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Carta de Apoio à Luta dos Sem-Tetos do “Sonho Real”


Articulados os interesses do capital imobiliário, construtoras e proprietários fundiários, poderes executivos e legislativos municipal e estadual, judiciário local, políticos e seus partidos, movimento social alienado e sujeito de arranjos e disputas eleitorais vazias e reprodutoras do patrimonialismo, foram exemplo da farsa democrática que impera no país, e da sistemática violação de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais promovida pelo terrorismo de Estado a serviço dos macro-atores subalternizados, quando não hegemônicos.O histórico da ocupação do Parque Oeste Industrial, conhecida como "Residencial Sonho Real", um terreno de aproximadamente 80,5 hectares concebido inicialmente para abrigar plantas industriais que, abandonado e ocioso, sem qualquer destinação econômica ou social, e situado próximo à região central da cidade, em área de fácil acessibilidade e forte apelo especulativo para os produtores do espaço, é característico da trama de relações existentes entre os donos do poder e seus agentes instituídos no aparelho de repressão estatal, no executivo, no legislativo e no judiciário.

O enredo desse contexto teve como pano de fundo a disputa eleitoral para a Prefeitura Municipal de 2004 e mesmo, em relação aos desdobramentos posteriores à desocupação das cerca de quatro mil famílias que lutavam por um lugar onde morar, a disputa já de 2006 para Deputados estaduais e federais, Senadores, Governador do Estado. Os limites da intervenção dos instrumentos de proteção à pessoa humana constituídos pelo sistema nacional de defesa dos direitos humanos ficaram manifestos na forma como se conduziu a investigação e responsabilização das autoridades públicas goianas envolvidas nas operações "Inquietação" e "Triunfo", incumbência a cargo delas próprias.

Mas, principalmente, ficaram manifestos na resposta oferecida às vítimas do despejo forçado realizado pela polícia militar goiana: o deslocamento para terreno mais à margem, em local de difícil acesso na periferia da cidade, onde se encontram acampados em barracos precários, improvisados, distantes dos centros comerciais, carentes de serviços públicos de saúde, sem escola, com alimentação insuficiente; ou seja, a intervenção pública não fez outra coisa senão conformar o espaço ao gosto de interesses bem definidos, afastando, expulsando numa tentativa de fazer invisível parte da humanidade já não essencial para a acumulação do capital, pessoas que já despojadas de pertenças materiais são, então, afetadas também em sua alteridade, em suas crenças, em seus ímpetos, em sua ousadia.

Depois de quatro meses alojados em ginásios esportivos, expostos a condições insalubres de convivência num ambiente degradante e que levou a morte, além dos executados pela repressão estatal, outras quatro pessoas vítimas da construção do espaço segundo o interesse do capital imobiliário e dos proprietários fundiários. O drama que enfrentam os desalojados do Parque Oeste Industrial é uma clara demonstração de que a pessoa humana está longe de ser o objetivo das políticas públicas.

Pirotecnias e ações panfletárias recentes de algumas autoridades goianas só fazem aumentar a contradição experimentada pelas famílias do Sonho Real: • primeiro o estímulo à ocupação e a bajulação interesseira do período eleitoral; • depois a repressão estatal orquestrada para atingir objetivos bem definidos com a desocupação; • e, então, o descaso e a leniência do poder público municipal, estadual e federal num "jogo de empurra"; • agora, certo assistencialismo astuto, pois quem vai carregar o mérito de todas as violências praticadas contra essas pessoas? Elas próprias?

A Missão da Relatoria para Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana da Plataforma DhESC Brasil em Goiânia, realizada junto com a Relatoria para Direito à Alimentação, Água e Terra Rural, ganha sentido na medida em que reforçar o pleito de reparação dos danos de toda sorte experimentados por essas famílias do Parque Oeste Industrial, e evidenciar o comprometimento das investigações realizadas pelos próprios acusados de violar os direitos humanos. O que, neste caso, só faz premente a federalização do caso como uma tentativa de garantir a responsabilização das autoridades públicas envolvidas neste triste episódio.

Autor/Fonte: Terra de Direitos




Eixos: Terra, território e justiça espacial