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Editorial Terra de Direitos: Racismo, Direitos Humanos e Democracia


 

Organização reafirma a continuidade da luta por uma sociedade sem racismo.

A Terra de Direitos, enquanto organização de direitos humanos, tem dentre seus principais objetivos e métodos a luta pela superação das diversas modalidades de racismo que afetam a população negra no Brasil, mas também, como vemos de forma ainda mais evidente nesse momento, por todo o planeta. Compreendemos os direitos humanos como processo contínuo de luta pela sua concretização nas diferentes realidades sociais, desnudando-as para que se evidencie as diferentes situações em que direitos são negados ou materialmente não consolidados pelas instituições.

É neste sentido que a Terra de Direitos se coloca como aliada na luta antirracista, destacando a importância da campanha protagonizada pelos movimentos negros e com amplo apoio do conjunto da sociedade - “enquanto houver racismo, não haverá democracia”, lançada na forma de manifesto no último dia 15 de junho. Assinam o manifesto 38232 pessoas até o momento, ora ratificado em forma de aliança à essa luta.

Se enquanto houver racismo não haverá democracia, tampouco haverá direitos humanos concretizados. Direitos humanos materializados em direitos e políticas públicas, sempre constituíram um horizonte negado à população negra no Brasil, em um processo de abolição formal desassociado de direitos e garantias, mantendo as bases desiguais do regime de aprisionamento anterior.

O mito da democracia racial não deixou de produzir seus efeitos. A harmonia anunciada pelo Estado brasileiro mundo afora precisou de toda uma tradição de estudos do pensamento social brasileiro para ser confrontado e evidenciados o conflito e a violência vivenciados pela população negra. O racismo como sistema baseado na supremacia de uma raça e na inferioridade de outra, foi a base de formação do Estado brasileiro e estruturou um aparato complexo entre repressão e privação - políticas de segurança que tem na população negra seu principal alvo de repressão, políticas fundiárias excludentes, e ausência ou precarização de políticas públicas de saúde, educação, assistência social, entre outras. Por todos os lados o que se vê é a obstaculização das condições de existência da população negra, apesar de representar 54% da população brasileira, mas não sem reação. 

A pandemia que afeta desigualmente a população negra, precarizando ainda mais suas condições de vida, desnuda as crises que há muito afligem essa parcela da população mundial. De fato, toda essa precarização tem na população negra seu alvo prioritário.

Direitos Humanos e a Luta Antirracista 

A Terra de Direitos, por acreditar no processo de luta por direitos humanos, bem como em uma sociedade e Direito antirracistas compreende que os debates em torno do sistema de justiça são fundamentais, posto que historicamente esse se mostrou hermético às demandas da população negra e pelos demais setores populares. 

Assim, a Organização pauta sua atuação também em torno do papel do sistema de justiça, denunciando ao conjunto da sociedade as práticas racistas que ainda o configuram, ao mesmo tempo em que chama a atenção para a responsabilidade desse mesmo sistema, em não obstaculizar mudanças sociais urgentes. É o sistema de justiça responsável por fazer cumprir e garantir a realização dos direitos conquistados com luta pela população negra, sendo necessário que haja porosidade às legislações e direitos que têm implicações diretas sobre a questão racial.

Os tribunais brasileiros são majoritariamente compostos por pessoas brancas: cerca de 70% dos integrantes da carreira e 82% na Justiça Federal, ao passo que não representam sequer a metade da população brasileira no censo demográfico, como aponta dados do Conselho Nacional de Justiça.

O sistema de justiça, ao mesmo tempo que tenta ampliar o acesso da população vulnerável, não garante acesso à justiça às pessoa negras, pobres e periféricas, que são as mais afetadas pela estrutura social racista, na qual se inclui o próprio sistema, que em sua origem tem na exclusão e repressão a principal gramática de relação com as populações negras.

A legitimação de ações racistas e discursos de ódio contra o povo negro e quilombola ocorre quando o sistema de justiça deixa de aplicar as devidas sanções às autoridades públicas que proferem tais discursos. Lembremos da fala do atual Presidente da República, à época deputado federal, que equiparou a população negra a animais, ao utilizar o termo “arroba” em referência ao peso das pessoas negras quilombolas, já que arroba é medida do peso do gado. Denunciado pelos movimentos sociais negros e pelas demais organizações de direitos humanos, o Inquérito 4.694-DF, foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal por considerar tais afirmações como liberdade de expressão. 

Soma-se a tal situação, as falas do atual presidente da Fundação Cultural Palmares, principal órgão de representação da população afro diáspora brasileira, erguida por força do movimentos negro e quilombola no país, em que legitima a escravidão, dando-a como benéfica à população negra. Além da fala do Procurador do estado do Pará, então ouvidor da procuradoria do Pará, em face do qual corre no Conselho Nacional do Ministério Público, Processo Administrativo Disciplinar (PAD) movido pela Terra de Direitos, Movimento quilombola e Ordem dos Advogados do Brasil.

Os impactos sociais produzidos pela impunidade e desresponsabilização pelos múltiplos casos de racismos praticados por autoridades públicas são diversos. Dentre eles, o mais perverso é o crescente aumento da manifestação de práticas discriminatórias racistas por todo o aparato institucional do Estado, sobretudo o repressivo. Isso porque, aqueles que reiteradamente, cometem o crime de racismo, vêem isso como uma permissão para continuar as suas práticas racistas contra a população negra.

Neste sentido, cabe nos perguntarmos que sistema de justiça queremos? E sermos assertivos na afirmação de que ele só poderá se afirmar como um sistema que garanta justiça, seja na sua estrutura, seja no conteúdo das suas decisões, ao garantir proteção à população negra sendo antirracista.

Todas as denúncias aqui mencionadas, foram produzidas em conjunto com movimentos negros e quilombolas, parceiros da Terra de Direitos, afirmando que enquanto houver racismo, não haverá democracia, tampouco efetivação de direitos humanos, sendo essa luta traduzida em práticas concretas através da assessoria jurídica popular engajada.

Por uma Terra de Direitos, o que necessariamente implica em dizer por uma terra antirracista!

 




Eixos: Política e cultura dos direitos humanos