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A proibição do uso de Glifosato, saúde e o sistema judiciário no Brasil


Tribunal Federal volta atrás na decisão de proibir Abamectina, Tiram e Glifosato, substâncias comprovadamente tóxicas à saúde e meio ambiente. 

Pulverização aérea. Foto: reprodução

  Agosto de 2018 foi marcado por decisões importantes no que se refere a alimentação, saúde e ao uso de agrotóxicos e pesticidas no Brasil. Logo no início do mês, dia 03, foi publicada a decisão da Juíza Federal Substituta da 7ª Vara do Distrito Federal, Luciana Raquel Tolentino de Moura, na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a União, para que se suspendesse o uso de determinadas substâncias na agricultura e que a ANVISA finalizasse as reavaliações toxicológicas dos ingredientes ativos nas substâncias ABAMECTINA, TIRAM E GLIFOSATO – que após longos 11 anos ainda não haviam sido concluídas.

            Essas substâncias, ainda que desconhecidas “pelo nome”, estão presentes na vida e no dia-a-dia da população brasileira, por meio do alimento que chega à sua mesa. Mas não, não é um tipo de tempero.

            De acordo com a Nota Técnica emitida pela Fundação Oswaldo Cruz, os agrotóxicos são substâncias que comportam risco à vida e à saúde, tanto para os trabalhadores e trabalhadoras expostas a essas substâncias quanto para consumidores na população em geral, razão pela qual necessitam de uma detalhada avaliação sobre os seus impactos na saúde, no meio ambiente e se, de fato, contribuem na qualidade dos produtos alimentícios, antes que possam ser liberados para a obtenção do registro.

            O Glifosato, por exemplo, muito utilizado em grandes e pequenas lavouras, pelo interior do Brasil, é uma substância classificada como provável carcinógeno, ou seja, com potencial efeito de desenvolver câncer em humanos. Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, este ingrediente ativo pode estar ligado a casos que por exposição ao ingrediente ativo causaram da contaminação ao óbito de pessoas.

            Estudos demonstram que a Abamectina, outra das substâncias em questão, provoca danos ao sistema endócrino caracterizados pela diminuição dos níveis de testosterona. Apresenta ainda, efeito tóxico para o ecossistema e, particularmente, para os organismos vivos, especialmente os humanos. Estes potenciais efeitos, relacionados ao fato de persistir no ambiente, atingindo outros animais e plantas destinadas a alimentação humana, do ponto de vista da segurança alimentar, é fator extremamente prejudicial à saúde e à vida cotidiana da população, que em sua maioria ainda não consegue comprar ou ingerir alimentos orgânicos ou agroecológicos, fator que expõe grupos socialmente vulnerabilizadas a ainda mais problemas de saúde, decorrentes da má alimentação.

            Já o Tiram, um carbamato que possui propriedade herbicida, fungicida e inseticida, largamente utilizado, também tem sido considerado provocador de efeitos neurocomportamentais, como convulsões, letargia, ataxia e malformações fetais severas. Dentre os efeitos danosos à saúde humana destacam-se a toxicidade para o sistema nervoso, reprodução e desenvolvimento e, ainda, sintomas danosos que vão desde a irritação da pele até perda de peso, taquicardia e mutações no DNA.

            A própria Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA n.º 10/2008, publicada em 22/02 identificou que é possível que as substâncias em questão causem danos à saúde e à coletividade, permanece ainda sem as devidas conclusões. O MPF pediu ainda que fossem suspensos os registros de todos os produtos que se utilizam destas substâncias, visto que como descrito no artigo 5º, inciso II, do Decreto n.º 4.074/2002, determina que cabe ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento conceder registros de agrotóxicos para uso nos setores de produção e, ainda, no art. 2º, IX, do Decreto n.º 4.074/2002, para “controlar, fiscalizar e inspecionar a produção, a importação e a exportação dos agrotóxicos”.

            Segundo a decisão da Juíza Federal Substituta da 7ª Vara/SJ-Distrito Federal, Luciana Raquel Tolentino de Moura, no dia 3 de agosto de 2018: “não se pode permitir que se coloque a vida e a saúde em risco para manter-se a produtividade”.  Conforme determina o art. 196 da Constituição Federal Brasileira de 1988: “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, caracterizando-se, portanto, como direito fundamental do ser humano, sem distinções”, o direito à uma vida com dignidade.     

            Ainda que a decisão tenha sido comemorada por grande parte dos movimentos sociais de luta pela Reforma Agrária, bem como agricultores/as familiares e comunidades tradicionais, exatamente um mês depois o Tribunal Regional Federal - 1ª Região derrubou a liminar que suspendeu o registro de produtos à base das três substâncias.

            No entendimento do desembargador Kássio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), “ainda que caracterizada eventual demora pelo órgão competente no processo de reavaliação toxicológica (... ) sendo naturalmente longo, nada justifica a suspensão dos registros dos produtos que contenham como ingredientes ativos a Abamectina, o Tiram e o Glifosato, de maneira tão abrupta sem a análise dos graves impactos que tal medida trará à economia do país e a população em geral”.  A decisão é contraditória ao afirmar que “ainda que os produtos, ora questionados, já tenham sido aprovados por órgãos públicos competentes, (...) uma vez que a ciência avança, é necessária a realização de novos testes e estudos para ampliar o conhecimento humano sobre a matéria”.

            O que podemos observar é que novamente, e dia após dia, a saúde da população é deixada à parte quando se trata dos grandes interesses do mercado. Lamentavelmente, a “saúde da economia” é mais importante que as filas do SUS, repletas de possíveis casos de câncer, e outras doenças causadas pelo uso destas substâncias em lavouras próximas a casas e pequenas plantações agroecológicas. O veneno não está apenas na mesa, ele também contamina o ar e chega na água e no alimento de todos nós.

            O próprio Ministro da Agricultura, o ruralista Blairo Maggi, em campanha pública declarada a favor do uso do Glifosato e outras substâncias em lavouras, publicou em uma de suas redes sociais na última sexta feira (24/08) a informação da cassação da tutela antecipada concedida pela juíza federal substituta no início do mês de agosto, antes mesmo da publicação da decisão (em 03/09).

            Percebe-se que não se preocupou sequer em explicitar de onde vinham as informações, expondo questões levantadas já há algum tempo no nosso sistema judiciário – em que nitidamente as decisões judiciais, econômicas e políticas circulam como informações privilegiadas entre os que decidem juridicamente, os que criam leis, e os que colocam preços no mercado internacional.

            Coincidentemente ou não, agosto é também o mês da Terra. Para os povos adeptos de candomblé, umbanda e outras religiosidades que cultuam os Orixás (divindades africanas/ afro brasileiras que possuem relação vital e direta com a natureza), é o mês de festejos para Omolú/ Obaluaiê, o poderoso orixá que detém o poder de curar doenças do corpo e da alma, bem como quem conhece os segredos das enfermidades e da saúde no corpo.

            A relação de Omolú com a morte dá-se pelo fato de ele ser a terra, indispensável para a manutenção da vida. A humanidade nasce, cresce, desenvolve-se, torna-se forte diante do mundo, mas continua frágil diante de Omolú, que pode devorá-lo a qualquer momento, pois é a terra que vai consumir e acolher o corpo do homem por ocasião da sua morte. Omolú é a Terra, e nós a estamos deixando doente.

            Em um período de cortes orçamentários nas políticas públicas de desenvolvimento social, e de um sistema judiciário questionável a partir de suas relações políticas, alianças públicas e benefícios pessoais, lutar por políticas que priorizem alimentos sem venenos, que sejam acessíveis a toda a população é mais do que importante: é uma reivindicação por direitos, fundamental para uma vida de qualidade. Precisamos nos alimentar de forma nutritiva, bem como de um ambiente e de um planeta saudável para viver!

Que Omolú nos proteja e lute ao nosso lado.

Atotó.

 

 



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