Notícias / Notícias



Para exigir do governo medidas de proteção à Covid-19, quilombolas ajuízam importante ação no STF


Ignorados pelo governo federal, a população quilombola apresenta maior letalidade em relação à doença.

Em frente ao STF integrantes da Conaq entregam, simbolicamente, a reivindicação aos ministros. Foto: Walisson BragaDiante da ausência de ações do governo federal para enfrentamento à Covid-19 em comunidades quilombolas, população com maior letalidade à doença, a  Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) protocolou, nesta quarta-feira (9), no Supremo Tribunal Federal (STF), uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com o objetivo de obrigar o governo federal a adotar medidas de urgência no combate à pandemia nos quilombos e de proteção a essas comunidades.

A ADPF 742, sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, resulta da leitura da Conaq e organizações sociais de defesa dos direitos de comunidades quilombolas, entre elas a Terra de Direitos, de que a pandemia atinge de modos diferentes distintos setores da sociedade, com maior vulnerabilidade dos quilombos aos efeitos da Covid, sem a devida implementação de medidas de proteção destas vidas pelo Estado brasileiro, aponta a Ação. 

“Diante da pandemia, do estado de vulnerabilidade das comunidades quilombolas, a Conaq ingressou com esta Ação para tentar garantir, pelo menos, um mínimo de atendimento básico à população quilombolas em relação ao acesso ao sistema de saúde e outras proteções fundamentais. Tentamos trazer visibilidade aos povos que estão sendo invisibilizados. O Ministério da Saúde não apresenta dados de infecção e óbitos pela Covid em comunidades quilombolas”, destaca a assessora jurídica da Conaq e Terra de Direitos, Vercilene Dias.

Mesmo com a intensa subnotificação do critério raça/cor/etnia em mais de 25% do total de óbitos, a população negra corresponde a 41% do total de óbitos, de acordo com o boletim epidemiológico nº 28 do Ministério da Saúde, de 26 de agosto. Neste quadro de invisibilidade da manifestação da doença na população negra, as realidades presentes nas comunidades quilombolas é ainda menos reconhecida pelo governo federal, já que o Estado não tem mapeado e divulgado os casos de infecção e óbitos nas comunidades.

Diante da lacuna informativa, tem sido a Conaq que tem mapeado voluntariamente a manifestação dos casos e constata que os povos quilombolas estão mais suscetíveis a morrer de Covid-19 que o resto do país. A taxa  de  letalidade  desse  grupo  é  de  3,6%,  enquanto a  da  população  em  geral  é  de 3,1%, dado subnotificado por não haver monitoramento dos casos e mortes entre quilombolas pelo Estado brasileiro.

Além da ausência de ações dirigidas à população quilombola no contexto da Covid-19,  a intensa desigualdade social e abandono estatal implica em maior vulnerabilidade à doença. Cerca de 75% da população quilombola vive em situação de extrema pobreza, dispondo de precário acesso às redes de serviços públicos, aponta uma pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Neste quadro, apenas 15% dos domicílios têm acesso à rede pública de água e 5% à coleta regular de lixo, e em 89% dos domicílios o lixo doméstico é queimado. Só 0,2% estão conectados à rede de esgoto e de águas pluviais. O acesso à água e estruturas adequadas de saneamento são apontadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como essenciais para proteção à disseminação desenfreada do coronavírus. A população quilombola também não consta como destinatária de políticas públicas específicas no Plano Plurianual (PPA) 2020-2023.
 

A ADPF contou com colaboração de organizações sociais de defesa dos direitos quilombolas. Foto: Gisele Barbieri

Medidas exigidas na ADPF

A Conaq reivindica na ADPF que, no prazo máximo de 30 dias, seja elaborado um Plano Nacional de Combate aos Efeitos da Pandemia de Covid-19 nas Comunidades Quilombolas, por meio da constituição de um grupo de trabalho composto por representação quilombola, órgãos do governo, Ministério Público Federal (MPF), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Defensoria Pública da União, entre outros. 

Para além disso, a articulação lista como ação imediata a distribuição de equipamentos de proteção individual (máscaras e outros), água potável e materiais de higiene e desinfecção às comunidades quilombolas e adoção de medidas de segurança alimentar e nutricional, como distribuição de cestas básicas.

“Além da elaboração de um plano com participação e consulta à Conaq um outro pedido é a suspensão de reintegração de posse e ações anulatórias de procedimentos administrativos. Temos preocupação com a situação fundiária das comunidades na medida que nenhum tipo de deslocamento forçado deveria ser permitido neste período de pandemia”, aponta Maira Moreira.

Medidas para garantir acesso regular a leitos hospitalares e meios para testagem regular e periódica em integrantes das comunidades quilombolas com suspeita ou ocorrência de contaminação pelo novo coronavírus também são reivindicadas pela Articulação, entre outras medidas. 



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos