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Protocolo de Consulta Munduruku é questionado em audiência na Justiça Federal, durante a pandemia, em Itaituba


Audiência foi realizada de forma remota, apesar dos protestos dos indígenas que denunciaram dificuldades de participação no formato online

A Justiça Federal de Itaituba (PA) realizou nesta quarta-feira (12) uma nova audiência na ação que pede a suspensão do processo de licenciamento ambiental da obra de um porto da empresa Rio Tapajós Logística LTDA (RTL). O porto graneleiro construído na beira do Rio Tapajós impactará indígenas Munduruku e ribeirinhos da região.

A audiência é parte de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal em julho de 2019 contra a empresa e o Estado do Pará. Na ação, o MPF pede que o licenciamento da obra seja suspenso por desrespeito ao direito de consulta estabelecido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. No mesmo mês do ingresso da ACP, uma liminar da Justiça Federal determinou que as obras fossem suspensas até que fosse realizada a Consulta Prévia, Livre e Informada aos indígenas. Apesar da decisão, as obras tiveram continuidade, mesmo em meio à pandemia.

Agora, os órgãos querem estabelecer como se dará a Consulta Prévia ao povo Munduruku. Durante a audiência, a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e a empresa RTL propuseram que as aldeias sejam consultadas após a realização do Estudo do Componente Indígena que deverá integrar o Estudo de Impacto Ambiental. A proposta, no entanto, fere o próprio Protocolo de Consulta do Povo Munduruku, que exige que seja previamente consultado inclusive sobre a possibilidade de estudo. O ponto deve ser novamente debatido em futuras oitivas.  

A audiência de saneamento realizada nesta quarta-feira também trouxe mais elementos para análise do pedido de reconsideração de decisão liminar feito pela empresa RTL.  Aspectos como localização, tamanho do impacto e sujeitos afetados pela obra foram trazidas na reunião.  

O movimento indígena aguarda a decisão da juíza que confirmará se será feita uma inspeção judicial para qualificar informações de localização e impacto. A juíza já estabeleceu o prazo de 20 dias para que o Estado do Pará informe a situação do licenciamento ambiental da obra.  

Em meio à pandemia

A audiência foi realizada de forma remota, apesar dos protestos dos indígenas Mundurukus para que fosse adiada. Na semana anterior, os indígenas apresentaram um documento com mais de 40 assinaturas pedindo que a audiência fosse suspensa até que a situação em relação à pandemia de Covid-19 esteja normalizada, para que o povo Munduruku pudesse estar presente. “Devemos fazer parte de todos os processos que afetam nossas vidas”, indicaram no texto.

A carta foi enviada junto a um pedido formal de adiamento encaminhado pela Terra de Direitos, que participa da ACP na condição de amicus curiae – ou ‘amigos da corte’, para colaborar no processo com mais informações. Após a juíza indeferir o pedido da Terra de Direitos, em 10 de agosto, o Ministério Público Federal também reiterou o pedido para suspensão da atividade. A confirmação da audiência e a negação do pedido do MPF veio 30 minutos antes do horário de início.

“Apesar de respeitar as normas sanitárias, a audiência poderia ter ocorrido posteriormente para garantir a efetiva participação ou acompanhamento pelos sujeitos afetados”, avalia o advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Pedro Martins. “As audiências em geral são abertas, mas de forma virtual dependem de acesso à internet e a computador e de saber manusear esses aplicativos de reuniões”, completa.

Consulta Prévia

A ação é emblemática por colocar em questão o uso do protocolo de consulta criado pelos indígenas. O Protocolo de Consulta Munuduruku determina de que forma os indígenas devem ser consultados, e estabelece que todos as aldeias do povo Munduruku do Baixo, Médio e Alto Tapajós – inclusive de Terras Indígenas não demarcadas – devem ser consultadas no processo de Consulta Prévia, Livre e Informada.

Após audiência de conciliação na ação, a Fundação Nacional do Índio (Funai) apresentou em outubro um Termo de Referência onde indicou de que forma o componente indígena deve ser apresentado no Estudo de Impacto Ambiental da obra da RTL. O documento apresentado pela Funai, no entanto, apontou que o Estudo deve considerar apenas dois territórios Mundurukus – as reservas Praia do Índio e Praia do Mangue – distante a menos de 10 km da obra.

O licenciamento ambiental da RTL não indica a consulta prévia aos povos ribeirinhos da região, mesmo que tenham também seus protocolos de consulta. (Leia o Protocolo de Consulta das Comunidades Ribeirinhas Pimental e São Francisco)

Além disso, o documento apresentando pela Funai também prevê a retificação do Estudo de Impacto Ambiental e a inclusão do Estudo do Componente Indígena no processo de licenciamento de outros quatro portos, que já estão em operação. Com o porto da RTL, são cinco empreendimentos em menos de 200 hectares na margem do Rio Tapajós.

Na carta enviada à Justiça Federal para adiamento da audiência, os indígenas Mundurukus também destacaram os impactos dos portos que já estão em funcionamento, e que devem ser acentuados com a operação da RTL. “O Rio Tapajós não é isolado e a vida que existe ali deve correr livre por toda extensão. Os portos afastaram a caça e o peixe do entorno das nossas aldeias e nós temos que viajar cada vez mais longe para obter nossa alimentação”, apontam. E questionam: “Como vamos dizer aos nossos filhos que estamos proibidos de fazer o que sempre fizemos? De viver do nosso modo, de acordo com a nossa cultura?”.

No documento, os indígenas reforçaram mais uma vez a necessidade de que o Protocolo de Consulta Munduruku seja respeitado.



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Ações: Empresas e Violações dos Direitos Humanos, Impactos de Megaprojetos

Eixos: Terra, território e justiça espacial