Notícias / Notícias



Movimentos quilombola e indígena protocolam representação contra Procurador de Justiça do Pará por racismo


Pedido de afastamento encaminhado pelo próprio procurador foi aprovado pelo Colégio Superior do Ministério Público neste dia 28 de novembro. Essa é a segunda vez que Ricardo Albuquerque faz declaração pública racista.

Representação foi protocolada no Ministério Público do Pará nesta quinta-feira (28). / Fotos: Ciro Brito

Na manhã desta quinta-feira (28), quilombolas e indígenas protocolaram no Ministério Público do Pará, em Belém (PA) uma representação contra o Procurador de Justiça Ricardo Albuquerque da Silva pelo crime de racismo.

A representação enviada à Procuradoria Geral de Justiça e à Corregedoria-Geral do MP-PA foi feita pela Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), pela Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu), pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e por um conjunto de entidades como a organização Terra de Direitos e os Coletivos Margarida Alves de Assessoria Popular, Antônia Flor e o Coletivo Jurídico da Conaq Joãozinho de Mangal.

O documento pede que o episódio de racismo seja apurado e julgado - com possibilidade de sanções administrativas no cargo de Procurador - e abertura de um processo criminal pelo crime de racismo. 

O procurador – que declarou em uma atividade do MP que não teria “dívida nenhuma com quilombolas” e que “índios não querem trabalhar” – pediu afastamento do cargo de Ouvidor-Geral, cargo que ocupa desde o fim de 2018. O pedido foi votado e aprovado em sessão extraordinária do Colégio Superior do Ministério Público na manhã desta quarta-feira.

Quilombola do Território Abacatal, em Anandieua (PA), Vanuza da Conceição Cardoso participou do protocolo da representação. Ela lembra que essa foi a segunda vez que o mesmo procurador reincidiu no crime, e que deve ser punido imediatamente. Em março, Albuquerque da Silva foi único procurador a votar contra o estabelecimento de cotas raciais para o estágio do Ministério Público. Na defesa de seu voto, utilizou o mesmo argumento de que não teria dívida histórica com a população negra e indígena. “Esse procurador é tão responsável pelo período escravocrata quanto ele tem sangue de negros nas mãos, porque ele se isenta dessa responsabilidade”, afirma Vanuza.

Respostas do MP
Na entrega da representação, o coletivo de quilombolas e indígenas foi recebido pelo Procurador-Geral do MP-PA, Gilberto Martins e pelo Corregedor-Geral, Jorge Mendonça Rocha. Na reunião, os membros do MP-PA informaram que um procedimento administrativo está sendo aberto pela Corregedoria e também pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Se levado adiante, o procedimento administrativo pode resultar na expulsão do órgão. Liderança indígena no Baixo Tapajós e mestranda em Antropologia pela Universidade Federal do Pará, Luana Kumaruara exige mais: “Queremos a exoneração do procurador”, defende. “Ele que saia para estudar. Nós que somos indígenas temos que vir para Academia, tendo que ser aculturados pelos brancos, para podermos ser respeitados. Ele que aprenda a nos respeitar. A gente não tolera mais em pleno século XXI esse tipo de coisa", complementa Luana.

Vanuza também reforça a necessidade de exoneração do procurador e lembra que é preciso que Albuquerque da Silva responda pelo crime de racismo. “O procurador-geral que nos recebeu disse que humanos erram, que o procurador deve estar arrependido, mas em nenhum momento ele reconheceu que o que o procurador fez era crime”, fala.

Sugestão de leitura | A luta antirracista e a democratização do acesso à terra

Além de protocolarem a representação, o coletivo também protocolou uma nota de repúdio elaborada pela Malungu. “A fala desse senhor nada mais é do que a reprodução e a confirmação de que o Brasil é sim um país racista, que nega uma dívida histórica que o país tem conosco. É inadmissível que o Brasil não reconheça que fomos trazidos do nosso país de origem para sermos escravizados aqui”, destaca uma das coordenadoras executivas da Malungu, Valéria Carneiro. E avalia: “[A declaração do Procurador] é uma forma encontrada de nos renegar as políticas públicas e nossos direitos, inclusive o direito à terra para a população quilombola, mesmo estando garantidas na Constituição", complementa Valéria..

A denúncia
O crime aconteceu no dia 26 de novembro durante uma visita de estudantes de Direito ao Ministério Público, em Belém. Na atividade, o procurador Albuquerque da Silva declarou que não tem “dívida nenhuma com quilombola” pois “nenhum de nós aqui tem navio negreiro”. Além do racismo contra os quilombolas, Albuquerque Silva se mostrou racista contra indígenas, ao declarar que o “problema da escravidão no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar até hoje. O índio preferia morrer do que cavar a mina, do que plantar para os portugueses”.

No caso de denúncias contra membros do Ministério Público estadual, somente o Procurador-Geral de Justiça pode abrir processo por infrações penais, que deverão ser julgadas pelo Tribunal de Justiça. A Corregedoria-Geral será responsável pela investigação administrativa por meio de um Processo Administrativo Disciplinar que pode resultar na suspensão, afastamento, exoneração, aposentadoria ou até na expulsão do cargo.

O documento protocolado destaca que a declaração do procurador Albuquerque da Silva se enquadra na Lei Federal nº 7.716/1989, que define os crimes por preconceito e descriminação de raça, cor e etnia. Além disso, a representação destaca que a atitude do procurador fere o princípio da ‘ilibada conduta’ necessária para o cargo. Para o advogado popular da Terra de Direitos, Ciro Brito, a fala racista se torna ainda mais grave vinda de um operador da Justiça.

Albuquerque da Silva ocupa um dos mais altos cargos na carreira do Ministério Público e foi eleito pelos colegas como Ouvidor-Geral, função destinada a ser o contato com a sociedade e exigir que o Ministério Público garanta os direitos dos cidadãos, como da população negra, quilombola e povos indígena. Com o afastamento, o cargo de ouvidor será ocupado pelo procurador Antônio Eduardo Barleta de Almeida.

Sugestão de leitura | Identidades Quilombolas: o pertencimento territorial no balcão da Justiça

“Isso reflete a falha do sistema de Justiça em sua composição, formado principalmente por homens brancos, heterossexuais, cristãos e de classe média alta. Mais do que isso, ele [o procurador] rebela a crueldade do mito da democracia racial brasileira”, aponta Brito. Uma pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018 revela que os homens ocupam 84% dos cargos de ministros, 77% como desembargadores e 61% como juízes. Além disso, 80% dos entrevistados se declararam brancos.

Violência contra quilombolas
Membro da coordenação da Conaq, Biko Rodrigues lamenta a fala do Procurador e destaca a necessidade de o acontecimento ser investigado – e punido – pelo Ministério Público. "Quando se vê um Procurador com uma fala racista dessa, imagina o que os fazendeiros, por exemplo, se sentem. Eles se sentem livres para assassinar indígenas e quilombolas”, destaca.

Uma pesquisa elaborada pela Conaq e pela Terra de Direitos também revela que a violência é crescente para os quilombolas: em apenas um ano, o número de assassinatos aumentos 350%.

Para Biko, é emblemático que essa e outras situações sejam registradas em novembro, mês em que se celebra a Consciência Negra. Além da declaração do Procurador e do assassinato de quilombolas, o atual presidente da Fundação Cultural Palmares também declarou que não há motivos para reparação histórica no Brasil. 

O coordenador da Conaq rebate a ideia difundida pelo procurador que não há dívida histórica no país. “Essa dívida é muito visível quando a gente vê os números do assassinato da juventude negra e das nossas lideranças – que ficam sem solução – ou quando a gente vê o encarceramento da nossa juventude negra. É por pessoas que pensam assim como ele [o Procurador] que a juventude negra está presa”.



Ações: Quilombolas, Democratização da Justiça

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos