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Jornada de Agroecologia propõe modelo alternativo à agricultura como negócio


Terminou no último sábado (23) a 9ª Jornada de Agroecologia em Francisco Beltrão. O evento promoveu durante quatro dias – de 19 a 22 de maio de 2010– o debate sobre as práticas agroecológicas (Leia mais abaixo) como alternativa para substituir o modelo do agronegócio. Cerca de 3 mil pessoas participaram do evento, entre elas pequenos agricultores, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e representantes de entidades que apóiam a luta camponesa contra as transnacionais da agricultura do Brasil e de países da América Latina.

 A programação do encontro contou com marcha de abertura, seminários, conferências e oficinas sobre temas ligados ao dia-a-dia dos camponeses no campo. O evento foi promovido pelo Fórum Regional de Entidades da Agricultura Familiar, Via Campesina e Rede Ecovida – Paraná, em parceira outras quatro entidades, entre elas a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).

 

A maioria dos debates da Jornada de Agroecologia foi permeada pela questão do controle das sementes pela iniciativa privada internacional, e por conseqüência toda a cadeia da produção agrícola. A advogada da Terra de Direitos, Larissa Packer, expôs aos participantes na quinta-feira (20) como as transnacionais exercem domínio sobre os agricultores.

 

L melgarejo - larissa - jornada 2010

Segundo a advogada, as sementes são patrimônio coletivo dos povos, e o que acontece é a apropriação pelas empresas de uma “tecnologia” desenvolvida por camponeses durante séculos. “Essa lógica de você pegar a semente do agricultor e propor um pacote tecnológico faz do agricultor não um produtor de tecnologias, mas um consumidor delas. É para que serve a lei de propriedade intelectual, para aprisionar o agricultor à compra de sementes”.

 

Vítima do agronegócio

 

O acampado no assentamento do MST Sete de Setembro, em Cascavel, Rui Gomes é uma das vítimas desse controle. Há mais de 10 anos chegou ao acampamento, mas luta desde a década de 80 pela reforma agrária. Esteve na ocupação da Syngenta, em Santa Tereza do Oeste, e teve em sua trajetória a pena de carregar o fardo de perder um companheiro de luta, em 2007 (Leia mais abaixo). “A vida não tem preço, acontecer uma coisa dessas com um vizinho da gente é uma coisa que a gente nunca imagina, mas fazer o quê? A gente tem que continuar na luta”.

 

Apesar de querer praticar a agricultura agroecológica, as lavouras que existem ao redor do acampamento, de plantio convencional, são empecilhos à prática, segundo Gomes. “Para nós trocarmos para o orgânico, por exemplo, já é muito difícil, porque eles matam os bichos das lavouras deles com veneno e o que acontece é que as pragas vêm tudo para as nossas plantações. Fizemos um teste com um pedacinho de feijão lá e não deu nem pra colher. Então a gente se obriga a comprar semente, adubo e veneno pra dar alguma coisa”.

 

O coordenador nacional de formação do MST, Ademar Bogo, abriu as atividades do encerramento no sábado (22) na jornada. Ele falou sobre a questão alimentar e destacou que as sementes são uma condição para a soberania dos povos. “O equilíbrio no campo depende dos camponeses. O capitalista vê a terra como um instrumento de trabalho, algo que não tem direito a descanso. A agricultura camponesa tem uma relação de ligação com a terra”.

 

Stédile: o papel da militância
O líder nacional da Via Campesina, João Pedro Stédile, fez um dos discursos mais esperados dos quatro dias. Ele falou sobre o período histórico atual e sobre o papel da militância na luta e conquista de direitos pelos trabalhadores do campo. Na avaliação de Stédile, o recuo da esquerda, percebido depois da redemocratização de 1989, por hora parou de acontecer. “Paramos de descer, mas ainda não começamos a ofensiva contra o Capital”.

 

 

Stédile falou sobre as eleições deste ano e sobre como a candidatura do tucano José Serra está representando latifundiários e o agronegócio, a classe média conservadora de São Paulo e setores industriais e financeiros. “Voto depende de uma posição de classe, o movimento não pode e não deve determinar voto. Mas claro que é necessário derrotar a candidatura Serra para impedir que a candidatura tucana coloque o seu projeto no Brasil. Temos que ganhar fôlego para seguir avançando a luta”.

 

Encaminhamentos da Jornada

 

Como última atividade do evento, líderes de movimentos sociais do campo, entidades que apóiam práticas agroecológicas e representantes do governo, além de todos os participantes da jornada, participaram de ato político para divulgar a carta da 9ª Jornada de Agroecologia. O documento denuncia, por exemplo, manobras da bancada ruralista contra os direitos humanos, a contaminação de alimentos e ainda trata da criminalização dos movimentos sociais, entre inúmeros outros pontos (clique aqui para ler a Carta da 9° Jornada de Agroecologia ou acesse: www.jornadaagroecologia.blogspot.com).

 

Os participantes da mesa propuseram algumas opiniões complementares às reivindicações dos participantes do evento. “Eu acrescentaria na carta”, sugeriu o deputado Dr. Rosinha (PT-PR), “a reivindicação por subsídio da agroecologia pelo governo para conseguirmos baixar os preços dos produtos agroecológicos”.

 

O coordenador do MST no Paraná, Roberto Baggio, encerrou o ato político com a defesa de maior organização da distribuição de alimentos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “Vamos construir a Conab como grande empresa pública desse país para comprar a comida dos pequenos agricultores, assim como nós temos a Petrobrás, a Itaipu, nós precisamos de uma grande empresa para gerenciar a comida do nosso país”.

 

Baggio disse que a Jornada constitui-se num movimento que tem vida política, vida social e ampla articulação. O grande desafio é, conforme a fala do coordenador, dar continuidade ao projeto da agroecologia, agora para uma 10ª Jornada. “Nós vimos nessa semana que são três litros de agrotóxicos para cada habitante deste país. Se nós deixarmos nosso espaço sem veneno, já estaremos avançando. A cultura do veneno mata, nós queremos para o futuro essa biodiversidade que temos aqui”, disse enquanto apontou para as mudas e sementes agroecológicas.

 

Leia mais:

 

Agroecologia é: Segundo o portal agroecologia.inf.br, a agroecologia é uma prática que visa sistematizar todos os esforços em produzir uma proposta de agricultura abrangente, que seja socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável. Constitui-se como um modelo embrião de um novo modo de relacionar-se com a natureza, no qual se protege todos os tipos de vida.

 

Keno Vive: No dia 21 de outubro de 2007 a Syngenta contratou uma milícia fortemente armada que atacou as famílias no acampamento Terra Livre, em Santa Tereza do Oeste, região Oeste do Paraná. O trabalhador Valmir Mota de Oliveira – KENO, militante do MST e da Via Campesina, foi morto e várias pessoas ficaram feridas. O objetivo dos agricultores era denunciar experimentos ilegais com milho e soja transgênicos na região. Até hoje a empresa não foi responsabilizada pelo homicídio, nem condenada a pagar multa ambiental pelas infrações cometidas, e o processo ainda tramita nos Tribunais Superiores do Brasil.

 

 

 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

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