MST | Carta de Santa Cruz defende reforma agrária e produção de alimentos saudáveis
Terra de Direitos
Fonte: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Por Catiana de Medeiros
A defesa da terra e da soberania alimentar fazem parte da Carta de Santa Cruz, elaborada por militantes sociais de 40 países durante o 2º Encontro Mundial de Movimentos Populares, realizado entre os dias 7 a 9 de julho, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
O documento defende a promoção da Reforma Agrária integral, com a distribuição de terra de forma justa e equitativa.
Alerta ainda para “o surgimento de novas formas de acumulação e especulação da terra e do território como mercadorias, vinculadas ao agronegócio, que promove a monocultura destruindo a biodiversidade, consumindo e contaminando a água, deslocando populações camponesas e utilizando agrotóxicos que contaminam os alimentos”.
Carta de Santa Cruz
10 de julho de 2015
As organizações sociais reunidas no Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, durante os dias 7, 8 e 9 de julho de 2015, concordam com o papa Francisco em que as problemáticas social e ambiental emergem como duas faces da mesma moeda. Um sistema incapaz de garantir terra, teto e trabalho para todos, que mina a paz entre as pessoas e ameaça a própria subsistência da Mãe Terra, não pode seguir regendo o destino do planeta.
Devemos superar um modelo social, político, econômico e cultural onde mercado e o dinheiro se converteram nos reguladores das relações humanas em todos os níveis.
Nosso grito, o grito dos mais excluídos e marginalizados, obriga que os poderosos compreendam que não se pode seguir dessa forma. Os pobres do mundo se levantaram contra a exclusão social que sofrem cotidianamente. Não queremos explorar, nem sermos explorados. Não queremos excluir, nem sermos excluídos. Queremos construir um modo de vida no qual a dignidade se alce por cima de todas as coisas.
Por isso, nos comprometemos a:
1. Impulsionar e aprofundar o processo de mudança
Reafirmamos nosso compromisso com os processos de transformação e libertação como resultado da ação dos povos organizados, que a partir de suas memória coletiva tomam a história em suas mãos e decidem transformá-la, para dar vida às esperanças e às utopias que nos convocam a revolucionas as estruturas mais profundas de opressão, dominação, colonização e exploração.
2. Viver bem, em harmonia com a Mãe Terra
Seguiremos lutando para defender e proteger a Mãe Terra, promovendo a “ecologia integral” de que fala o papa Francisco. Somos fiéis a filosofia ancestral do “bem viver”, nova ordem de vida que propõe harmonia e equilíbrio nas relações entre os seres humanos e entre estes e a natureza.
A terra não nos pertence, nós pertencemos à terra. Devemos dela cuidar e trabalhá-la em benefício de todos. Queremos leis ambientais em todos os países em função do cuidado dos bens comuns.
Exigimos a reparação histórica e um marco jurídico que resguarde os direitos dos povos indígenas em nível nacional e internacional, promovendo um diálogo sincero a fim de superar os diversos e múltiplos conflitos que atravessam os povos indígenas, originários, camponeses e afrodescendentes.
3. Defender o trabalho digno
Nos comprometemos a lutar na defesa do trabalho como direito humano. Pela criação de fontes de trabalho digno, pelo desenho e implementação de políticas que restituam todos os direitos trabalhistas eliminados pelo capitalismo neoliberal, tais como os sistemas de seguridade social, a aposentadoria e o direito de sindicalização.
Rechaçamos a precarização, a terceirização e buscamos que se supere a informalidade através da inclusão, nunca com perseguição ou repressão.
Também levantamos a causa dos migrantes, deslocados e refugiados. Instamos aos governos dos países ricos a que derroguem todas normas que promovem tratamento discriminatório contra eles e que estabeleçam formas de regulação que eliminem o trabalho escravo, o tráfico de pessoas e a exploração infantil.
Impulsionaremos formas alternativas de economia, tanto em áreas urbanas como em zonas rurais. Queremos uma economia popular e social comunitária que resguarde a vida das comunidades e que prevaleça a solidariedade acima do lucro. Para isso é necessário que os governos fortaleçam os esforços que emergem das bases sociais.
4. Melhorar nossos bairros e construir moradias dignas
Denunciamos a especulação e a mercantilização dos terrenos e bens urbanos. Rechaçamos os despejos forçados, o êxodo e o crescimento dos bairros marginalizados. Rechaçamos qualquer tipo de perseguição judicial contra aqueles que lutam por uma casa para sua família, porque entendemos a moradia como um direito humano básico, o qual deve ter caráter universal.
Exigimos políticas públicas participativas que garantam o direito à moradia, a integração urbana de bairros marginalizados e o acesso integral ao habitat para edificar casas com segurança e dignidade.
5. Defender a Terra e a soberania alimentar
Promovemos a reforma agrária integral para distribuir a terra de maneira justa e equitativa. Chamamos a atenção dos povos para o surgimento de novas formas de acumulação e especulação da terra e do território como mercadorias, vinculadas ao agronegócio, que promove a monocultura destruindo a biodiversidade, consumindo e contaminando a água, deslocando populações camponesas e utilizando agrotóxicos que contaminam os alimentos.
Reafirmamos nossa luta pela eliminação definitiva da fome, pela defesa da soberania alimentar e pela produção de alimentos saudáveis. Também rechaçamos enfaticamente a propriedade privada de sementes por grandes grupos agroindustriais, assim como a introdução de produtos trangênicos substituindo aos nativos, pois destroem a reprodução da vida e da biodiversidade, criam dependência alimentar e causam efeitos irreversíveis sobre a saúde humano e o meio ambiente. Nesse sentido, reafirmamos a defesa dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas em relação à agricultura sustentável.
6. Construir a paz e a cultura do encontro
Nos comprometemos, a partir da vocação pacífica de nossos povos a intensificar as ações coletivas que garantam a paz entre todas as pessoas, povos, religiões, etnias e culturas.
Reafirmamos a pluralidade de nossas identidades culturais e tradicionais que devem conviver harmoniosamente sem que umas se sobreponhas a outras. Nos levantamos contra a discriminação de nossa luta, pois estão criminalizando nossos costumes.
Condenamos qualquer tipo de agressão militar e nos mobiliamos pelo cessar imediato de todas as guerras e ações desestabilizadoras ou golpes de Estado, que atentam contra a democracia e a vontade dos povos livres.
Rechaçamos o imperialismo e as novas formas de colonialismo, sejam militares, financeiras ou midiáticas. Nos pronunciamos contra a impunidade dos poderosos e a favor da liberdade dos lutadores sociais.
7. Combater a discriminação
Nos comprometemos a lutar contra qualquer forma de discriminação entre os seres humanos, seja por diferenças étnicas, cor de pele, gênero, origem, idade, religião ou orientação sexual. Todas e todos, mulheres e homem, devemos ter os mesmos direitos. Condenamos o machismo, qualquer forma de violência contra a mulher, em particular os feminicídios, e gritamos: Nenhuma a menos!
8. Promover a liberdade de expressão
Promovemos o desenvolvimento de meios de comunicação alternativos, populares e comunitários, frente ao avanço dos monopólios midiáticos que ocultam a verdade. O acesso à informação e a liberdade de expressão são direitos dos povos e fundamento de qualquer sociedade que se pretenda democrática, livre e soberana.
O protesto é também um forma legítima de expressão popular. É um direito e aqueles que o exercem não devem ser perseguidos.
9. Colocar a ciência e a tecnologia a serviço dos povos
Nos comprometemos a lutar para que a ciência e o conhecimento sejam utilizados a serviço do bem-estar dos povos. Ciência e conhecimento são conquistas de toda a humanidade e não podem estar a serviço do lucro, exploração, manipulação ou acumulação de riquezas por parte de alguns grupos. Persuadimos a que as universidades se encham de povo e seus conhecimentos sejam orientados a resolver os problemas estruturais mais que a gerar riquezas para as grandes corporações. Deve-se denunciar e controlar as multinacionais farmacêuticas que, por um lado, lucram com a expropriação de conhecimentos milenares dos povos originários e, por outro, especulam e geram lucros com a saúde de milhões de pessoas, colocando o negócio na frente da vida.
10. Rechaçamos o consumismo e defendemos a solidariedade como projeto de vida
Defendemos a solidariedade como projeto de vida pessoal e coletivo. Nos comprometemos a lutar contra o individualismo, a ambição, a inveja e a ganância que se aninham em nossas sociedade e muitas vezes em nós mesmos. Trabalharemos incansavelmente para erradicar o consumismo e a cultura do desperdício. Seguiremos trabalhando para construir pontes entre os povos, que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração!
Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar