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Empresas estruturam política de morte e agravam a pandemia da Covid-19 no Brasil

13/05/2020 Camila Ceci Martins e Pedro Sergio Martins

           

Foto: Mídia Ninja Mês de maio, pandemia se alastrando e o país como epicentro da contaminação pelo vírus na América Latina. A emblemática caminhada de Bolsonaro rumo ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) acompanhado por empresários, muitos do setor de comércio, no dia 7 de maio, se deu em disputa do judiciário para decisões sobre flexibilização de medidas de isolamento social.

Em todo país, as desigualdades sociais, regionais e raciais cada vez mais expostas nos índices de letalidade da covid-19, apontam para um dos maiores erros e tragédias que seriam acreditar que o poder corporativo salvaria vidas garantindo a saúde da população de maneira geral e indistinta.

Em todo o processo de instalação de empresas com grandes empreendimentos, seja de monocultura, logística (portos, estradas, ferrovias etc), mineração e hidrelétricas, se reflete sobre o potencial de desenvolvimento com emprego, educação e saúde. Mas nesse momento de pandemia caberia refletir: Onde a promessa do desenvolvimento chegou, também chegou a saúde?

 

1. Não falta dinheiro, mas falta saúde

O licenciamento ambiental de empreendimentos para que empresas públicas e privadas nacionais e transnacionais se instalem, tem a saúde como item para definição de viabilidade e sustentabilidade. São feitas, ou deveriam ser feitas, análises sobre impactos na saúde e o suporte existente para atendimento na área.

Para além da compensação ambiental, prevista no licenciamento ambiental, existe também a compensação financeira para empresas já em operação que deveria garantir aportes para a saúde diretamente, ampliando a assistência hospitalar.

Manaus, capital do estado do Amazonas, apontou colapso do sistema de saúde em abril, com covas coletivas sendo abertas pela cidade que recebia pacientes de todo o estado. Seria o Amazonas um estado “pobre” e sem condições de manter um bom equipamento de saúde pública? O estado facilitou tributariamente a instalação de empresas em pólos industriais, mas não deu conta de garantir atendimento suficiente para salvar centenas de vidas.

Nos estados do Pará e Maranhão, se vivencia situação grave de saúde com a pandemia, por outro lado, é onde alguns municípios arrecadam a Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerários (CFEM) e Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH), os chamados royalties da mineração e das hidrelétricas, respectivamente.

A Vale, a Mineração Rio do Norte e Belo Monte geram recursos recolhidos por municípios paraenses como Oriximiná e Altamira, e Açailândia no Maranhão, que não foram aplicados de maneira eficiente, ou mesmo não foram repassados em valores coerentes com o lucro obtido na exploração da região. Hoje, essas empresas divulgam suas doações e investimentos em cestas básicas e hospitais de campanha como responsabilidade social. E a responsabilidade social não é a resposta que se necessita para o que fazer com os lucros das empresas durante a maior pandemia dos últimos tempos.

 

2. Empresas seguem atividades a todo vapor e a todo risco

Além da compensação financeira das empresas para o poder público, há outro aspecto marcante na violação de direitos humanos nas medidas públicas e privadas durante a pandemia. Por exemplo, no estado de Minas Gerais as mineradoras não paralisaram suas atividades e o número de casos e de óbitos aumentam nas localidades onde as atividades prosseguem, mesmo que se adotem medidas de mitigação.

A continuidade de atividades minerárias também tem provocado ameaça à vida dos seus próprios trabalhadores, como casos documentados de minas que permanecem operando durante a pandemia. Em Congonhas (MG), a Companhia Siderúrgica Nacional [1](CSN) mantém aproximadamente 6 mil trabalhadores em atividade normalmente, trabalhando em turnos ininterruptos de 24 horas para a extração de toneladas de minério de ferro. Não houve liberação do trabalho e nem medidas de segurança adequadas para prevenção da transmissão do vírus sendo que, no mês de março, já se investigavam 125 casos suspeitos no município.

Com a emissão da Portaria nº 135/GM de 23 de março de 2020 pelo o Ministérios de Minas e Energia que considera as atividades da cadeia mineral como essenciais, as diversas empresas e conglomerados do setor prosseguem em atividade de forma, muitas vezes, indiscriminada. Ademais, não foi considerada a amplitude dessa classificação para o setor, posto que não se mensurou quantidade, fases, tipo de exploração, ritmo de produção, a diversidade da mão de obra os campos que se relacionam com indústria da mineração.

Ou seja, não houve ação articulada com setores da sociedade civil para discutir os efeitos da citada Portaria, atingindo os vários campos da economia brasileira e permitindo, de forma indiscriminada, a continuidade das atividades sob o risco já presente de agravamento da Pandemia da covid-19 no país. Até o momento o governo não busca diálogo com a sociedade civil, a não realizar um planejamento participativo para monitoramento e gestão do setor, ratificando ainda seu posicionamento centralizado ao emitir o Decreto nº 10.329/2020 em 28 de abril.

Não foram provocados sindicatos, associações e lideranças comunitárias, empresas de logística, consumidores, órgãos de saúde estaduais, municipais e autoridades locais para redução e controle das atividades minerárias de forma progressiva durante a pandemia. Contudo, as decisões na seara empresarial/industrial/logística são tomadas ainda sob um enfoque vertical, sem debate democrático acerca da aplicação e efeitos para o conjunto das cidadãs e cidadãos, ainda que fossem via consulta pública online, circulando nos meios midiáticos mais amplos e adequados.

A participação democrática da população deveria obedecer também a participação de grupos étnicos, tal como previsto pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho. Sendo assim, a continuidade dos empreendimentos fere de forma imediata esse direito e ameaça a vida dos povos já em situação histórica de ataques e expropriação, agravados pelo contexto da pandemia.

No atual contexto, há impossibilidade de realização de quaisquer reuniões presenciais para não provocar aglomerações, não havendo assim possibilidade de realização de Consulta Prévia, muito menos a continuidade de atividades empreendedoras nos territórios tradicionais, inseridos em processos já viciados de licenciamento ambiental e minerário. A conjuntura das comunidades já é alarmante, pelo contexto econômico fragilizado e a falta de amplo acesso às políticas públicas, em especial as de saúde.

Da mesma forma, os empreendimentos do agronegócio, como o plantio de eucalipto na porção meridional da Serra do Espinhaço em Minas Gerais, e as madeireiras e os sojeiros no Baixo Amazonas e Baixo Tocantins no Pará, têm impactado comunidades tradicionais e quilombolas durante a pandemia, pois ainda circulam funcionários e agentes externos nos territórios sem os devidos cuidados. Além do uso de agrotóxicos que permanece de forma intensa e frequente, afetando a saúde dos comunitários, podendo agravar comorbidades, fator de risco diante da letalidade do novo coronavírus. 

 

3. Medidas de isolamento social e a pressão das empresas no judiciário

A pressão das empresas para a continuidade da circulação de mercadorias, e portanto, de trabalhadores e trabalhadoras, foi decisiva para o aumento do número de mortos por covid-19 no mês de maio. As medidas de prevenção aplicadas tardiamente chegaram ao nível do “lockdown” em capitais como Belém (PA) (Decreto Estadual nº 729, de 05 de maio de 2020) e São Luís (MA) (Decreto Estadual nº 35.784, de 03 de maio de 2020) após contabilizarem centenas de mortes por coronavírus. 

Na Justiça Federal do Pará, se manifestaram a Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA) e a Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (FAEPA) em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU), contra o estado do Pará, por mais medidas de prevenção. Na sua manifestação conjunta, FIEPA e FAEPA, que pediam que o Pará não parasse, alegaram “Nem mesmo as recomendações da OMS são vinculativas para os países membros. Não existe uma regra qualquer vinculativa superior, nem mesmo uma norma técnico científica impositiva no sentido de fixar a política pública mais ou menos restritiva no que respeita ao isolamento social, quarentena ou distanciamento social ou ainda a qualquer outra medida”.

            A atuação paralela das empresas, pressionando e incidindo sobre as instituições, ou mesmo atuando na ilegalidade como no caso de algumas empresas de logística, que continuam com atividades para escoamento das commodities agrícolas, revela, cada vez mais, o quanto o poder corporativo controla as instituições públicas e se destina a “necropolítica” como estruturante do Estado brasileiro, eliminando vidas com foco nas vidas negras, indígenas, de comunidades tradicionais, periféricas, todas elas invisibilizadas.

 

 


[1] Disponível em: https://observatoriodamineracao.com.br/com-abertura-de-capital-em-vista-csn-mineracao-expoe-6-mil-trabalhadores-ao-coronavirus-e-se-nega-a-negociar/



Ações: Empresas e Violações dos Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos