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Especial Julho das Pretas: A luta por moradia digna e as mulheres negras periféricas


“A carne mais barata do mercado é a carne negra

que vai de graça pro presídio
e para debaixo de plástico
que vai de graça pro subemprego
e pros hospitais psiquiátricos

(Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette)

 

O debate sobre o direito à cidade e à moradia digna tem se constituído como grande incomodo aos sistemas estruturantes da sociedade brasileira, principalmente aos governos conservadores em todo o país. Primeiro porque tratam da observação, análise, transformação e de uma nova noção de espacialização urbana, na terra e no território onde se busca o fim da segregação espacial. Segundo, porque emerge o debate até então invisibilizado pelos espaços urbanos: a marginalização das populações negras, pobres, periféricas e em situação de rua.

De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 43% da população negra no país encontra-se abaixo da linha da pobreza e 19% recebe menos que ¼ do salário mínimo. Não é preciso que se vá muito longe nos espaços da cidade, para perceber que este grupo populacional vive, em sua maioria, em bairros mais distantes e segregados, assentamentos subnormais, favelas e ocupações à margem do centro urbano. Estão longe dos equipamentos estatais que garantem uma qualidade de vida e segurança, das melhores infraestruturas e, por consequência, longe de seus locais de trabalho.

O IPEA também aponta que as mulheres negras ocupam e chefiam o maior percentual de habitações irregulares e assentamentos subnormais no país, ou seja, de moradias localizadas em área de risco, ocupações ou em condições precárias. No ano de 2003, mais de 5% das habitações chefiadas por pessoas negras eram subnormais, enquanto 2,6% dos domicílio chefiados por pessoas brancas estava nessas condições. Dados coletados pelo Ipea em 2009, revelam as pessoas negras chefiam 66% dos assentamentos subnormais[1].

Ao olhar os números sobre esses domicílios, às desigualdades de gênero – para além das de raça – ficam muito aparente. Na pesquisa divulgada pelo Ipea em 2003 aponta que 6,4% das moradias chefiadas por mulheres negras eram subnormais (ou seja, precárias), enquanto apenas 2,4% das habitações chefiadas por homens negros estavam nessas condições.

Qualidade de vida
Neste recorte urbano (centro/zonas residenciais/periferias), o que se verifica é que, quanto mais distante dos grandes centros, mais precárias também são suas condições de vida, a qualidade de suas habitações, a ausência dos aparelhos estatais que englobam o direito à moradia digna, como serviços de água, luz, esgotamento sanitário, coleta de lixo, assim como escolas públicas, postos de saúde, supermercados, calçamento, asfalto, iluminação pública, praças, pontos de transporte público e parques ecológicos.

De acordo com a revista do IPEA, em 2009, 90,1% dos domicílios da população negra possuíam abastecimento de água adequado, contra 94,8% para a população branca. Este índice se agrava quando se relaciona aos domicílios chefiados por mulheres negras, onde apenas 88,5% possuíam abastecimento de água adequado, índice consideravelmente menor que o de domicílios chefiados por mulheres brancas (93,3%). Quanto ao esgotamento sanitário, os índices também são discrepantes: 77,1% para domicílios da população branca e somente 60% para domicílios da população negra. Ainda, 78,4% dos domicílios chefiados por mulheres brancas possuíam o sistema de esgotamento sanitário, enquanto apenas 61,8% dos domicílios chefiados por mulheres negras o possuíam[2].

Esta diferença nos níveis de qualidade de vida se reflete em dados como os apontados pelo IPEA em relação à expectativa de vida das populações negras, o qual destaca que entre as mulheres negras é de 69,5 contra 73,8 de mulheres brancas[3], ou ainda no alto índice de homicídios de mulheres negras destacado em nosso texto inaugural.

Em relação às diferenças de estrutura familiar segundo a raça/cor dos chefes do domicílio, pode-se perceber, pela análise do gráfico abaixo, as mulheres negras são em número maior as responsáveis por famílias do tipo “mulher com filhos” quando comparadas às mulheres brancas. Por outro lado, as brancas tendem a predominar na estrutura “unipessoal feminina”, o que pode estar relacionado às melhores condições econômicas da população branca em relação à negra.”[4]

Chefes de família, periféricas e sem equipamentos estatais como creches, escolas estudais e municipais, as mulheres negras batalham todos os dias contra índices de desemprego, violência doméstica e contra o racismo estrutural que rege o Estado, para garantir a sua subsistência.

Mulheres negras na linha de frente
Como resultado desta segregação, a maioria das mulheres negras, ainda que chefes de família, não conseguem participar de programas de moradia do governo, como o Minha Casa, Minha Vida, por não corresponderem aos índices de adimplência exigidos para os financiamentos destes[5].

Segundo Carolina Freitas, advogada popular, A saída das mulheres negras e trabalhadoras para os desafios e sinucas de bico da vida urbana compreende muitas vezes o seu protagonismo nas lutas sociais típicas da cidade. As ocupações de terra, por exemplo, são experiências da classe trabalhadora em que as mulheres sistematicamente assumem a linha de frente: são elas que respondem pela construção dos barracos, pelo levantamento e manutenção da estrutura básica de sobrevivência da ocupação e, ainda, pelo enfrentamento direto com a polícia.”[6]

É urgente, portanto, que se atente ao óbvio: fortalecer a luta e o protagonismo das mulheres negras na pauta da moradia, reformular uma política espacial urbana e garantir políticas, aparelhos e equipamentos públicos são pautas imprescindíveis à ordem do dia da luta por moradia e direito à cidade, se quisermos garantir um direito à moradia digna e acabar com a segregação espacial na qual vivemos.

Políticas Governamentais
No curso dos últimos anos vivenciamos o crescimento de políticas públicas para a superação da desigualdade social, racial e de gênero, empreendidas por diversos programas de governo referentes à educação, saúde e proteção social, os quais redundaram no avanço da construção de uma sociedade mais igualitária e diversa.

Contudo, com o desinteresse do atual governo na manutenção de políticas e direitos sociais, desde 2015 acompanhamos, dia-a-dia, o desmonte dessas políticas. Isso tem agravado ainda mais a crise econômica brasileira, os índices de desemprego e aumento gradativo dos assentamentos subnormais e população em situação de rua. As mulheres negras são as principais prejudicadas por esse desmonte.

As políticas de austeridade e, em especial, a Emenda Constitucional 95 do Teto de Gastos, que entrou em vigor a partir de 2017 e congelou os gastos públicos por 20 anos, tem proporcionado o enfraquecimento dos direitos humanos através dos cortes orçamentários.

Os programas de direitos das mulheres sofreram uma redução financeira de 40%, segundo apontam os dados do INESC-OXFAM, coletados entre 2014 e 2017.[7] Contamos ainda com a diminuição em 62% do orçamento para moradia digna e 60% para superação do racismo. Casados, estes dados impõe uma realidade cruel para o acesso a moradia digna para a mulher negra.

A campanha Direitos Valem Mais surge a partir da articulação de entidades e movimentos sociais contra os cortes em programas sociais e contra a política de congelamento de gastos. Ela é formada pela Coalização Anti-Austeridade e pela Revogação da EC 95, e propõe o debate amplo sobre os impactos dessa política econômica.

Saiba mais no site direitosvalemmais.org.br

 

  



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Ações: Direito à Cidade

Eixos: Terra, território e justiça espacial