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Em um contexto hostil, a luta por direitos humanos não pode parar


Foto Marcelo Camargo/ Agência Brasil

 

A luta pelos direitos humanos nunca foi, não é, e nem será tarefa fácil no Brasil e em qualquer parte do mundo. São muitos os desafios a serem enfrentados. Porém, a história demonstra que as conquistas de patamares humanos mais elevados para todas as pessoas se deram por meio das lutas dos povos pelo reconhecimento de novos direitos.

Mesmo com avanços significativos para a consolidação da democracia e conquista de direitos no período pós Constituição de 1988, nossa democracia ainda é muito frágil, e o golpe de 2016, que depôs a presidenta eleita Dilma Rousseff, expôs a ascensão da extrema direita, com um aprofundamento entre 2019 e 2022, período do governo de Jair Bolsonaro (PL). Um governo marcado pela negação aos direitos humanos, retrocessos, ataques e desmonte de políticas sociais e de garantia de direitos.  Neste período, não bastasse o decreto de Bolsonaro de esvaziamento dos espaços de participação social, com a extinção de conselhos sociais, o ambiente no país para defender direitos tornou-se muito hostil. O direito à livre manifestação foi um dos primeiros a ser atacado impondo muitos retrocessos àqueles que para ter direitos precisam gritar, clamar e ocupar as ruas. Lutar por direitos tornou-se caso de polícia, de justiça e, em muitas vezes, de vida ou morte.

A cada mês, 3 pessoas defensoras de direitos foram assassinadas no país nos anos de 2019 a 2022, de acordo com o estudo “Na Linha de Frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, produzido pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global.

A pesquisa, que mapeia violências direcionadas a defensoras e defensores de direitos humanos (DDHs), mostra que nos 4 anos do governo Bolsonaro, foram registrados 1171 casos de violência, sendo que 163 foram assassinatos.  O dado é alarmante e evidencia que, no Brasil, quem luta para garantir e defender seus direitos e territórios é alvo de deslegitimação, criminalização, agressões, ameaças e até mesmo assassinatos. 

Mesmo em novo governo este cenário de intensa violência permanece. Um dos grandes desafios do atual momento político é reconstruir um sistema de proteção aos direitos humanos.  Ao  mesmo  tempo  em  que o governo do Presidente Lula se “segura nas cordas” com a coalizão partidária que viabilizou a sua eleição, essa base parlamentar é heterogênea, e majoritariamente de centro-direita, dificultando avanços e impondo ainda mais retrocessos à garantia dos direitos humanos. Frente a este quadro, organizações sociais e movimentos populares têm uma responsabilidade muito grande e desafiadora para a reconstrução dessas políticas, impedindo ainda mais retrocessos.

A extrema-direita, cada vez mais presente na sociedade e nos legislativos, investe em estratégias sofisticadas de disseminação do ódio à política cotidiana, como por meio de ataques nas redes sociais e manipulações, favorecidos pela liberdade de acesso e lógica algorítmicas de grandes plataformas (vide o X). Por isso é urgente a regulação para a responsabilização de atos criminosos em ambientes virtuais. Não esquecendo as tradicionais ferramentas de criminalização, a exemplo da Comissão Parlamentar de Inquérito contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), criada em 2023 evidentemente para atacar movimentos de luta pelo direito à terra e ao território. Outro movimento preocupante é o chamado “Invasão Zero”, que se apoia nos parlamentos e em milícias rurais, com uma lógica de ampliar a grilagem de terras e o desmatamento, além de flexibilizar leis que permitam um maior acesso da população ao porte de armas, contribuindo para ampliar a onda de violência no campo e na cidade.

Assim como essas pautas, também proliferam no Congresso Nacional iniciativas que atacam diretamente o direito de trabalhadores/as rurais, indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais. É o caso da PEC 48, para instituir o Marco Temporal de demarcação de terras indígenas; a Lei geral de licenciamento ambiental que propõe um desmonte no processo de licenciamento ambiental favorecendo empreendimentos predatórios em detrimento do meio ambiente e territórios tradicionais; e o Pacote do Veneno, já aprovado pelo Congresso Nacional, que permite uma flexibilização ainda maior do uso de agrotóxicos no país.  

A retomada de uma política efetiva de direitos humanos também depende da superação de desafios orçamentários. Há um ano o Grupo de Trabalho Técnico Salles Pimenta trabalha num plano para dotar o país de uma política de proteção a DDHs, que terá grandes desafios para ser implementada considerando os limites orçamentários do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). Esse orçamento também limitará outras medidas necessárias para essa implementação como a contratação de equipe qualificada e o fortalecimento das redes de proteção da sociedade civil.  

Um avanço importante desse período foi a retomada do diálogo entre o poder executivo e organizações sociais. Neste segundo semestre, representantes de organizações de direitos humanos reuniram-se com a nova ministra da pasta, Macaé Evaristo. 

Na ocasião foi entregue um documento contendo um conjunto de preocupações com a área. “O trabalho de gestão do MDHC não pode retroceder nos avanços conquistados e precisamos fortalecer a institucionalidade de direitos humanos no Brasil, fortalecendo esse Ministério, aumentando suas dotações orçamentárias, recursos humanos e sua capacidade institucional. Assim como, precisamos fortalecer os espaços de participação social, ampliar os espaços de diálogo e a atuação interseccional desse Ministério com os ministérios da Igualdade Racial, das Mulheres, dos Povos Indígenas e outros, para avançarmos na defesa, proteção e efetivação de direitos humanos no Brasil”, diz trecho do documento. Outra prioridade desse campo para o próximo período, é a realização da Conferência Nacional de Direitos Humanos. A última edição aconteceu em 2016. 

Diante de tantos desafios, cabe às organizações sociais e movimentos populares fortalecer suas estratégias de luta e de enfrentamento aos retrocessos, baseadas em experiências tradicionais e ancestrais de resistência e defesa dos seus territórios. São fundamentais ações como a elaboração de protocolos de consulta, a criação de redes locais e regionais de fortalecimento de DDHs, a potencialização de sistemas agroecológicos que se contraponham aos projetos predatórios do agronegócio e a implementação das medidas propostas no Plano Nacional para a proteção a DDHs.  

A história nos mostra que, em contexto hostil, o ativismo de defensoras e defensores de direitos humanos é essencial para manter o sonho de um mundo justo, com a prevalência de todos os direitos para todas as pessoas e a natureza.  

Sobre os autores

Darci Frigo
Advogado popular e coordenador executivo da Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos. Atuou na Coordenação da Plataforma Dhesca Brasil e do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos nas gestões de 2017 e 2022.

Giseli Barbieri
Bacharela em Comunicação Social habilitação em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente, é coordenadora de Incidência Política na organização Terra de Direitos – que há mais de 20 anos atua com litígio estratégico na área de direitos humanos para comunidades, quilombolas, indígenas e trabalhadoras e trabalhadores rurais.



Eixos: Política e cultura dos direitos humanos
Tags: direitos humanos,2025,violação de direitos,Lula