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Direito à terra é a chave para proteção de defensores de direitos humanos, aponta Relatora da ONU


A relatora declarou que a defesa do território é a principal luta e causa da violência contra defensores de direitos humanos no Brasil  

Mary Lawlor, Relatora Especial da ONU sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos, visitou Santarém, no Pará, nos dias 13 e 14 de abril.

Após oitivas e reuniões com defensoras e defensoras de direitos humanos, organizações e o governo federal, na última sexta-feira (19), a Relatora Especial das Organizações das Nações Unidas sobre pessoas defensoras de direitos humanos, Mary Lawlor, realizou uma coletiva de imprensa para marcar o final da visita oficial realizada ao país desde o dia 09 de abril. Em comunicado à imprensa, a relatora destacou as reflexões preliminares fruto da passagem por quatro estados brasileiros e Distrito Federal.  

A questão fundiária e os conflitos decorrente da luta em defesa da terra e território protagonizada por indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e demais povos tradicionais foi uma das questões destacadas pela Relatora como central para se pensar o contexto vivenciado por defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil. “A discriminação histórica e a desapropriação que sofreram no Brasil continuam até hoje e, por sua luta contra isso, estão sendo assassinados”, destacou Lawlor.  

Dados da pesquisa “Na Linha de Frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, elaborada por Terra de Direitos e Justiça Global, já apresentaram como esse cenário observado pela Relatora é presente na realidade da luta por direitos no país. Em 78,5% dos casos de violência registrados pela pesquisa, a pauta de luta é a defesa da terra, território e meio ambiente. 

 “A terra está no centro da luta dos povos tradicionais no Brasil. A terra, como me disseram, é a chave para a sobrevivência deles. E há aqueles que procurariam eliminá-los em nome do lucro e do ganho pessoal. A tese marco temporal é uma anunciação disso, assim como o assassinato de lideranças quilombolas e a imposição de minas e monoculturas nas terras utilizadas pelas comunidades tradicionais, o envenenamento de rios de comunidades ribeirinhas, o deslocamento forçado de comunidades já historicamente deslocadas. A terra também é a chave para a proteção desses defensores e defensoras”, ressaltou a relatora.  

Para a Relatora o direito à terra é urgente para avanço do debate estratégico e criação de mecanismos de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos. A derrubada da tese do Marco Temporal - em disputa entre o Congresso (por meio da Lei 14.701) e o Supremo Tribunal Federal -, conflitos fundiários entre grandes fazendeiros e agricultores familiares , morosidade das demarcações de territórios indígenas e titulação de comunidades quilombolas foram temas destacados nas recomendações para o Governo Federal. “Sem uma reforma agrária justa e a resolução de disputas fundiárias, as pessoas defensoras de direitos humanos serão ameaçadas, atacadas e mortas uma após a outra”, destacou.  

A Relatora trouxe ainda outras urgentes e importantes recomendações ao Governo Federal para reparação e reestruturação das políticas de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil como, por exemplo, a necessidade do governo priorizar a reestruturação da política de proteção aos defensores, a ratificação urgente do Acordo de Escazú – que trata sobre mecanismos de proteção a defensores ambientais, direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, e o pleno respeito a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que estabelece o direito à consulta prévia, livre e informada as comunidades tradicionais diante de projetos e medidas que impactem os territórios.  

“Pessoas defensoras de direitos humanos estão sob extrema ameaça no Brasil. O Governo Federal tem consciência disso, porém até agora não conseguiu implementar as estruturas necessárias para proteger defensoras e defensores e combater as causas dos riscos que enfrentam”, disse Mary Lawlor cobrando uma postura mais eficaz do Governo Federal frente a situação das pessoas defensoras de direitos humanos no país.  

Situação de violência contra defensores (as) de direitos humanos 

A Terra de Direitos acompanhou reuniões e oitivas da Relatora da ONU junto a defensores e defensoras de direitos humanos, movimentos e organizações sociais. Além da pesquisa ‘Na Linha de Frente”, foram apresentados à Relatora os dados do levantamento realizado pela organização em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), ‘Racismo e Violência contra quilombos no Brasil’, que demonstra como a violência contra defensores e defensoras de direitos humanos quilombolas se acentuou entre os anos 2018 a 2022 – com um registro de 32 assassinatos em 11 estados e todas as regiões do país – decorrente dos conflitos territoriais ocasionados pela não titulação dos territórios. 

O caso de assassinato de Maria Bernadete Pacífico, mais conhecida como Mãe Bernadete, ialorixá quilombola da Bahia – que estampa a capa da pesquisa – recebeu a atenção de Mary Lawlor, que visitou comunidades quilombolas da Bahia e ouviu pessoas próximas da liderança quilombola assassinada.  

Em recomendação ao Estado Brasileiro, a Relatora cobrou o enfrentamento a impunidade no caso de violência e violações como o de Mãe Bernadete. “Mais de uma pessoa defensora descreveu: o Brasil é o país da impunidade. No entanto, cada vida importa. Todas as mortes devem ser investigadas. Todas as famílias e comunidades merecem justiça e responsabilização. Se isso não for garantido, os ataques contra defensores continuarão”, declarou.  

Para a Terra de Direitos, as recomendações preliminares apresentadas pela Relatora indicam um caminho importante para o Estado avance na reestruturação das políticas de proteção a defensores, assim como o enfrentamento das questões estruturais que ocasionam o cenário de risco à violência contra quem defende direitos no Brasil, como a impunidade e os conflitos fundiários. “A Relatora da ONU captou profundamente a realidade das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil: a indissociável relação entre a violência que sofrem e o assédio e ataque aos territórios, a realidade de violência intensa e de impunidade crônica dos crimes contra defensores. Segundo a Relatora, o Estado brasileiro a proteção das pessoas defensoras deve ser uma prioridade para as mais diversas instituições públicas, inclusive em termos orçamentários. Sem defensores, não tem floresta em pé, não tem vida, não tem democracia”, afirma Camila Gomes, Coordenadora de Litigância e Incidência Internacional da Terra de Direitos.  

As pesquisas e dados foram apresentados na visita realizada nos dias 13 e 14 de abril, em Santarém, no oeste do Pará, onde a Relatora escutou defensores de direitos humanos extrativistas, indígenas, quilombolas, ribeiros, entre outros povos tradicionais da região. Os defensores fizeram reivindicações e apresentaram documentos e relatórios sobre o contexto do território amazônico.  

“ As ameaças e criminalizações contra pessoas defensoras de direitos no Brasil, espacialmente na Amazônia Paraense, é realidade que já dura décadas É muito importante que a Relatoria da ONU e toda comunidade internacional estejam cientes dessa realidade, especialmente nesse momento de tantos olhares sobre Amazônia, meio ambiente e mudanças climáticas pela expectativa da COP30 no Pará”, pontuou a assessora jurídica da Terra de Direitos que acompanhou a visita da Relatora à Santarém, Suzany Brasil. 

Programas de Proteção a Defensores 

Recomendações importantes foram apresentadas por Lawlor tendo como foco a política de proteção a defensores de direitos humanos. De acordo com as observações feitas em dez dias de visitas ao Brasil, a relatora destacou que o programa apresenta falhas graves que precisam ser priorizadas pelo Governo Federal.  

“O mecanismo de proteção, estabelecido não por uma legislação, mas por Decreto Presidencial, atualmente não consegue fornecer o apoio que as pessoas defensoras de direitos humanos precisam e estão pedindo. Ele carece de financiamento e está sendo implementado por parceiros da sociedade civil, e não pelo Estado, que têm o dever de proteger esses defensores de direitos humanos em risco”, pontuou a Relatora.  

A Terra de Direitos compartilhou com Lawlor a pesquisa “Olhares críticos sobre mecanismos de proteção de defensoras e defensores de direitos humanos na América Latina”, desenvolvida em parceria com a Justiça Global em 2022, com informações sobre a implementação da política de proteção a quem defende direitos humanos no Brasil, informações e análises qualitativas relativas aos casos que foram considerados emblemáticos por suas características e/ou representatividade, sobre a situação dos programas estaduais e da proteção por eles viabilizada a defensoras e defensores de direitos humanos nos territórios. 

Também foi apresentado à Relatora da ONU uma análise sobre o Programa de Proteção da Defensores de Direitos Humanos do Pará realizada pela organização, junto ao grupo de trabalho da sociedade civil e movimentos sociais do estado formado, também, pela Comissão Pastoral da Terra, Sociedade Paraense de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Coletivo Maparajuba, Instituto Zé Claudio e Maria, e Fetagri.  

Sobre este tema, a recomendação da Relatoria foi especialmente direcionada ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania salientando a necessidade de reformulação do Programa de Proteção e de uma política nacional, com acolhimento e escutas dos defensores, garantia de orçamento e efetividade de proteção.  

O Relatório final da missão brasileira deve ser apresentado por Mary Lawlor ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em maio de 2025.



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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos