Comissão do Senado rejeita projeto que retira selo de transgênicos dos rótulos dos alimentos
Lizely Borges
De defesa por expoentes do agronegócio, o Projeto de lei afeta duplamente consumidor e pequenos agricultores. Matéria segue para Comissão de Agricultura
O Projeto de Lei da Câmara (PCL) 34/2015 que altera as regras de identificação e rotulagem de alimentos que contenham transgênicos foi rejeitado, nesta quarta-feira (21), pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. O relatório da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), de parecer contrário ao projeto, foi acolhido pelo Colegiado.
De autoria do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), membro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a proposta altera a Lei de biossegurança (11.105/2005) ao propor regras mais flexíveis para a indústria de alimentos, bebidas e rações que faça uso de organismos geneticamente modificados (OGMs).
A atual legislação exige que o consumir seja obrigatoriamente informado, no ato da compra, sobre a presença de transgênico na composição do produto. A regra vigente é que todo produto que contenha transgênico, independentemente de sua porcentagem na composição final do material, apresente o triângulo amarelo com a letra "T" no rótulo da embalagem. Caso o PLC seja aprovado, apenas produtos com quantidade de OGMs superior à 1% de sua composição final irão conter a informação na bula do rótulo, e não mais como símbolo.
Outro problema é que o PLC altera o momento de detecção dos OGMs nos produtos para definição da rotulagem. Pela regra atual basta que o produto contenha matéria prima transgênica para que receba o selo informativo. Pela nova proposta, a identificação de quais materiais levam ou não a informação é feita por uma “análise específica”, ou seja, o produto final é avaliado isoladamente em testes de laboratório.
De acordo com a assessoria jurídica da Terra de Direitos, o problema está no fato de que a maioria dos alimentos que contém OGMs em sua composição são ultra processados, tais como óleos e margarinas, com processos industriais de fabricação que danificam o DNA do produto. Com o DNA danificado há uma dificuldade técnica em identificar a presença de matéria-prima transgênica no produto. Como resultado, alimentos com organismos geneticamente modificados, independente da porcentagem, podem não ser rotulados como contendo transgênico.
‘O consumidor tem [pela proposta do PLC] violados os direitos à informação, à saúde e alimentação adequada, vez que a retirada do símbolo "T" e a análise de transgenia somente no produto final impossibilitam a escolha segura e consciente dos alimentos consumidos”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt.
De acordo com organizações que atuam na área da saúde se o fornecimento de informações sobre qualquer produto é central para garantir ao cidadão o direito à escolha do que consome ainda cuidadoso deve ser para àquele que contem OGMs. “É uma roleta russa, não sabemos o que pode acontecer, e temos que ter o princípio da cautela”, defende a diretora da ACT Promoção da Saúde, Paula Johns, sobre as dúvidas e incertezas que pairam sobre o processo de alteração do material genético e o impacto dos transgênicos para saúde humana e dos animais.
Paula ainda se vale do argumento da indústria dos alimentos para reforçar a defesa do selo informativo nos alimentos que contenham transgênicos. “A indústria alega que o transgênico não tem problema nenhum, e que não tem evidencia de que faça mal. Se alega que não faz mal e que acha o transgênico é bom, qual o problema de que as pessoas tenham a informação de que o alimento contenha transgênicos?”, questiona.
“Na realidade o que este projeto está fazendo é modificando as regras que regem os alimentos que contem organismo geneticamente modificados. Quando foi liberada a produção de alimentos transgênicos, por ser um tema muito novo foi pacificado que seria adotado uma conduta de muito cuidado em torno da matéria a fim de que garantisse a segurança alimentar das pessoas e o acesso às informações, para que as pessoa pudessem ter o livre arbítrio de escolher alimentos [que consomem]”, complementa a senadora Vanessa Grazziotin.
Ataque ao agricultor de base agroecológica
Outra modificação prevista no PLC é de que os alimentos que contem a identificação livre de transgenia deverão passar por exames laboratoriais. Na avaliação de parlamentares opositores à matéria e organizações socioambientais, o PLC inverte a lógica da informação: desobriga a indústria de produtos transgênicos a informar sobre a transgenia e obriga o produtor de base agroecológica, que não faça uso de transgênicos, a provar a ausência de OGMs no produto.
“Os agricultores que produzem alimentos não transgênicos são penalizados ao terem sua produção equiparada aos produtos modificados geneticamente. A lógica praticamente se altera, é o produtor agroecológico ou livre de OGMs que terá de rotular ou sinalizar ao consumidor que seu produto não é transgênico. Além disso, os testes de transgenia são caros, o que dificulta a comprovação dos produtos não contaminados por transgênicos”, denuncia Naiara.
Para a senadora a exigência de exames para utilizar o selo de “livre de transgenia” confere ao projeto um caráter “duplamente perverso”, na medida em que fere o direito à informação ao cidadão e instituí rígidas regras ao produtor que ainda resiste em produzir sem transgênicos. “Estamos prejudicando os produz que ainda insistem com muita dificuldade que estão produzindo alimento livre de transgenia”, complementa a senadora.
Interesse da bancada ruralista
A defesa do PLC pelos parlamentares vinculados ao agronegócio evidencia não apenas os interesses mercadológicos se sobrepondo à defesa da saúde da população, como também revela que a própria bancada ruralista, majoritária no Congresso Nacional, reconhece o transgênico como produto de valor negativo. “Você colocar o “T” bem grande no produto para quê? Para desvalorizar nosso produto? Colocar na embalagem esse “T” de um frango, de um leite é desmerecer nossos produtos. Não tem necessidade”, argumenta o senador Cidinho Santos (PR-MT) durante sessão desta quarta-feira, em reconhecimento de que a preença do símbolo "T" nos alimentos pode gerar reflexões pela sociedade sobre o que significa e recusa ao consumo do produto. Membro da FPA e organicamente veiculado ao Ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-MG), tendo exercido o cargo de secretário-extraordinário durante governo de Maggi em Mato Grosso e segundo maior doador de campanha do Ministro, Cidinho elaborou parecer favorável à materia na Comissão de Reforma Agrária e Agricultura. O parecer foi acolhido pelos membros da Comissão.
O resultado da votação do relatório da senadora Vanessa Grazziotin, de parecer contrário ao projeto, pela CAS expressa a tensa correlação de forças no Congresso Nacional, com nove votos a favor e sete contrários. Com forte expressão da bancada ruralista nas duas casas legislativas, o projeto de interesse da Frente Parlamentar da Agricultura tramita em ritmo acelerado. Depois de ser rejeitado pela CAS e Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, e aprovado pela Comissão de Reforma Agrária e Agricultura, a matéria segue para apreciação pela Comissão de Meio Ambiente.
Ainda que 32 dos 81 senadores possuam vínculos estreitos com interesses do agronegócio (Dados Agência A Pública), organizações da sociedade civil defendem que a incidência popular e pressão aos parlamentares podem alterar esta correlação desfavorável. “A vitória parcial na CAS foi um resultado positivo porque demostra que a sociedade civil e movimentos sociais tem conseguido se mobilizar e deixar claro que é muito mais que um símbolo, é direito de escolha, é direito de decidir, e não faz sentido não ter isso. Mesmo em espaço desfavorável vamos continuar pressionando”, relata o especialista em políticas públicas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumir (Idec), Renato Barreto.
A consulta pública sobre a matéria segue aberta a votações no site do Senado. Até o momento a consulta contabiliza 15.700 contrários ao Projeto e 800 favoráveis. Para votar clique aqui.
Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar