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Central para responsabilização do assassinato de Marielle, investigação deve ser conduzida com transparência


Família da vereadora e defensora de direitos humanos e do motorista Anderson reivindicam participação e acesso à investigação. 

Foto: Midia Ninja

No marco dos 5 anos desse crime, as familiares e organizações que integram o Coletivo Justiça para Marielle e Anderson realizaram uma série de reuniões com autoridades públicas envolvidas com o caso, a exemplo de representantes do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Superintendência da Polícia Federal, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Procuradoria Geral de Justiça, Superior Tribunal de Justiça, dentre outros.  O Coletivo é composto pelo Instituto Marielle Franco, por viúva Mônica Benício, por Agatha Reis, e as organizações Justiça Global, Terra de Direitos, Coalizão Negra por Direitos e Anistia Internacional.
 
No âmbito do sistema de justiça há um importante debate em curso: a necessidade de transparência e a garantia de acesso dos familiares às investigações sobre os mandantes, como um mecanismo que, com amparo na jurisprudência e parâmetros internacionais em matéria de direitos humanos, constitui um elemento fundamental para uma investigação eficaz.    

“Ao longo dos anos, houve várias mudanças no comando das investigações, obstruções, vazamento de informações e na maioria das vezes, nós, os familiares, só tomamos conhecimento das trocas no comando das investigações por meio da mídia. Os familiares e a Fernanda, a única sobrevivente do crime, não temos acesso à investigação sobre os mandantes do crime. Isso mostra que o acesso à justiça para nós não é fácil”, aponta a filha de Marielle Franco, Luyara Santos, em entrevista para a Agência Brasil.  

Uma preocupação central nas incidências junto às diversas autoridades públicas é de que o caso não permaneça na impunidade, como têm acontecido historicamente com os crimes cometidos contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil, levados à esfera internacional em razão da falta de respostas das autoridades internas.  

É o caso do assassinato do trabalhador rural Antônio Tavares e agressão a mais de 185 manifestantes pela Polícia Militar do Paraná ocorrido em 2000 e cuja impunidade levou à denúncia do caso perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. No mesmo ano da intensa agressão dos agentes de segurança pública aos sem-terra, o inquérito policial foi arquivado, sem garantia do acompanhamento das investigações por familiares e defensores de direitos humanos. Mais de 20 anos depois do episódio, o caso permanece na completa impunidade. Diante da ausência de responsabilização pela justiça brasileira, a família de Tavares e organizações – entre elas a Terra de Direitos – recorreram à Corte Interamericana de Direitos Humanos e aguardam a decisão do órgão sobre o caso.  

As legislações penal e processual brasileiras ainda não possuam mecanismos que garantam a participação de familiares e de defensores e defensoras de direitos humanos em todas as fases de um processo, e especificamente na fase das investigações, em descompasso com entendimento consolidado no âmbito da Comissão (CIDH) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). O direito de participação e acesso também foi evocado pelos familiares do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, na terra indígena do Vale do Javari, no Amazonas, assassinados na terra indígena do Vale do Javari, no Amazonas, do último ano.  

O assassinato da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes em 14 de marco de 2018 constitui um marco do processo de intensificação da violência política e da violência contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil. 

Enfrentamento à impunidade como aspecto central  
No Relatório sobre a Situação de Direitos Humanos no Brasil (2021), a Comissão de Direitos Humanos (CIDH) já vinha apontando a fase da investigação como um obstáculo marcante para a responsabilização dos agentes violadores. Para a CIDH a “impunidade propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos e a total vulnerabilidade das vítimas e de seus familiares” (...) de modo que “a ausência de investigação das violações a direitos humanos e de responsabilização dos perpetradores transcende o direito individual das vítimas e de seus familiares à justiça e à verdade, pois se converte em um fator para a repetição dessas violações”, apontam trechos do relatório.  

A CIDH ainda enfatiza que o enfrentamento à impunidade deva ser eixo central na ação dos países e política transversal na atuação dos órgãos de governo, com previsão orçamentária, recursos técnicos, humanos e de infraestrutura para adequada investigação, julgamento e punição a quem viola direitos humanos.  

A resolução do crime que vitimou Marielle Franco também é defendida pelo relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Liberdade de Associação e Reunião Pacífica, Clément Voule. Em novembro, o relator enfatizou que o estado brasileiro “tem a obrigação de garantir que a impunidade não prevaleça no caso do assassinato de Marielle Franco”. Que, para ser levado a sério, o Brasil “terá de lidar com esse caso", e "precisa garantir que as investigações cheguem até as pessoas que ordenaram o crime, e não apenas até quem puxou o gatilho. Mas quem planejou e quem está na base disso", disse. "Isso deve ser uma prioridade, inclusive para a imagem do Brasil".  

A memória sobre esses fatos e a busca pela responsabilização de executores e mandantes é algo central na agenda de direitos humanos do nosso país. Segundo Camila Gomes, Coordenadora de Litigância e Incidência Internacional da Terra de Direitos, “esse caso chama atenção para uma realidade de uso da violência como instrumento para frear a luta social por direitos e para impedir que mulheres negras, indígenas, trans e outros grupos sub-representados ocupem os espaços da política institucional, situação que não pode ficar impune e precisa ser enfrentada com urgência”. Essas violências, complementa, constituem, em última análise, “um forte obstáculo ao fortalecimento da nossa democracia”.  

 



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos