Engenharia e Arquitetura Pública: uma visão sistêmica da política nacional de assistência técnica para habitação de interesse social.
Ideias para uma nova agenda para as cidades
O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) divulga mais artigo visando contribuir com o debate em torno de uma nova agenda para as cidades, tendo em vista as eleições presidenciais, para os governos dos estados e para o Distrito Federal, e também a necessidade de construção de uma nova plataforma articuladora das forças democráticas e progressistas, frente aos retrocessos políticos e sociais que o país vem atravessando, com o crescente avanço das ideias neoliberais. Neste artigo, assinado por Ubiratan Félix Pereira dos Santos o tema é a assistência técnica para habitação de de interesse social
Engenharia e Arquitetura Pública: uma visão sistêmica da política nacional de assistência técnica para habitação de interesse social.
*Ubiratan Félix Pereira dos Santos
Apresentação
A Constituição de 1988, denominada pelo saudoso Deputado Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”, garantiu pela primeira vez na nossa Historia as condições para universalização do acesso a saúde, educação e previdência social.
Antes da constituição de 1988, o acesso à saúde pública, estava restrito aos servidores públicos e trabalhadores de “carteira assinada” através do INAMPS e aos trabalhadores rurais (sindicalizados), através do FUNRURAL. Em um país cuja principal característica do mercado é informalidade, este modelo “deixava de fora” a maioria da população brasileira. A criação e implantação do SUS – Sistema Único de Saúde, permitiu que milhares de Brasileiros tivessem acesso algum tipo de assistência médica preventiva e curativa.
Assim como a saúde, a previdência social era restrita aos trabalhadores de carteira assinada, aos servidores públicos e aos contribuintes autônomos que eram obrigados a recolher a contribuição do empregador e do empregado, sendo que os trabalhadores rurais percebiam 50 % do salário mínimo vigente. A partir da Constituição Cidadã foi garantida uma renda mínima para os trabalhadores rurais e idosos acima de 65 anos e foram criados diversos mecanismos legais que incorporavam os setores oriundos do mercado de trabalho informal.
Em relação à educação, o modelo existente era muito semelhante aos descritos anteriormente: a educação pública existia, mais o seu acesso era dificultado por um número reduzido de unidades escolares (principalmente no interior e na periferia das grandes cidades) e por falta de recursos. A criação do FUNDEB, a garantia da merenda e transporte escolar, a distribuição dos livros didáticos e a criação de um sistema nacional de educação definiram claramente as atribuições dos entes federativos, permitindo que o Brasil em 20 anos universalizasse o acesso à educação básica, apesar da existência de problemas sérios na qualidade do ensino ministrado.
Para que o Estado Brasileiro pudesse avançar na implementação destes direitos sociais foi necessário o estabelecimento de uma política nacional que definisse de forma clara as competências dos entes federativos, garantisse recursos constitucionais permanentes (através dos fundos constitucionais), implantasse uma rede de infra-estrutura pública (equipamentos, servidores e etc), a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS) e das Redes Municipais, Estaduais e Federais de Educação, e que tem a sua atuação complementada pelo setor privado e entidades filantrópicas e/ou sem fins lucrativos.
No entanto apesar da moradia ter sido reconhecido com um direito através da emenda constitucional 26/2000, foi apenas em 2002 com a criação do Ministério das Cidades que o Estado Brasileiro começou a construir o embrião de uma política publica de habitação através da criação do Conselho e do Fundo Gestor de Habitação de Interesse Social.
A universalização do direito moradia no Brasil tem, como um dos seus pilares, o apoio e o atendimento financeiro, material e técnico as experiências de auto–construção e gestão da população de baixa renda organizada ou não, em cooperativas e movimentos de moradia.
A inexistência de uma rede de assistência técnica estatal dificulta e impede o acesso de milhares de brasileiros a moradia digna. A maioria dos municípios brasileiros não tem em seu quadro, profissionais da área de Desenvolvimento Urbano e/ou serviços de apoio à moradia popular, sendo que na maioria dos casos a prestação de assistência técnica é marcada por ações pontuais e setoriais através de Escritórios Públicos, ONG´S e Escritórios Modelos das Universidades que priorizam o atendimento individual e o fornecimento do Projeto Arquitetônico.
Proposições
Em vista das experiências exitosas na construção do Sistema Público de Saúde (SUS), de Assistência Social (SUAS) e de Educação, estamos propondo o estabelecimento de uma Política Nacional Sistêmica de Assistência Técnica que defina claramente as competências da União, do Estado e do Município, assim como o papel que deverá ser desempenhado pelo setor privado, entidades filantrópicas e/ou sem fins lucrativos, que do nosso ponto de vista deve ser complementar a ação Estatal. A seguir apresentamos de forma sucinta o papel que deverá ser desempenhado pelo setor estatal, privado e das entidades filantrópicas e sem fins lucrativos na implantação do Sistema Nacional de Assistência Técnica (S.N.A.T).
Setor Estatal
Foco Principal - Ações Estruturantes e de Regulação
1- Governo Federal
Financiamento dos Entes Federativos;
Estabelecimento das diretrizes da Política Nacional de Assistência Técnica em consonância com Política de Desenvolvimento Urbano e de Habitação de Interesse Social;
2- Governo Estadual
Capacitação dos técnicos municipais;
Apoio à gestão municipal;
Estabelecimento das diretrizes da Política Estadual de Assistência Técnica em consonância com Política de Desenvolvimento Urbano e com Plano Estadual de Habitação de Interesse Social;
3 - Governo Municipal
Atendimento do cidadão de forma coletiva e/ou individualizada;
Implantação de Escritórios Públicos de Engenharia e Arquitetura;
Estabelecer convênios com instituições públicas, privadas e entidades filantrópicas para atendimento individual e/ou coletivo para habitação de interesse social;
Estabelecimento das diretrizes da Política de Assistência Técnica em consonância com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e com Plano Municipal de Habitação de Interesse Social;
Setor Privado
1- Entidades Filantrópicas e/ou sem fins lucrativos
Foco Principal - Atendimento individualizado e/ou coletivo das famílias de baixa renda, protagonizando ações de Filantropia, Extensão Universitária, Voluntariado e Fiscalização e Manutenção dos Equipamentos Públicos e Privados de Uso Coletivo.
Exemplos:
Escritórios Modelos;
Empresas Junior;
Entidades Profissionais;
ONG´S e etc;
F.P.I (FPI´s do sistema CONFEA - CREA)
2 - Mercado Popular de Engenharia e Arquitetura
Foco Principal – Incentivar a criação de mecanismos que permita a população de baixa renda contratar profissional para elaboração e implantação do projeto da habitação de interesse social;
Exemplos:
“Casar” o financiamento do material construção a mão de obra técnica;
Criar financiamentos para contratação de projeto e acompanhamento de obra;
O setor privado de material construção pode “fornecer o projeto” quando o individuo adquirir o material de construção em determinado estabelecimento;
Incentivar empreendimentos de “Escritórios Populares de Engenharia”;
Estabelecimento do mercado de engenharia popular;
Conclusão
A garantia do direito à cidade sustentável, entendido como o direito a terra, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra – estrutura, mobilidade (trânsito e transporte) e aos serviços públicos, ao trabalho e lazer, para as presentes e futuras gerações, só poderá ser viabilizado com a implantação de uma política nacional de assistência técnica que articule as ações do poder público federal, estadual e municipal.
**Ubiratan Félix Pereira dos Santos é engenheiro civil, presidente do SENGE/BA e professor da IFBA.
Ações: Direito à Cidade
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos