Brasil lidera retrocessos na CDB
Terra de Direitos
Entre os dias 4 e 17 de dezembro, Cancun sediou a 13ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP13), além da 8ª Conferência das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (COP-MOP8) e a 2ª Conferência das Partes do Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa de Benefícios decorrentes da sua utilização – em inglês, ABS, Access and Benefit-Sharing – (COP-MOP2).
Com o tema “Incorporando a biodiversidade ao bem-estar”, a COP13 foi marcada por disputas de interesses em torno da agenda internacional relacionada à conservação da biodiversidade. O Brasil, com um dos territórios que concentram a maior biodiversidade do mundo, está no centro dessa disputa, cujos representantes tiveram uma atuação emblemática. Enquanto o país passa por um golpe político e sofre retrocessos em diversas áreas – como a aprovação da PEC 55, Proposta de Emenda à Constituição que congela os gastos públicos por 20 anos, e a tramitação de uma proposta de reforma da previdência – liderou defesas e propostas que representam grandes retrocessos na conservação da biodiversidade durante a COP.
Diferentemente de outros anos, quando havia disputa sobre as posições do Ministério das Relações Exteriores, a posição oficial do país foi completamente dominada pela agenda do setor privado, com representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Durante o evento, integrantes desses ministérios influenciaram diretamente a atuação dos negociadores do Ministério das Relações Exteriores e pautaram os interesses de empresas e do agronegócio, o que tornou difícil o diálogo com a sociedade civil brasileira que esteve lá presente.
Não à toa, o Ministro da Agricultura, Blairo Maggi – um dos maiores representantes do agronegócio brasileiro –, recebeu o prêmio Captain Hook (Capitão Gancho) na categoria “Pirata de Duras Caras”, por assumir compromissos internacionais e agir contrariamente a eles no âmbito nacional. Esse foi o terceiro prêmio que Maggi recebeu por suas ações de favorecimento ao agronegócio. O ministro é também considerado o “Rei da Soja” e recebeu, em 2006, o troféu “Motosserra de Ouro”, em premiação organizada pelo Greenpeace.
Maggi representa os interesses dos grandes produtores de soja responsáveis por barrar a ratificação do Protocolo de Nagoya. Esta ausência de ratificação, bem como a aprovação da Lei 13.123/2015, conhecida como Marco Legal da Biodiversidade, denunciada por organizações e movimentos sociais como uma forma de legalizar a biopirataria no país, são exemplos de como o país segue na contramão das decisões internacionais.
Nas discussões da COP, o Brasil também defendeu o fim do grupo de especialistas (AHTEG) sobre análise de riscos no escopo do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, o que dificulta o avanço das pesquisas sobre análise de riscos relacionados aos transgênicos. O país foi um dos únicos que tentou dissociar o impacto da associação entre transgênicos e agrotóxicos sobre insetos polinizadores – apesar do alerta de cientistas sobre a diminuição de algumas espécies, como as abelhas. Nas decisões da Conferência, o Brasil só desistiu de sua posição após o apelo feito em plenária por representantes de países como o México, Colômbia, Bolívia, Egito, União Europeia, Peru e Canadá.
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O Brasil também defendeu interesses do setor privado ao promover a utilização de termos que qualificam e distanciam os saberes populares daqueles produzidos em laboratório, o que abre margem para a hierarquização desses saberes. Isso ficou evidente com a utilização do termo relevant science, por exemplo – citado no documento Global Biodiversity Outlook e em algumas decisões –, que estabelece uma graduação entre o que é o que não é produção do conhecimento.
Apesar dos retrocessos defendidos pelo Brasil, a COP13 foi palco de alguns avanços, tal como o lançamento da “Relatoria sobre Meio Ambiente e Direitos Humanos” da Organização das Nações Unidas (ONU). A nova relatoria estabelece a relação entre meio ambiente, direitos humanos e a governança a nível global e pode contribuir para chamar a atenção do mundo para os retrocessos relacionados à biodiversidade no Brasil.
Papel da sociedade civil
A realização do evento no México poderia ter sido uma escolha simbólica: o país é um dos locais de origem do milho, símbolo da interação humana com a biodiversidade para o desenvolvimento de alimentos. No entanto, foram poucas as manifestações sobre a situação alarmante da contaminação genética vivenciada no país, e o local escolhido para o evento – em um dos destinos turísticos mais cobiçados do mundo com uma rede hoteleira direcionada para classes financeiramente privilegiadas – fez com essa fosse uma das COP mais difíceis para a participação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
Apesar disso, a sociedade civil brasileira esteve presente para denunciar as violações, os ataques à biodiversidade do país e os interesses que colidem com compromissos assumidos internacionalmente. Esses pontos foram elencados na Carta Aberta ao Estado Brasileiro, documento entregue a representantes do Ministério das Relações Exteriores durante reunião realizada no Brasil, em 17 de novembro de 2016.
A carta é fruto de ampla discussão entre camponeses, agricultores familiares, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, cientistas independentes, movimentos sociais, sindicais e outros apoiadores. O documento apresenta uma série de recomendações ao Estado brasileiro referentes às negociações desta COP 13, assim como das Reuniões das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, do Protocolo de Nagoya sobre Acesso e Repartição Justa e Equitativa de Benefícios e do Protocolo de Nagoya Kuala Lumpur sobre Responsabilidade e Reparação – estes dois últimos ainda não foram ratificados pelo Brasil.
O único encontro da delegação brasileira com a sociedade civil durante a COP 13 ocorreu no dia 7 de dezembro, após exigência dos membros do Grupo de Trabalho Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), da Articulação Pacari Plantas Medicinais do Cerrado, da Via Campesina Brasil, e do Grupo Carta de Belém. Nesta reunião, alguns pontos relevantes das negociações foram levantados e foi a única oportunidade de obtenção de um posicionamento dos negociadores do MRE sobre os pontos trazidos na Carta encaminhada ao governo.
Neste boletim, apresentamos um resumo dos principais elementos das negociações da COP 13 e como os resultados podem impactar o cenário brasileiro.
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FICHA TÉCNICA
Título: Protocolo de Consulta Quilombola
Produção de conteúdo: André Dallagnol e Cristine Rodrigues
Colaboração: Darci Frigo, Franciele Petry Schramm, Lourdes Laureano e Marciano Silva
Curitiba: Terra de Direitos, 2016. p. 9
Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar