É possível enfrentar a crise climática sem proteger os defensores ambientais?
Suzany Brasil e Selma Corrêa*
No dia 16 de março é celebrado o Dia Nacional de Conscientização das Mudanças Climáticas. Estabelecido pela lei Nº 12.533, de 2011, esse dia é reservado para a promoção de ações, debates e mobilizações relacionados à proteção dos ecossistemas brasileiros. Daí, é imediato associar esses debates a Amazônia como o bioma que historicamente mais tem emitido gases de efeito estufa, muito em razão dos desmatamentos, queimadas e do crescimento de atividades ligadas a expansão do agronegócio (SEEG, 2023).
Na Amazônia, o desenvolvimento econômico trouxe consigo a exploração de recursos naturais, como energia, terra, água, entre outros. É o uso predatório desses e dos serviços vitais dos ecossistemas que, segundo especialistas, está colocando em risco a vida no planeta para as gerações futuras.
Vale lembrar que as mudanças climáticas são alterações significativas nos padrões climáticos globais, causadas principalmente pela atividade humana, como a queima de combustíveis fósseis, desmatamento, agricultura intensiva e outras, que liberam gases na atmosfera e resultam em eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, inundações e ondas de calor.
Em 2022, Mato Grosso (17,3% do total) e Pará (15,6%) destacaram -se como os principais emissores brutos, seguidos de Minas Gerais, Rondônia e São Paulo. Do total das emissões brutas oriundas do desmatamento em 2022, 75% são provenientes da Amazônia. (SEEG, 2023). De acordo com dados do Observatório do Clima, estes setores responderam por 65% do total de 1,7 milhões de toneladas de CO2 no mesmo ano.
Entre 2021 e 2022, mais de 100 mil hectares de florestas da Amazônia foram explorados ilegalmente para a extração de madeira, o que equivale a uma área maior que a de Belém, cidade sede da Conferência das Organizações das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP 30) este ano. Mais de 25% desse crime ambiental se concentrou em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, sem nenhuma responsabilização dos autores, comumente conhecidos pela população atingida.
É urgente minimizar os impactos negativos da ação humana para que seja realmente possível a sustentabilidade ambiental e o bem-estar humano, especialmente no que se refere ao acesso à alimentação, recursos hídricos, energia e saúde. E para transformar isso em uma ação efetiva é necessário reconhecer que as agendas de clima e direitos humanos no Brasil precisam avançar conjuntamente. Não é possível falar de uma agenda climática mundial, sem considerar a Amazônia como central e, da mesma forma, a proteção à vida de defensores e defensoras que mantem esse bioma vivo.
Um levantamento das organizações Terra de Direitos e Justiça Global mostrou que, de 2019 a 2022 – anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro –, o Brasil registrou 1.171 casos de violência contra defensores de direitos humanos, com 169 pessoas assassinadas. No total de casos, 78,5% das pessoas que sofreram violência lutavam por terra, território e meio ambiente. São defensores e defensoras que resistem a negação de direitos territoriais fundamentais em meios a conflitos e ainda assim preservam a natureza como modo ancestral de vida.
Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, publicados no Observatório Nacional de Direitos Humanos (ObservaDH) indicam que mais da metade das pessoas inseridas no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas são povos indígenas e comunidades tradicionais e mais de 70% estão no programa devido à atuação em conflitos no campo. Além disso, dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos também publicados no ObservaDH apontam que a principal motivação para denúncias entre 2020 e 2024 foram crimes ambientais (20%), relacionados a expansão urbana e a agropecuária, extrativismo mineral e vegetal, e caça, seguidos por conflitos agrários (19%).
Resta assim cada vez mais evidente a correlação entre o papel de defensores ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais e a luta contra atividades que intensificam a crise climática.
Segundo dados do Mapbiomas (2023), nos últimos 30 anos as Terras Indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa, frente à perda de 20,6% de vegetação nativa em áreas privadas. Da mesma forma, desde 1985, a perda da vegetação nativa de territórios quilombolas titulados foi de apenas 3,2%, enquanto a de áreas privadas foi de 25%, ou seja, diminuir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil depende da manutenção da vida e efetivação dos direitos territoriais de indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais.
Em fevereiro, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), por meio do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos (CAODH), lançou a Nota Técnica n° 001/2025. O documento é norteador da atuação do MPPA no contexto da justiça climática e da proteção de defensores e defensoras de direitos humanos ambientais, apontando temas prioritários e ações necessárias para efetivação da cidadania climática.
Elaborada com a participação de 12 promotores e promotoras de Justiça - entre eles os primeiros promotores de Justiça indígenas e quilombola do MPPA – e com a colaboração de cinco organizações, como a Terra de Direitos, o documento representa um importante avanço para a proteção de defensores e defensoras de direitos humanos, ambientais e climáticos no Estado que irá receber a COP 30 em novembro.
A Nota Técnica também aponta um aspecto que deve ser considerado urgente quando estamos falando de proteção a pessoas que defendem o meio ambiente: a ratificação pelo Estado Brasileiro do Acordo de Escazú.
Aprovado em 2018 e encaminhado ao Congresso Nacional para ratificação em 11 de maio de 2023, Escazú é o primeiro acordo ambiental da América Latina e Caribe com obrigações específicas de proteção de defensores ambientais, com especificações como garantia de acesso à informação, à participação e à justiça. Até o momento 14 países latino-americanos assinaram e ratificaram o acordo.
No Brasil, a ratificação carece de uma postura mais ativa e de priorização do Governo Federal. Em novembro, Belém será palco da COP 30 e milhares de defensores ambientais do planeta estarão lado a lado com defensores brasileiros compartilhando experiências de luta e defesa da floresta, dos rios, da fauna e flora. Sem ratificar o acordo, o Brasil deixa de demonstrar total alinhamento com normas internacionais importantes para a política internacional, especialmente do continente americano.
Os compromissos da agenda climática brasileira, como atingir a meta de desmatamento zero em 2030, ações de mitigação de impactos, adaptação de cidades e territórios, não pode ser desconectada da vida dos povos e comunidades do território amazônico.
A garantia da integridade e segurança territorial de comunidades e dos respectivos defensores de direitos ambientais é um fator imprescindível. A manutenção e preservação dos modos de vida de agricultores familiares e comunidades tradicionais através da garantia de seus territórios seguros significa perpetuar a floresta, conhecimentos, culturas, soberania alimentar, inovações e as economias da sociobiodiversidade
Como disse a Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação das pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, em trecho das Observações e Recomendações preliminares do relatório sobre a missão ao Brasil, em abril de 2024: “Sempre que uma floresta estiver em pé no Brasil, isso é graças ao trabalho de pessoas defensoras de direitos humanos”.
Priorizar essas ações é operar uma real agenda de justiça climática. Debater, decidir e traçar estratégias para o enfrentamento às mudanças climáticas deve ser, em prioridade, proteger quem preserva a floresta. Proteger territórios e defensores e defensoras de direitos humanos ambientais e climáticos é proteger o planeta e as gerações futuras.
*Suzany Brasil e Selma Corrêa são advogadas populares na Terra de Direitos.
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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos
Tags: Defensores ambientais,Amazônia,crise climatica