Teto de Gastos: entidades lançam apelo público e entregam documento ao STF
Brasil, 08 de março | Coalizão que reúne 192 organizações e redes de sociedade civil, Conselhos Nacionais de Direitos, entidades sindicais e instituições acadêmicas das várias áreas sociais, lança Apelo Público aos Ministros do Supremo Tribunal Federal pelo fim da Emenda do Teto de Gastos (EC 95/2016) e protocolou ontem (7/5) no STF documento que analisa os efeitos da Emenda no enfrentamento da pandemia e no cenário pós-pandemia. O documento será ainda enviado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Conhecida como Emenda do Teto de Gastos, a EC 95 foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, durante o governo de Michel Temer, e é considerada pela ONU a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta ao acarretar cortes de gastos sociais e ambientais. A Ministra Rosa Weber é a relatora das seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade que pedem o fim da Emenda.
No dia 18 de março, a Coalizão Direitos Valem Mais apresentou à Ministra Rosa Weber um pedido de suspensão imediata da Emenda. A Ministra reagiu apresentando um pedido de informações ao governo federal no âmbito da ADI 5715 sobre o impacto da EC95 no enfrentamento da COVID-19. O documento protocolado ontem pela Coalizão, elaborado por um grupo de pesquisadoras e pesquisadores de várias áreas sociais, não somente responde com dados rigorosos às perguntas da Ministra, mas apresenta: uma profunda análise dos efeitos do Teto de Gastos (EC95/16) em diversas áreas; argumentos jurídicos, sociais e econômicos pelo fim da Emenda; e alternativas concretas para que o Estado brasileiro supere o quadro de acentuado subfinanciamento das políticas públicas que tanto fragilizou a “imunidade” do país no enfrentamento da COVID-19.
Além dos dados, o documento traz relatos de casos de violação de direitos de indivíduos e coletivos, que revelam o imenso sofrimento gerado à população em decorrência da combinação do desmantelamento das políticas sociais e da profunda crise econômica com a chegada da pandemia.
Apelo Público ao STF
No Apelo Público aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, as instituições chamam a atenção para o cenário pós-pandemia, marcado pela perspectiva de uma brutal recessão econômica global.
Destacam que o fim da Emenda Constitucional 95 representa a possibilidade de ampliar as chances de lidar com as suas consequências, aumentando as chances de sobrevivência de grande parte da população frente à doença, à fome e à miséria que crescem vertiginosamente, afetando principalmente a população pobre, negra, indígena e do campo:
“Significa retomar o projeto Constituinte e o caminho rumo ao fortalecimento da capacidade do Estado e das políticas públicas de garantir direitos; melhorar as precárias condições de vida da gigantesca maioria da população; enfrentar as profundas e históricas desigualdades brasileiras; diminuir a drenagem de recursos públicos das políticas sociais para setores financeiros; e preparar o país para o contexto de aceleradas mudanças climáticas e de riscos de novas pandemias globais como alertado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).”
O Apelo Público ressalta a importância do investimento em políticas sociais e ambientais como forma de dinamizar a economia. Em vários países e blocos econômicos do mundo, o aumento do gasto social está colocado como o caminho para fortalecer a economia em um contexto de profunda crise global. Destaca que existem alternativas de regras fiscais – as chamadas regras fiscais de segunda geração – que mantêm a responsabilidade fiscal, mas que também promovem responsabilidade e justiça social.
Nesse contexto de tantas ameaças, a Coalizão destaca a urgência de que o STF se posicione firmemente pelo fim da EC95. As organizações apelam que o STF suspenda imediatamente a Emenda e julgue as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) reconhecendo sua plena inconstitucionalidade e superando a cisão entre direitos constitucionais e economia.
EC95: a destruição de um país
- Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 estabeleceu a redução do gasto público em educação, saúde, assistência e em outras políticas sociais por vinte anos, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra.
- Devido aos seus efeitos drásticos, a Emenda é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam seu fim imediato pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.
- Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc/Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA, entre muitos outros, vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos.
- Em agosto de 2018, sete relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.
- Ainda em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. O relatório preliminar da CIDH manifestou grande preocupação com o fato de o país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.
- Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.
- Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem as desigualdades e constituem motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, considerada uma medida anticíclica.
Pelo fim do Teto de Gastos
- No mês de março (17/03), as entidades reunidas na coalizão Direitos Valem Mais entraram com uma petição no Supremo Tribunal Federal pela suspensão imediata da EC 95/16. No documento, as organizações alegam que a pandemia chega ao país em um contexto de extrema fragilização das políticas sociais e de aumento da pobreza da população, e que seus efeitos vão ultrapassar 2020.
- No início de abril (13/04), a coalizão lançou um alerta sobre a absurda priorização do sistema financeiro sem contrapartida na PEC do Orçamento de Guerra, que está em tramitação no Congresso.
- Já em 23 de abril, a derrubada do Teto de Gastos foi recomendada por uma pesquisa orçamentária conduzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), uma das entidades da coalizão. A partir da análise do orçamento público, a pesquisa demonstra que as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda Constitucional 95 reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a população mais vulnerável, deixando o Brasil “com baixa imunidade” para enfrentar a pandemia.
- Na semana passada (29/04), especialistas da ONU emitiram um novo comunicado ao governo brasileiro em que afirmam que a política econômica do país tem colocado “milhões de vidas em risco”. Para que seja possível enfrentar a pandemia, eles recomendam o fim das políticas de austeridade, como o Teto de Gastos, e o aumento o investimento no combate à desigualdade.
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos