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Artigo | Osvalinda e Daniel: a resistência agroecológica na fronteira do agronegócio


(foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil)

A agricultora Osvalinda Maria e seu companheiro Daniel Alves possuem uma trajetória de vida que sempre valorizou o cuidado com a terra. Exemplos de resistência camponesa na fronteira de expansão do agronegócio na Amazônia, encontraram no caminho antagonistas e se veem cercados de ameaças por todos os lados. A mais recente aconteceu no domingo (20), quando duas covas foram encontradas no  terreno da casa onde vive o casal. As cruzes na terra não deixaram dúvidas da explícita ameaça de morte.

A resistência de Osvalinda e Daniel já vem de tempo: esteve presente na luta de seus pais e avós que buscaram sobreviver da produção camponesa no nordeste do país e em Minas Gerais em terras livres de patrões. A trajetória como casal se inicia no Paraná, de onde partem, assim como milhares de famílias camponesas, em busca de melhores condições de vida no meio rural, longe dos latifúndios.

Estabelecidos em Itanhangá, no Estado do Mato Grosso, iniciaram cultivos de roça sem queima, priorizaram a diversidade da produção, e desenvolviam práticas de trabalho no campo que depois identificariam nos sistemas agroflorestais (SAFs) apresentados pelos técnicos agrícolas. A frente de expansão, no entanto, mais uma vez os alcançaria.

O município de Itanhangá foi tomado pela monocultura de soja e milho através da política nacional de fortalecimento das estratégias de captura de terra pelo agronegócio. O uso elevado de agrotóxicos nas áreas vizinhas, o controle da terra, do modo de vida pelas corporações do agronegócio e a pistolagem fizeram com que os dois saíssem mais uma vez em busca de terra, livre de patrões, da transgenia e dos agrotóxicos.

No Oeste do Pará foram criados desde o final da década de 1990, assentamentos da reforma agrária que atendiam o campesinato de fronteira. Famílias vindas do Maranhão e dos estados da região Sul, assim como parte dos ocupantes das glebas federais desde a política de incentivo a colonização, se tornaram beneficiários da política de reforma agrária. Entre os novos assentamentos criados, estava o Projeto de Assentamento (PA) Areia localizado no município de Trairão, região do Médio Tapajós, que passou a ser o novo lar do casal.

Ameaças

Osvalinda se tornou liderança do movimento de mulheres no local, buscou apoio técnico para que as mulheres pudessem ter sua própria renda com atividades agroecológicas. Uma referência na região, ela começou a ser visada pelos madeireiros, que perceberam na produção sustentável e na organização das mulheres uma afronta ao esquema de exploração ilegal de madeira no PA Areia e na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, confinante ao Projeto de Assentamento.

O descaso do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da fiscalização ambiental permitiu, na região, a formação de fortes grupos de poder com riquezas oriundas principalmente da exploração ilegal de madeira. As ameaças começaram. Em períodos diferentes, por pessoas diferentes, as ameaças sempre ocorriam associadas a esses grupos.

Apoiados pela Comissão Pastoral da Terra e pela Terra de Direitos, Osvalinda e Daniel foram incluídos no Programa de Proteção a Defensoras de Direitos Humanos. As tensões, no entanto, são constantes. Segundo a CPT da Prelazia de Itaituba, o PA Areia é emblemático na violação de direitos humanos: casos de trabalho escravo já foram identificados no PA, com muitas dificuldades de investigação por conta da lei do silêncio que impera no Assentamento. De acordo com a Pastoral, ocorreu uma grilagem de lotes da reforma agrária, já denunciada, porém sem resposta pela atual gestão da SR-30 do INCRA.

A exploração dos recursos naturais tende a subir consideravelmente seu nível de impacto ambiental e expropriação territorial. A localização do Projeto de Assentamento no município do Trairão é estratégica para o avanço do agronegócio. Nele estão sendo pensadas hidrelétricas, complexos de pequenas centrais hidrelétricas, ferrovias (Ferrogrão), e novos pátios para carretas das empresas portuárias instaladas em Itaituba, município vizinho.

Nesse contexto, que em maio de 2018, Osvalinda e Daniel tiveram que se deparar com uma ameaça arquitetada ainda não se sabe por quem. Cavaram ao lado da casa duas covas com uma cruz em cada. Osvalinda e Daniel são acompanhados com medidas protetivas ainda insuficientes. Eles requerem ao Estado brasileiro reforço de proteção para suas vidas.

O Estado brasileiro que reduziu orçamento para agricultura familiar e reforçou uma política de esvaziamento da reforma agrária, é o mesmo sujeito que debilita a proteção de defensoras de direitos humanos e não acelera o processo de investigação sobre os crimes de ameaça ocorridos contra o casal de agricultores.

Assista a história de Osvalinda em material produzido pela campanha Linha de Frente:

 



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos