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Nota denuncia retrocesso na política de acesso de indígenas e quilombolas aos cursos da UFOPA


A falta de vagas específicas para indígenas e quilombolas nos cursos que serão ofertados pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) é questionada em carta divulgada no último dia 20. O documento é assinado por professores, estudantes, servidores, coletivos e movimentos sociais, que denunciam o gradativo corte de vagas especiais nos processos de seleção da instituição.

Um  edital divulgado no final de setembro para o ingresso em cursos superiores ofertados em seis cidades do interior do Oeste do Pará, no entanto, agravou esse cenário: o novo processo seleltivo não estabeleceu a política de reserva de vagas para alunos indígenas e quilombolas.

Segundo informações da Pró-Reitoria de Ensino da UFOPA, a falta de vagas especiais foi uma decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, que alega falta de recursos para esse tipo de seleção.

A nota divulgada no dia 20 repudia essa deliberação, e mostra preocupação, já que a maior parte das comunidades quilombolas do Oeste do Pará estão localizadas nas cidades onde estão sendo ofertados os cursos superiores.

“Como fica a interiorização das ações afirmativas na UFOPA? Como atender estas cidades com ações que, de fato, privilegiem os grupos sociais que historicamente têm sido excluídos da Universidade Pública?”, questiona a nota. E continua: “Universidade que é um espaço, ao mesmo tempo, de construção de conhecimentos e de partilha de saberes, mas também um espaço político e de poder”.

Leia a nota completa:

NOTA DE REPÚDIO À NÃO OFERTA DE VAGAS PARA QUILOMBOLAS E INDÍGENAS NO PSR DA UFOPA

Nós, professores negros, negras e indígenas da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, lideranças do Diretório Acadêmico dos Indígenas (DAIN), Coletivo dos Estudantes Quilombolas (CEQ) e Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) e demais apoiadores, manifestamos nosso descontentamento e desacordo com as últimas medidas adotadas nesta universidade em relação à não oferta das vagas específicas destinadas aos indígenas e quilombolas nos cursos que serão oferecidos nos campi do interior, conforme o Edital 031/2017-PSR. Ao mesmo tempo pedimos que a Administração Superior e os Conselhos Superiores da instituição mantenham o respeito à política de inclusão de indígenas e quilombolas em todos os seus cursos e em todos os processos seletivos.

Desde o seu primeiro processo de seleção, no ano de 2010, a UFOPA, garantiu vagas específicas para candidatos indígenas, que entravam pelo Processo de Seleção Especial (PSE). Em 2015, foi criado o PSE para os quilombolas, com 65 vagas, a mesma quantia ofertada aos candidatos indígenas. No ano seguinte, em 2016, foram ofertadas somente 60 vagas para os quilombolas. Em 2017, o número de vagas caiu para 54 vagas, com a explicação de que as demais vagas seriam ofertadas para os campi do interior (Alenquer, Juruti, Monte Alegre, Óbidos e Oriximiná) no processo de seleção que seria realizado em meados deste ano.

Para a nossa surpresa, quando o Edital 031/2017-PSR para estes campi foi divulgado, não se estabeleceu a política de reserva de vagas para alunos indígenas e quilombolas, ou seja, não se instituiu o Processo Seletivo Especial Indígena (PSEI) e o Processo Seletivo Especial Quilombola (PSEQ). O mais preocupante é que, exatamente nestes municípios, está localizada maioria das comunidades quilombolas da região Oeste do Pará. Isso aconteceu sem que nenhuma consulta tivesse sido realizada junto às lideranças e estudantes quilombolas e indígenas ou às suas entidades representativas: DAIN (Diretório Acadêmico dos Estudantes Indígenas) e CEQ (Coletivo dos Estudantes Quilombolas).

A informação inicial obtida da Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) foi de que a não oferta do PSE nesses campi “foi deliberada e aprovada pelo Consepe”, que levou em conta o ônus deste tipo de seleção, ou seja, a falta de recursos financeiros. No dia 04/10, em uma reunião com DAIN e CEQ, a Pró-reitora da PROGES, Profa. Edna Marzzitelli, explicou que o PSE demanda logística, recursos humanos e financeiros que a UFOPA não possui no orçamento atual, pois já realizou um PSE no início de 2017. Disse ainda que, para o PSE de 2018, a ser discutido no CONSEPE em novembro de 2017, as vagas que não foram ofertadas aos indígenas e quilombolas neste Edital 031/2017-PSR seriam devolvidas aos mesmos. Assim, estes grupos não teriam prejuízos.

Contudo, se essas vagas eram para estes cursos nos referidos municípios, os candidatos selecionados para o primeiro semestre de 2018 irão entrar em cursos já em andamento? Como isso se dará? Os candidatos que ingressarem nestas vagas somente poderão estudar nos cursos ofertados na sede, em Santarém? Esse argumento é confuso e se baseia em uma promessa imprevisível. Ademais, o CONSEPE pode não aprovar esta proposta, de maneira que os indígenas e quilombolas que poderiam ingressar nos campi da UFOPA destas cidades serão novamente prejudicados.

Resta-nos fazer outra pergunta: como fica a interiorização das ações afirmativas na UFOPA? Como atender estas cidades com ações que, de fato, privilegiem os grupos sociais que historicamente têm sido excluídos da Universidade Pública? Universidade que é um espaço, ao mesmo tempo, de construção de conhecimentos e de partilha de saberes, mas também um espaço político e de poder.

Entendemos que estas medidas apontam para um enorme retrocesso na política de ações afirmativas na UFOPA, que de início parecia altamente inclusiva e até ousada. Sabemos das dificuldades financeiras por que passam as universidades públicas no país, em especial a própria UFOPA. Todavia, isso não é justificativa para a Administração Superior não convocar professores e estudantes indígenas, negros, negras e quilombolas para discutir alternativas. As explicações técnicas chegaram apenas quando a não oferta destas vagas já era um fato consumado, surgindo, assim, a insatisfação dos indígenas e quilombolas e negros e negras.

Para finalizar, manifestamos nosso protesto pela demora desta universidade em aplicar as cotas étnico-raciais nos seus cursos de pós-graduação stricto sensu, hoje já comuns em vários programas de pós-graduação no país. Que razões a pós-graduação na UFOPA tem para não abrir imediatamente vagas específicas para negras e negros, quilombolas e indígenas? Sabe-se que a PROPPIT está discutindo com a PROGES e com os coordenadores de programas uma proposta para as ações afirmativas ou cotas para indígenas, negros, negras e quilombolas nos cursos de pós-graduação, e que em breve ela será levada aos conselhos superiores.

Porém, resta uma pergunta: como pode ser construída uma proposta de inclusão de indígenas, negros, negras e quilombolas sem a participação destes sujeitos? A UFOPA já possui professores e servidores negros, negras e indígenas, e alunos e alunas indígenas, negras e quilombolas. Neste contexto, como uma política voltada para nós pode ser elaborada sem a nossa participação? Não queremos apenas aprovar o que vem pronto, queremos participar da construção dessas medidas e políticas dentro da UFOPA. Não somos apenas objetos de políticas de ações afirmativas, somos os próprios sujeitos de tais iniciativas.

Assinam e apoiam esta nota:

 

Prof. Dr. Alan Augusto Ribeiro (Programa de Educação / ICED)
Profª. Mª. Carla Ramos (Programa de Antropologia e Arqueologia – PAA / ICS)
Prof. Dr. Florêncio Almeida Vaz (Programa de Antropologia e Arqueologia – PAA /ICS)
Prof. Dr. Gilson Cruz Junior (Programa de Ciências Exatas/ Curso de Informática Educacional/ ICED)
Profª. Mª. Girlian Silva de Sousa (Curso de Bacharelado em Ciências Econômicas/ ICS)
Prof. Me.  Luiz Fernando de França (Programa de Letras - ICED)
Profª. Mª.  Maria Salomé Lopes Fredrich (Programa de Ciências Humanas/Curso de Geografia/ ICED)
Profª. Mª. Marília Fernanda Pereira Leite (Formação Básica Indígena - FBI/ICED/UFOPA)
Profª.Mª. Raiana Mendes Ferrugem (Programa de Antropologia e Arqueologia – PAA / ICS)
Prof. Me. Wilverson Rodrigo Silva de Melo (Programa de Educação/ICED)
Diretório Acadêmico dos Indígenas (DAIN)
Coletivo dos Estudantes Quilombolas da UFOPA (CEQ)
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA)
Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS)
Grupo Consciência Indígena (GCI)
Centro de Estudos e Defesa do Negro da Pará – CEDENPA
Rede Fulanas – NAB – Negras da Amazônia Brasileira
Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará - MALUNGO
Daniela Bentes Mota (Coordenadora do CEQ/UFOPA)
Dileudo Guimarães dos Santos (Presidente da FOQS)
Profª. Mª. Lívia Cristinne Arrelias Costa (Psicóloga/ Comissão de Relações Raciais/CRP)
Mª. Willivane Ferreira Melo (Psicóloga/Comissão de Relações Raciais/CRP)
Lina Alessandra Caripuna
Bruno Amir Silva Vasconcelos
Alene Gomes da Silva
Mª. Luana Lazzeri Arantes (Doutorando em SND/UFOPA)
Layza Queiroz – Assessora Jurídica da Terra de Direitos
Prof. André Freire Azevedo (Programa de Ciências Jurídicas/ICS)
Profª. Bruna Cigaran Rocha (Programa de Antropologia e Arqueologia/ICS)
Profª. Camila Pereira Jácome (Programa de Antropologia e Arqueologia/ICS)
Profa. Celiane Sousa Costa  (Programa de Letras/ICED)
Profª. Cinthia dos Santos Moreira Bispo (Programa de Antropologia e Arqueologia/ICS)
Prof. Jackson Rêgo Matos – SINDUFOPA
Profª. Lilian Rebellato (Programa de Antropologia e Arqueologia/ICS)
Profª. Paula de Mattos Colares (Formação Básica Indígena)
Prof. Sandro Aléssio Vidal de Souza (Programa de Ciências Exatas/ICED)
Prof. Sergio Guedes Martins (Núcleo de Prática Jurídica /NPJ/ICS)
Prof. José Antonio Oliveira Aquino (Programa de Ciências Exatas/ICED)
 

Santarém, 20 de outubro de 2017



Ações: Quilombolas

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos