 15% do valor do imóvel. Caso nada mude, o imóvel pode até ser desapropriado.
Para a professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Gislene Pereira, o déficit habitacional brasileiro é o principal motivo para que a função social dos imóveis seja respeitada. “No Rio de Janeiro e em São Paulo, há vários programas. Poderia usar até o Minha Casa, Minha Vida para qualificação dessas edificações”, diz ela.
Na avaliação de Gislene, além de não dar uso aos imóveis os proprietários deixam de pagar o IPTU sem receber punições por isso. Ela explica que, quando os instrumentos do Estatuto das Cidades são usados, o dono do imóvel é obrigado a reagir. “Falta política regular de habitação, falta usar o estatuto”, afirma a professora.
Alíquota progressiva
São Paulo dá exemplo e aperta o cerco aos donos de imóveis abandonadosEstadão Conteúdo
A prefeitura de São Paulo vai apertar o cerco aos donos de imóveis vazios na região central. O prefeito Fernando Haddad (PT) vai instituir nesta semana, por decreto municipal, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) com alíquota progressiva para edificações desocupadas. “A alíquota vai aumentando à medida em que o proprietário não responder pela ociosidade do imóvel”, explica Haddad.
O prefeito não citou os novos valores e os prazos para ajustes, que serão detalhados no decreto. No mesmo dia em que o documento for publicado, também serão encaminhados ofícios aos donos dos imóveis com informações sobre a mudança na alíquota e cobrando providências.
Haddad argumenta que não se pode manter imóveis desocupados no centro de São Paulo, uma região dotada de diversos equipamentos de infraestrutura urbana, como corredores de ônibus e linhas de metrô, por exemplo. “A cidade mantém a infraestrutura no centro com o imóvel ocupado ou desocupado. Não é justo que a função social da propriedade não seja observada. Isso é um princípio constitucional”, frisa.
A prefeitura de São Paulo espera finalizar até a metade de 2015 o licenciamento de 65 mil habitações destinadas à população de baixa e média renda. Desse montante, 40 mil já estão em andamento e outras 25 mil serão encaminhadas até o fim deste ano, segundo o prefeito.
Ações: Direito à Cidade
Eixos: Terra, território e justiça espacial