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Associação de Catadores tenta acordo com Prefeitura de Curitiba para inclusão na política de resíduos sólidos


Prefeitura quer multar Associação da Sociedade Barracão pelo armazenamento de material reciclável nos terrenos das casas, sem ajudar com solução.

Grande parte dos moradores e moradoras da comunidade participaram da audiência

O impasse entre a Prefeitura de Curitiba e os moradores da comunidade Sociedade Barracão, localizada no bairro Boqueirão, na capital paranaense, avança para uma possível solução. Nesta segunda-feira (3), uma audiência de conciliação entre as duas partes caminhou para a finalização de um processo que já dura sete anos – e que tem atrapalhado a vida das 14 famílias que moram no local.

O processo movido pela Prefeitura e que pode gerar multa e desemprego para a comunidade foi suspenso e deve ser retomado em até 60 dias – prazo em que a poder público deve apresentar alguma proposta para inclusão da Associação formada pela comunidade na política de resíduos sólidos do município.

Primeira comunidade do Paraná a ter o direito de moradia reconhecido através do instrumento jurídico de usucapião coletivo, em 2013, a Sociedade Barracão é formada em sua maioria por pessoas que trabalham com coleta e separação de matérias recicláveis. Sem um galpão adequado para o trabalho, muitas pessoas se viram obrigadas a armazenar o material coletado em frente ao terreno onde moravam e também no interior de suas residências.

Por causa disso, a Prefeitura Municipal ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP), em 2012, para exigir a retirada do material do local, com risco de pagamento de multa a quem descumprisse a decisão. A justificativa para a Ação foi de garantir a tutela do “meio ambiente, da saúde e da vida humana”. A exigência da Prefeitura, no entanto, não levou em consideração a realidade de quem vive no local.

O terreno de 1.443 m² ocupado pela comunidade desde 1999 não comporta a instalação de um barracão. A área total é dividida em 12 lotes – uma média de 120,25m² cada um – onde estão instaladas as casas. Os moradores também reconhecem que armazenar o lixo no espaço de moradia não é adequado, mas não tem muitas alternativas para poder continuar seus trabalhos.

Sem ter onde armazenar o material reciclado, a integrante da Comissão Executiva da Associação de Catadores e Catadoras, Rucélia de Mello, está sem poder trabalhar com a reciclagem há dois anos. Ela conta que tem passado por dificuldades financeiras, mas pretende, assim que possível, voltar a trabalhar com a coleta e separação dos materiais. “Se tiver um barracão coletivo eu volto. Tenho mais dois filhos que moram comigo que também voltam a trabalhar”, fala.

Entraves burocráticos

É por essa razão que a comunidade reivindica que a Prefeitura contribua na solução do problema com a inclusão da Associação na política de resíduo sólidos do município, ao invés de apenas exigir que as pessoas optem entre ter moradia ou trabalho. Entre as possibilidades apresentadas ao representante do poder executivo municipal, o procurador Ítalo Tanaka Junior, está a de Prefeitura contribuir para a locação de um barracão onde possa ser armazenado o material reciclável coletado pela Associação. A responsabilidade, como pontua a comunidade, é mútua, uma vez que as famílias poderiam se comprometer a pagar o aluguel do barracão assim que tiverem o espaço.

Outro membro da coordenação executiva da Associação, João Luiz de Oliveira, conta que a comunidade tentou locar alguns imóveis, mas foram impedidos por empecilhos burocráticos. “Os proprietários dos lugares que a gente visitou pediram avalistas, e a gente não tem. Também não temos bens para oferecer sobre a locação de um barracão”, explica. 

Pela quantidade de famílias da comunidade que trabalham com a coleta e separação do material, não seria possível dividir o espaço com outra associação.

A Associação Barracão foi uma das primeiras comunidades a ser contemplada pelo Programa Ecocidadão, que repassa para as associados de catadores de materiais recicláveis os resíduos da coleta seletiva de Curitiba. No entanto, a burocratização e exigências da Prefeitura impediram que as famílias pudessem se manter no Programa e/ou candidatar em novo edital, apesar das tentativas feitas no primeiro semestre desse ano (2018).

A expectativa dos moradores é que, na retomada da audiência de conciliação, a Prefeitura assuma sua responsabilidade em relação à Associação de catadores, como fala João Luiz. “A gente tá sobrevivendo disso daí, do material. E também estamos ajudando a limpar o município. O prefeito tem que ver nosso lado também”.

Responsável por mediar a conciliação, o juiz Guilherme de Paula Rezende também reconheceu a responsabilidade do município no caso. “Essa Ação Civil Pública não é tão simples. Não se trata apenas do recolhimento do lixo, mas também de inclusão social”, destaca.

A audiência foi acompanhada pela Promotoria de Justiça em Habitação e Urbanismo, pela Defensoria Pública, Secretaria Municipal de Saúde e Cohab. A defensora do Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas da Defensoria Pública do Paraná, Olenka Lins, também elogiou a determinação do juíz em convocar a audiência e solicitar a presença das secretarias competentes para resolver a questão de fundo.

A presença desses órgãos também é um das recomendações da Resolução n° 10 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), aprovada em outubro deste ano, e que orienta que órgãos públicos que possam contribuir nos debates relacionados aos conflitos fundiários participem das discussões, “devendo esses aportar propostas e informações relevantes para a solução do conflito”. Por essa razão, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente será oficiada para que traga informações e participe na próxima rodada de conversas presenciais.

Moradia digna

Advogada popular da Terra de Direitos que representou a comunidade, Maria Eugenia Trombini, também lembrou que se passaram muitos anos desde o ingresso da Ação pela Prefeitura, e que a realidade no local atualmente é bem diferente. Recentemente, os moradores do local organizaram um mutirão para reurbanização da área. No local onde antes estava armazenado o material reciclável foram construídas calçadas. “Além disso, após a ACP a comunidade foi contemplada com a ação de usucapião”, aponta.

Os moradores estão reurbanizando a área. Em parte do terreno, já foram construídas calçadas

Segundo ela, o desafio agora é também garantir uma moradia digna para as pessoas da comunidade. Apesar de terem reconhecida a posse da terra, as famílias ainda não têm o título da terra, pois desde 2015 tramita recurso contra a decisão do Tribunal de Justiça que votou pelo direito de usucapião. O recurso é movido pela antiga proprietária do terreno no Superior Tribunal de Justiça.

Pela falta de regularização da área, as famílias ainda sofrem com a falta de infraestrutura. Apesar de ter sido acionada judicialmente e administrativamente, a Companhia Paranaense de Energia (Copel) ainda não fornece energia elétrica individualizada para as casas.  A Concessionária de serviço público alega que o fornecimento depende da comprovação da propriedade do imóvel.

Os mesmos argumentos foram superados pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba no ano de 2016, quando a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) foi obrigada, por decisão do pelo juiz Marcos Vinícius Christo, a efetuar o fornecimento básico de água de forma individual.

Para a procuradora de Justiça de Habitação e Urbanismo que acompanhou a audiência, Aline Bilek Bahr, não há motivos que justifiquem o fato de a Companhia não oferecer esse tipo de serviço para a comunidade. “A Sociedade Barracão não é uma ocupação de uma semana. É uma ocupação consolidada. As famílias têm direito a esse serviço essencial”, destaca.

Por essa razão, o juiz Guilherme Rezende irá oficiar a Copel para que forneça energia para as casas, de forma individualizada. “Precisamos buscar condições de plena moradia a quem está aqui presente”, justifica.



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Ações: Conflitos Fundiários
Casos Emblemáticos: Sociedade Barracão
Eixos: Terra, território e justiça espacial