Ação movida pela governadora de Roraima ataca direitos povos indígenas e comunidades tradicionais
A Terra de Direitos, organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, repudia a iniciativa da governadora de Roraima, Suely Campo (PP), em mover a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5905, ajuizada no dia 05 de março no Supremo Tribunal Federal (STF). A Ação questiona princípios da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tratam do direito dos povos indígenas serem consultados antes de decisões que afetem seus bens e direitos.
A governadora também questiona na ADI os processos de demarcação de terras indígenas no país e pede a suspensão temporária de todos os procedimentos administrativos e judiciais que tratem da titulação de terras indígenas no Brasil.
Em alinhamento às ações para avanço do mercado de terras sobre as florestas e o cerrado, a Ação defende o Parecer 01/2017 da Advocacia Geral da União que faz uso da tese do “marco temporal” como parâmetro para toda administração pública federal, direta ou indireta, em todos os processos de demarcação de terras indígenas.
Argumentos a favor do mercado
O alinhamento da governadora aos interesses do agronegócio está expressamente presente nos argumentos para suspensão da consulta pública aos povos indígenas. Na ADI, Suely sustenta que a consulta aos povos indígenas, como condição para executar obras públicas, “tem acarretado prejuízos estruturais ao desenvolvimento socioeconômico do Estado de Roraima”, em especial para atrair “investidores interessados na plantação de soja, e, nos demais segmentos do agronegócio”.
Na avaliação da Terra de Direitos, a governadora, que deveria zelar pelo cumprimento da Convenção 169 assinada pelo Brasil e pelo respeito à dignidade dos indígenas, sinaliza, com a ADI, claramente a favor do setor ruralista.
Outra questão é que a ADI inverte os lugares reservados pelo Estado aos indígenas e ruralistas. A ideia de que a execução das obras públicas depende do aval dos povos indígenas, obras que a princípio servem para melhora das condições de vida da população, reserva aos indígenas o papel de opressores. “Quem está em situação de opressão são os povos indígenas, e não os supostos ‘investidores’ do agronegócio. O apartheid é dos não índios contra os povos indígenas, que em geral não têm acesso a políticas públicas no mesmo grau de intensidade e proporcionalidade que secularmente o agronegócio tem”, afirma o assessor jurídico da Terra de Direitos, Fernando Prioste.
Preocupação da sociedade civil
O acolhimento da Ação pelo Supremo é visto com preocupação pela organização. Caso a Ação seja julgada procedente, a decisão pode balizar outros julgamentos referentes aos demais povos, como as comunidades quilombolas, por exemplo. “Qualquer interpretação que o STF dê à Convenção 169 da OIT se aplicará também aos demais povos e comunidades, inclusive quanto ao direito de consulta, mas também quanto aos direitos territoriais”, comenta Fernando.
Para a Terra de Direitos, a ADI se configura como uma ofensiva dos setores conservadores, entre eles o ruralista, contra o direito à terra e a participação social pelos povos indígenas. A análise da ajuizamento da ADI é de que ele também trata-se de uma retaliação aos avanços conquistados por esta população.
Outra preocupação é de que, na possibilidade do Ministro Luiz Fux, relator do processo, aceitar a ação, a sociedade civil não seja ouvida. “Espera-se que o Ministro Luiz Fux não conceda a liminar pleiteada, de modo a dar oportunidade para que povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, bem com outras organizações da sociedade civil, possam participar desse importante debate jurídico que afeta a vida e a dignidade de muitas pessoas, povos e comunidades que historicamente são oprimidas em nome da ordem e do progresso de poucos”, complementa Fernando.
Ações: Conflitos Fundiários
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos