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“Eles estão fazendo aos pedacinhos para fugir das obrigações”, dizem quilombolas afetados pela BR 135


Com início das obras autorizado pela Justiça Federal, duplicação do segundo trecho da BR 135, no Maranhão, já amedronta quilombolas das cidades próximas.

Após cancelamento de contrato com empresas que duplicaram primeiro trecho da BR 135, Exército tem trabalhado nas obras de recuperação da rodovia

A possibilidade de continuação das obras de duplicação de 18km da BR 135, entre as cidades de Bacabeira e Santa Rita, no Maranhão, assusta também quilombolas de outros municípios próximos.  Isso porque eles sabem que, se a duplicação desse segundo trecho se concretizar eles serão os próximos impactados pela possibilidade de duplicação.     

É o que teme Celso Isidoro Pacheco, presidente da Associação Quilombola Joaquim Maria, de Miranda do Norte. “A qualquer momento eles podem estar em outro trecho - ainda mais o exército trabalhando nas obras”.

O projeto iniciado pelo Departamento Nacional de Infraestutura e Transporte (DNIT) em 2017 previa a duplicação da BR entre os municípios de São Luís à Miranda do Norte. Com a finalização das obras de um primeiro trecho em 2017 e com a possibilidade de andamento das obras da segunda parte - e que foi autorizada de forma arbitrária, em plena pandemia –, as comunidades entre Bacabeira e Miranda do Norte podem ser as próximas na rota da violação de direitos.

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Em 2017, na primeira tentativa de duplicação da BR, os trabalhos chegaram a ser iniciados – máquinas derrubaram a vegetação ao lado da rodovia, para a construção da nova pista. Mangueiras e pés de azeitona – cujos frutos eram fonte de renda dos quilombolas – foram derrubados. “O DNIT e todo os órgãos que estão em volta dessa situação não estão se dando conta do que isso poderá ocasionar para essas vidas negras e para as pessoas que moram em volta da BR”, se revolta Celso, que também é coordenador da Juventude Quilombola da Conaq. “Não consideram os impactos para renda das famílias, nem a dificuldade dos moradores que precisam estar indo e vindo, atravessando a BR”.

Uma das assessorias jurídicas da Terra de Direitos que acompanha o caso, Maíra Moreira lembra que o direito das comunidades está assegurado na Constituição Federal, como nos artigos 215 e 216 - que determinam que o Estado deve garantir e incentivar o pleno exercício dos direitos culturais – e no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que reconhece o direito à terra das comunidades quilombolas. “O início das obras sem os estudos necessários pode fazer com que seu patrimônio material e imaterial fiquem expostos e sejam irrecuperavelmente atingidos”, alerta.

Você pode conferir alguns dos impactos da duplicação da BR 135 sobre os quilombos na cartografia social produzida pelo Comitê de Defesa dos Direitos dos Povos Quilombolas de Santa Rita e Itapecuru Mirim. Acesse

‘Tapa-buraco’ na pandemia

As obras de duplicação da BR 135 não são marcadas somente pelas irregularidades e violações de direitos das comunidades quilombolas, mas também pelo dispêndio do dinheiro público. O primeiro trecho duplicado – entre a capital São Luís à Bacabeira -  apresentou buracos e ondulações no asfalto poucos meses após a finalização, em 2018. A obra de 26 km que foi iniciada em 2012 e estava prevista para ser entregue em 2014 custou R$ 461 milhões aos cofres públicos. Na época, o DNTI chegou a admitir que o sistema usado na pavimentação da duplicação da BR era ultrapassado, e que a tecnologia usada não levava em consideração o movimento de cargas pesadas ou o clima da região.

Na metade de 2019, a Advocacia-Geral da União (AGU) determinou que as empresas Serveng/Aterpa , responsáveis pela duplicação da rodovia, fizessem obras de recuperação entre os km 25 e 51,3, que apresentaram degradações após três meses de uso. Em fevereiro deste ano, durante uma reunião com empresários, o Superintendente Regional do DNIT, Glauco Ferreira da Silva, informou que os contratos com  a Serveng/Aterpa foram rescindidos, e que um Termo de Execução Descentralizada (TED) foi acertado com o Exército Brasileiro, para duplicação de mais um trecho. Na reunião, foi anunciada também a restauração a partir do Km 53,4 até o Km 125,72.

Desde o ‘descobrimento’ do Brasil

A insegurança em relação à obra também é compartilhada pela quilombola Eliane Frazão, do Quilombo São Roque, em Anajatuba (MA). “Nossa preocupação é que eles estão fazendo aos pedacinhos para fugir das obrigações”, conta. Ela, que é liderança da União das Associações Remanescentes que Quilombo do Município de Anajatuba (Uniquituba), reforça que a violação de direitos enfrentada pelas comunidades no segundo trecho é uma violação de direitos a todos os quilombos da região. “Se nós quilombolas deixamos passar nesse pedaço entre Bacabeira e Santa Rita, sem nenhum respeito, pode ser feita duplicação do restante sem nenhum respeito também”.

A crítica da falta de informações sobre a obra é consenso entre todos e todas. Sem diálogo por parte do DNIT e sem consulta prévia, as comunidades não conseguem ter dimensão de quais serão os impactos. Para Eliane, uma das grandes preocupações está relacionada as nascentes e córregos próximos à BR. Segundo ela, diversos igarapés já foram perdidos com a chegada da BR. “Nós sobrevivemos do peixe, do caranguejo, do camarão... Como vai ficar nosso futuro, dos netos e da nova geração que vem por aí?”, questiona.

Mas ela destaca: “A gente não é contra que aconteça, que tenha melhorias. A gente é contra é de eles não explicarem para gente o verdadeiro sentido desse projeto”. E ressalta: “Enquanto eles não mostrarem o sentido do projeto e não realizarem a Consulta Prévia, vão acabar perdendo tempo, porque vamos brigar na justiça”.

Mais de 4 mil famílias das 24 comunidades quilombolas de Anajatuba devem ser impactadas por mais essa obra. E não são poucos os desafios enfrentados pelos quilombos do município, que já foram afetados pela construção da Estrada de Ferro Carajás, da mineradora Vale, na década de 1980. Agora, as comunidades também resistem contra a instalação de um linhão que deve passar pelas comunidades.     

 “É uma violação de direitos que vem desde que ‘descobriram’ o Brasil, trouxeram o povo à força, libertaram e jogaram por aí”, completa.



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Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial